sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Procrastinação Sentimental

Há sempre algo deixado pra amanhã
Reservado para o mistério
Contido pelo medo
Guardado com o devaneio
Suspendido diante das incertezas
Assaltado pela razão

Entre o que foi dito
E o que está pra se dizer
Cabem um milhão de pensamentos.

Todos em silêncio
Esperando seu momento
De virar matéria.

sábado, 30 de novembro de 2013

Não se entregue


No te entregues corazón libre, no te entregues
Eu sei que a tua dor dói
A ponto de teu pulmão fechar
E teu corpo adoecer
E se eu pudesse arrancava ela de ti.

Mas você precisa entender
O mundo tem muito mais dor
Que essas que você guarda com cuidado
Debaixo de seu travesseiro

Você precisa entender
Que alimentar essa tristeza é egoísmo:
O mundo tem muito mais alegria
Quando você está no meio.

Corre, corre para a rua
Que a vida não vai esperar
As lágrimas secarem
(elas secam e outras vêm).

Basta de se afogar
É hora de transbordar

Que o outro mundo
Tem pressa pra nascer.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A última vez


Foram setenta e quatro berros até entender que aquele olhar não era paixão.
Sete socos para entender que não foi o calor do momento.
Doze empurrões para entender que não foi algo que ela fez errado.

Vinte e nove mãos firmes no braço para entender que não era porque ele tinha uma personalidade forte.
Três tentativas de asfixia para entender que aquele olhar não era de paixão. Era ódio.

Entender. De fato, não entendia nada daquilo. Chegou a pensar ser uma doença genética. Afinal, aconteceu com sua mãe, tia, vó. Gerações passaram por isso e ela, que jurava que jamais permitiria algo do tipo, carregava em seus ombros o peso desses números: setenta e quatro, vinte e nove, doze, sete e três.

Definitivamente, aquilo não era coisa de se entender. Dessa compreensão todas saem analfabetas da escola. Não há uma aula que diga: não precisa ser assim. Coisas que apenas a luta nos ensina. E nessa batalha ela estava só, e tinha sido derrotada. Acariciando sua pele tomada por uma mancha rocha que pesava mais que um piano, prometia: a última vez. E repetiu, quinze vezes. A última vez.

Ela tentava desfazer o nó na garganta que custava a sair. Pensava insistentemente, tentando lembrar quando foi que entrou para a terrível estatística que milhares de mulheres adentram silenciosamente e sofridamente.

A última vez.
A última vez.
A última vez.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Naquele instante

Naquele instante
do abraço
o coração ficou quente.

Naquele instante
do olhar
a cerveja ficou de lado.

Naquele instante
do beijo
o mundo pareceu no lugar.

Naquele instante
do sexo
o instante pareceu eterno.

E fui embora
sem olhar pra trás
nem um instante a mais.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dos caminhos tortos da luta

Uma nova etapa se inicia: as lutas aumentam e a repressão também. É o inicio de uma nova era, mas 
as olheiras,
os ombros pesados,
os corpos cansados 
vem de outras batalhas.

Poetas falam do horror desse mundo - da miséria, da morte e das opressões. 
Falam de um outro possível, de vida plena, justiça, igualdade. São poucos que falam do caminho, do percurso, do meio que existe entre o horror desse mundo e do possível outro. Poucos falam da ponte, que é dificil e cheia de tropeços.

Os últimos dias apontam essa ponte de forma latente. As lutas não são de hoje, nem a repressão é. Mas hoje se apresentam de forma mais intensa. O que antes ocorria distante dos olhos, no exterminio do campo, das aldeias indigenas, das periferias, hoje ocorre nas principais avenidas das grandes capitais. E torna pauta das midias e mesas de bar.

Assisto os rostos espantados daqueles que entraram encantados com a promessa de um outro mundo, sem dar tanta atenção a essa ponte - dura e dolorosa - que tem antes. Falavam de socialismo como algo utópico e como um sonho. O cenário hoje mostra que isso não é brincadeira e que há violência. Que um atraso, uma ausência, uma falha, pode custar a vida e a liberdade de alguém. Que nós temos medo mas seguimos corajosos, enquanto eles tremem de medo e seguem latindo. Latem forte. Às vezes mordem. Mas sabem que será impossível nos derrotar. 

Alguns desiludidos ou fatalistas chegarão à conclusão que a revolução não é só poesia. Ouso questionar.
A poesia não é só beleza;
A beleza não é só alegria.
E a alegria não está só na paz.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Ensaio sobre a saudade

Eu tenho essa saudade grande e de repente me surpreendo com uma longa e irrelevante reflexão por sms, falando de especulação imobiliária e de transporte público ou sobre as dinâmicas que os grupos insistem em fazer nas aulas de psicologia e, de um jeito estranho sei que esse é teu jeito estranho de dizer que também tem saudades.

São coisas assim, banais, que me dão saudade, de quando falávamos de especulação imobiliária, transporte público e outros assuntos tão importantes e tão irrelevantes, enquanto deitávamos na cama adiando o inadiável - a agenda lotada de coisas pra fazer, e o relógio que insistia em parar enquanto estávamos naquele quarto, cheio de tantas histórias.

Então a gente diz coisas bonitas e ridículas dessas que as revistas e livros e novela e filmes bobos dizem por aí, coisas como: "é preciso aprender a ter saudade". Grande bobagem. Coisas que a gente inventa para enobrecer nossas misérias, tipo aquela história de que trabalhar muito e ganhar pouco é algo digno.

Saudade se fosse boa não haveria tanto prazer em "matá-la". Saudade se fosse boa não apertava o peito e fazia a gente se sentir pequenininho, pequenininho. Insuficiente. Incompleto? Um vazio, talvez.

É uma coisa, essa coisa de sentir saudade. A gente pode sentir falta de muita coisa que nunca teve, mas saudade é aquela falta de algo que a gente já teve ou sentiu e nos foi tirado, seja por algum tempo ou pra sempre. Então são pequenas ou grandes alegrias que a gente nem sabia que podia ser capaz de sentir e de repente "tchum". Aparece aquele sentimentozinho maldito de bom, aquela cor na vida cinza e aí ferrou. Você acaba de descobrir um jeito novo de ficar alegre, ou uma forma nova de viver a alegria. E não quer mais ficar sem. Saudade tem a ver com vida vivida, e isso acho que a gente já tem um bocado suficiente pra sentir saudade.

Mas é isso, a vida segue e com o tempo a gente vai tirando lições. Uns aprendem que é melhor não viver grandes alegrias, pra não sofrer grandes perdas ou saudades. Outros para aproveitar ao máximo aquilo que vem de bom pelo tempo que isso durar. Outros nunca aprendem, também.

A verdade é que não tem tantos mistérios, nem muito o que ser dito.
Às vezes é só uma questão de se permitir sentir.
E hoje eu estou feliz com essa permissão que você me deu e eu me dei também, de sentir saudade e tristeza sem compromisso com a alegria.

domingo, 29 de setembro de 2013

É preciso resistir.

Os passos incertos dela pisam o caminho firme. 
A certeza que não tem 
Estão nos olhos, mãos, pés e coração de seus companheiros.
Ela enxerga e isso acalenta.
Acalenta, mas dói por não encontrar em si tal certeza.
Ainda assim, 
Seus passos incertos seguem pisando o caminho firme.

Seus companheiros insistem em fazer do caminho incerto
Um caminho firme pra ela pisar.


É, companheira, não é sempre que dá. Hoje não deu. Não é fácil mesmo, essa coisa de seguir em frente, quando nosso mundo cotidiano parece nos empurrar o tempo todo pro chão. Todo dia. Temo dizer que pra poucos seja, coisa fácil.

Talvez um dia, que não será amanhã nem em tão pouco tempo, pessoas falarão - e talvez nem estaremos aqui pra dizer ou escutar -  sobre esse período de trevas que atravessamos. Talvez um dia a gente entenda que não é natural viver em uma sociedade doente e que pra conseguir isso todos nós somos obrigados a adquirir uma força brutal cotidiana.

É preciso resistir
o preço da comida que sobre no mercado
o preço do bilhete da passagem que sobe
a especulação que faz o preço do aluguel da casa subir
o preço da escola das crianças que sobe
o trabalho precarizado que não acompanha tudo que sobe
a fila do hospital sem sabonete
o sucateamento da universidade
o medo de voltar pra casa
o tempo limitado que sobra pra amar
a medicalização de nossas angustias diante disso tudo
a ameaça de morte,
o terror psicológico,
a prisão e repressão daqueles que buscam resistir coletivamente.

É preciso resistir, mas nem sempre dá.

.

A verdade, companheira, é que você não pode fugir da luta. Ela está intrínseca a tua realidade e condições objetivas.
Talvez para tuas colegas de faculdade seja uma opção ideológica. Escolha teórica metodológica. Não pra ti. Viver é uma luta - e tu pode até optar, em fazê-la coletivamente ou não, mas não dá pra fugir.

Não dá.
Mas hoje você tentou.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Voa longe, Arthur.

como pode alguém
de vida tão besta,
ter esse olhar tão distante,
como Arthur tem essa noite?

sonhos que parecem ser
menores que ele,
(e olha que Arthur nem é
tão alto assim).

mas nessa noite, 
Arthur olhava tão longe,
sabe lá para onde,
sabe lá porquê.

o pequeno quarto de Arthur
não tem portas e nunca soube porquê
talvez seja pra vez ou outra deixar
o pensamento voar longe.

domingo, 11 de agosto de 2013

Casa Perfeita do Casal Imperfeito

Deliciosa as tardes naquela casa dos fundos, naquele bairro longe, daquela cidade vizinha. Eles não eram perfeitos, e tinham lá seus problemas... mas de alguma forma, conseguiram construir uma casa e uma vida muito bonita juntos. Garantindo a individualidade de cada um, reconheciam que suas vidas estavam misturadas, as contas, as roupas - ele com a camiseta dela e ela com a cueca dele, a rotina que um ajudava o outro a lembrar e a comida... ah! A comida.

Almoçávamos e conversávamos, às vezes também simplesmente ficávamos em silêncio. Eles preparando e às vezes lembrando de alguma coisa que precisava ajustar na casa e fazendo uma breve conversa agradável sobre isso. Eu ficava assistindo, como quem assiste a uma série preferida na TV. O jeito que ele pegava a cebola na geladeira de um jeito que pudesse de alguma forma passar pelo corpo dela e mostrar que a deseja. O jeito que ela o abraçava por trás enquanto ele preparava o molho, para ver como estão indo as coisas “do lado dele”. Às vezes consultavam a receita na internet. Cada vez que ia visitá-los era um prato novo.

Fazia calor. Fazia calor naquela cidade quente, e fazia calor porque aquela casa, com aquele amor torto – e torto porque não era convencional, mas era inquestionavelmente sincero – meu coração se aquecia e eu tinha esperança de um dia talvez viver aquilo com alguém. Muitas vezes eu não gostava do prato que eles preparavam – era muito fresca com comida. Mas quando estava pronto eu resolvia que iria comer um pouco por educação, e quando comia era tão gostoso. Eles faziam eu gostar de coisas que eu normalmente acharia desprezível. Passas. Salada com manga. Mandioquinha. A vida com alguém.


Eu comia aquelas refeições com tanto gosto, como se quisesse engolir a comida toda, a casa deles, a vida deles. Eu não queria trocar de lugar com nenhuma das partes. Eles eram essencial para aquilo ser do jeito que era. Poderia trocar a minha vida de personagem para me tornar uma espectadora da vida deles. Ser platéia para o resto da vida. Era porque ali não tinha idealizações e imperfeições eram permitidas, era porque não havia expectativas inatingíveis, era porque ali havia um espaço de resistência frente ao mundo selvagem lá fora que aquele casal parecia tão perfeito. O amor, puro.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Todas as cartas de amor são ridículas (e precisam continuar sendo escritas).

Eu estranho quem não é cafona, pelo menos um pouco,  quando está gostando de alguém. Talvez depois de tantas desilusões e tombos e frustrações, a tendência é nos privar da exposição. De fato às vezes amadurecemos e deixamos de nos apaixonar a cada esquina. Por mais que seja divertido nos encantar ao primeiro "oi" agradável que recebemos, um pouco de seleção é até saudável e nos permite uma certa estabilidade em nossa sanidade.

O problema é que às vezes nos poupamos porque endurecemos e não nos permitimos também viver o ridículo. Ou pior, nos defendemos como se o coração fosse enfraquecendo e por isso precisasse de mais zelo. Esses não são os únicos problemas. E quando há encantamento, apaixonamento, tornamos adeptos ao terrível "relacionamento sério". Fechamos o expediente da sedução e dizemos que é hora de "aquietar" e "sossegar", pois agora estamos com quem amamos e a farra acabou.

Eu acho que é preciso lutar para que não deixemos de viver o lado ridículo do amor. A vida já é pesada demais com suas 8h de trabalho (às vezes hora extra), mais as roupas pra lavar e casa pra limpar e comida pra fazer e cobranças por todos os lados e as contas e tudo. E como militante defendo que lutemos para combater essa vida caótica e opressora que grande parte das pessoas enfrentam (os tais 99%). Mas também defendo cantar alto uma canção do Roberto Carlos ou mesmo do Sidney Magal enquanto toma banho sabendo que a noite terá uma boa noite de sexo com aquela pessoa que está apaixonada ou encantadinha. Ou que no meio da rotina louca encontre um tempo para mandar uma mensagem no celular ou mesmo escrever uma ridícula carta de amor.

Eu sei, a vida é dura, as pessoas são brutas e é cada vez mais difícil encontrar alguém que nos entenda e que seja uma boa companhia e que ao mesmo tempo nos atraia - e pior, que seja recíproco! Mas não deixemos de escrever ridículas cartas de amor pois arrisco dizer - sem medo de parecer ridícula - que essas são uma das coisas que fazem a vida ser viva.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Não se cale!

É sempre do mesmo jeito.
Alguém conta um caso horrível que leu e o clima fica pesado. Outra comenta conhecer uma pessoa que passou por algo parecido, e detalha uma história horrível. Então alguém diz que também conhece e conta outra horrível história. E então uma quarta pessoa que estava calada até então solta, como algo entalado há muito tempo:

- Eu já passei por algo assim.

Por um instante todas se calam. Chegou a hora dela não se calar, e por vez contar algo muito tempo guardado. É a primeira denuncia, ainda que pra quatro pessoas. As palavras saem de sua boca doídas, e as demais recebem as palavras doídas com muita dor.


Então, não é rara as vezes que todas começam a compartilhar suas próprias histórias de dor, até então privadas. Pouco a pouco o corpo relembra aquele toque não desejado que veio mesmo assim. De um desconhecido ou de um namorado da adolescência. Ou de um familiar. Ou de um cara da faculdade.

As estatísticas não escondem. A OMS estima que cerca de mais um terço das mulheres do mundo já sofreram alguma agressão física. Isso significa que uma em cada três mulheres passam, em algum momento da sua vida - e às vezes é um periodo longo - por alguma violência, seja estuprada ou espancada.

A cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil. E quando falamos disso pensamos na imagem do beco escuro e a mulher de saias curtas ("provocando") andando pela madrugada (horário de mocinha ficar em casa!!!). Isso acontece, e independente do tamanho da saia e independente do horário. Mas o estupro está presente no dia a dia mais banal. Na volta de uma festa com um amigo bêbado, no dia que o namorado ou marido ou parceiro força o sexo mesmo sem a mulher estar interessada. E isso agrava com as mulheres pobres que às vezes dependem financeiramente do agressor, que possuem uma dificuldade material de livrar-se de uma situação de violência.

-

Infelizmente, nenhuma mulher está blindada de ser violentada. É claro que vamos criando algumas medidas para evitar, mas acho importante sempre escrever e falar isso porque 

(1) não somos nós que devemos adaptar a nossa vida para possíveis não estupros
é lógico que sabendo que estamos em um mundo machista e que uma a cada três mulheres sofre violência, precisamos estar atentas. há mulheres que recorrem para defesa pessoal, ou que andam com spray de pimenta na bolsa. mas mais importante que isso, precisamos lutar para que estejamos cada vez mais seguras e que o Estado nos dê cada vez mais assistência quando algo ocorre. O problema não é da estuprada, é do estuprador. Não somos nós que devemos temer. E hoje quem teme somos nós porque o mundo está ao lado do estuprador. São os programas e propagandas de TV que mostram a mulher como objeto sexual e muitas vezes naturalizam o estupro ou até fazem piadas. Está na dificuldade de ter acesso a informação do que fazer quando isso acontece. É a suspeita que existe na delegacia, no hospital, na familia, entre os amigos, que de forma explícita ou implícita acreditam que de alguma forma, ela permitiu que isso acontecesse. E isso leva ao outro "porquê" sempre ressaltar que não estamos livres de passarmos pela situação de violência.

(2) muitas vezes não falamos porque temos vergonha e a vergonha existe porque, muitas vezes, pelo motivo acima, achamos que a culpa é nossa. E isso não é só com a mulher que não tem informação. Isso acontece com mulheres que estão na faculdade, acontecem com feministas que são ativistas e debatem isso há anos. É diferente quando acontece conosco. Não estamos habituadas a enfrentar e denunciar o estupro. E denunciar já é um desafio. A mídia não nos deixa denunciar e está estampado nas manchetes de jornal quando aparece que alguma mulher "disse que foi estuprada". Disse que. A mídia coloca a pulga atrás da orelha - será que ela não deu motivo? E essa pergunta ecoa em cada uma das mulheres que passam por isso. Como mais uma mulher que já passou por isso, posso dizer que falar do assunto com mais alguém dá medo. Medo de ouvir um questionamento. É comum não contar para o namorado ou para o pai pelo medo de machucá-los (os "homens protetores que falharam") ou pelo medo de se decepcionar com a reação (quando esses ao invés de ficar ao lado, insinuam que você foi culpada). É preciso vencer esse medo e falar.

Não há saia longa, submissão, reclusão ou silêncio que nos protejam da violência. Há mulheres que vivem para seus maridos, dando comida e roupa lavada e ainda assim são espancadas e forçadas a fazer sexo. Pelo contrário: o que irá nos salvar da violência é justamente a gente fazer muito barulho. Vivemos uma sociedade doente - por séculos e décadas de opressão - que precisa ser transformada. 

Não deixemos que essas experiências dolorosas fiquem guardadas aos muros dos becos, ou às paredes (às vezes de nossas próprias casas). Quebremos os muros e as paredes com nossa denúncia. Precisamos falar disso cada vez mais. Fico sempre impressionada, pois não tem uma vez que alguém me apresenta um texto novo de relato de experiência de alguma violência, que não venha acompanhado de comentários tocantes - no blog, entre a pessoa que divulgou etc. E na hora dói escrever, falar, ler, ouvir, mas também saímos sempre fortalecidas. Isso não pode ficar guardado em nossas gargantas, sobre nossas costas. Joana, Samara, Dalila, Clarice, Felícia, Célia, Regina, Sonia, Gabriela, Liz, Marcela, Zélia, Claudia, Thalita, Veronica, Francisca, Adélia, Mara e todas as mulheres, não se calem! 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

- que que eu tô fazendo aqui?

a tosse não casa com a casa mofada. um mês fechado, o quarto agora tenta respirar. arranca meu ar - o pouco que tem - e na cabeça o terrível pensamento assombra: o que que eu tô fazendo aqui?

pergunta que eu fujo de responder. embora tantos perguntem: um desconhecido na festa de alguém, o taxista, amigos da velha infância, e eu mesma. ainda assim eu fujo.

não sei pra que vim.
embora também não saiba justificar porque ficar em qualquer lugar.
e talvez seja por isso que hoje aqui eu fico.

e a meta é amanhã acordar tentando ver as coisas de forma positiva, receber as coisas boas da vida, e todas essas merdas que repetimos como um mantra, tentando dar algum significado em nossas vidas.
e a meta hoje é acabar o dia viva - sobreviva.

sábado, 11 de maio de 2013

Cotidiano

Na dificuldade de escrever textos, sigo com trechos, fragmentos do cotidiano.

Do ônibus

Enquanto lia um texto de Sergio Lessa polemizando com Antunes e Iamamoto sobre trabalho e quem é trabalhador, um homem pede a licença para falar no ônibus e discursa, curiosamente entrando no debate. É jovem e fala sobre o desemprego e a contradição atual - de pleno desenvolvimento e tamanha desigualdade. Diz que pode não ter emprego, mas que jamais se esgotarão as formas do homem trabalhar. E assim apresenta seu ramo: vendedor de chicletes. Morango ou menta, sabor garantido por uma hora, segue passando pelos passageiros, que iniciam um debate sobre a dificuldade de conseguir emprego e o humor do bom moço que vende chiclete no ônibus.

- Bom que não está na criminalidade - muitos pensam, alguns falam entre os conhecidos, alguns falam diretamente a ele.

Eu penso: Lessa, Antunes e Iamamoto poderiam pegar mais ônibus.

Da criatividade argumentativa dos reacionários (parte 1):

Uma moça olhava os bottons que eu vendia e por um instante se surpreende ao ver o botton: "Legalizar o aborto":
- Você é a favor do aborto??? - diz a moça, indignada.
- Sou, sim. Você não é? - digo, sabendo evidente que ela não é, mas tentando iniciar um debate.
- Claro que não! Essas mulheres só fazem de engravidar. Mas explique porque você é a favor.

Então explico, brevemente, da hipocrisia do Estado em não garantir a gravidez segura mas exigir que a mulher tenha, no direito de escolha da mulher, na quantidade de mulheres que morrem por aborto e que se legalizasse eram essas mulheres que salvaríamos, mas que as mulheres não deixarão de fazer sexo seguro "porque agora pode abortar", de ser uma questão de saúde pública e assim vai. Ela continua a olhar desconfiada, e então, com tom de esperteza, pergunta:

- Se você estivesse dirigindo e visse um gato na rua, você atropelava?
Eu, indignada, prontamente respondo:
- Não!!!
- Então! - diz a moça, no tom de que tinha provado seu ponto de vista.

Da criatividade argumentativa dos reacionários (parte 2):
(aconteceu com uma companheira)

- Você não é socialista?
- Sou, sim.
- Então por que trabalha no shopping?
- Porque preciso de salário, oras! Me sustente então que eu não trabalho mais.
- Ué, você não é feminista? Se prostitua...

domingo, 5 de maio de 2013

Naquele quarto

As roupas espalhadas no quarto e a luz entrando sem pedir licença, pela janela ainda sem cortina. Havia algo de familiar naquele quarto, mas nunca havia pisado antes lá. Ainda assim insistia: havia algo de familiar, algo de conhecido e reconhecido. Buscava entender, pensando em casas e quartos que outrora pisara, e nisso lembrou de outras histórias, de outras lembranças, a mente ia longe, ainda sonolenta naquele quarto. Forçava a lembrar, a tentar entender porquê tudo parecia tão familiar naquele quarto e forçava a memória enquanto sentia seu corpo sendo envolvido lentamente por aqueles braços. Seus braços.

Talvez não fosse um reconhecimento de território.
Talvez fosse a estranha sensação de cabimento.

(e por não ser um livro de romance, 
uma crônica de amor no jornal de domingo 
ou qualquer coisa assim, 
a vida não hesitou em encarregar-se 
de interromper qualquer possibilidade. 
Abduzidos dessa não-história, 
mantemos no imaginário, 
e investimos em um futuro 
pois é a aposta tudo que temos)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ressentido.

Já namorei
Poeta, compositor,
Instrumentista, ator,palhaço...
Tudo que é tipo de artista.

Nunca ganhei
Um poema
Uma canção
Um samba triste

Nem uma piada sequer.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Na parede do quarto, um retrato.

Na parede do quarto vejo,
minhas companheiras,
meus companheiros,
e um caminho pra outro mundo.

E quando estou chorando
porque tenho saudade
ou porque a vida dói;

E quando estou rindo
porque tenho companheiros aqui
ou porque a vida é doce também;

E quando estou com raiva
do mundo bruto que vivemos;
Ou quando há uma vitória
grande ou pequena para nossa história;

Ao chegar em casa, vejo meus companheiros
Na parede do quarto.
E mesmo que o cansaço grite,
E que os ombros pesem,

O retrato faz lembrar, sempre:
Outro mundo é possível
E que há muito o que se fazer,
Pra fora das paredes desse quarto.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

bobagens

trocamos bobagens
olá como está
eu vou bem e você
eu vou bem...

cada um conta bobagens
do canto de cada um
que bom ele diz
que bom ela diz

são bobagens
que me tiram o sono
porque são tuas bobagens
que me botam de volta pra vida.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sobre aqueles que não envelhecem.

"(...)Na roda do mundo,
ao lado dos homens,
lá vai o menino
rodando e cantando
seu canto de amor.

Um canto que faça
o mundo mais manso,
cantigas que tornem
a vida mais limpa,
um canto que faça
os homens mais crianças.

O menino entrega ao mundo
o dom da sabedoria
que nasce do coração.
Porque é do amor e da infância
que o mundo tem precisão."
Thiago de Mello, Cantiga de Roda

Lá vai o menino. Passam os anos e segue, menino.
Quem sabe o tempo passa e menino passe, de novo.
Por causa da roda do mundo que roda.
Por causa do canto pro mundo mais manso.
Por causa da conversa sobre o que era pra ser: alguém pra vida - pra viver.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Poema no Alto

No dia que eu aprendi a voar
Eu aprendi a cair.

(e quem acha isso triste não sabe a alegria que é reerguer-se depois de um tombo)


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

impaciência

inspirado nos trânsitos literais de são paulo
para os trânsitos metafóricos  universais.
se é o amor que transita
ou se somos nós que transitamos
não sei - nem sei se quero saber.

existe esse vai e vem
e achei bonito o que eu li,
que nunca vem em vão.

se é ele - o tal amor - que vai
ou se somos nós que vamos
(ou será todos nós que em uma hora nos trombamos?)

não sei - nem sei se quero saber.
sei é que existe um baita trânsito
pra chegar até você.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Mortal

Reflexões de uma manhã de angústia

Tem dias que acordamos assim, lembrando que a gente morre. Ou: tem dias que eu acordo assim, lembrando que eu morro, e as pessoas em minha volta também. Por conta de uma gripe que nos derruba, um amigo ou parente cuja vida é tirada de assalto, ou a notícia de alguém querido que se encontra em uma cirurgia de emergência.

Talvez não seja medo da morte. Afinal, quando a morte quando vem acaba tudo e pronto. Talvez seja a fragilidade da vida que assuste tanto. Imaginar-se impotente aprisionado em uma cama ou impotente diante a fragilidade de alguém que se quer bem.

Minha vó morreu e quando contei a uma amiga, ela simplesmente disse: "a vida é mais perigosa que a morte". Estava certa. Sabia que o sofrimento era meu, e não da vó que teve tua vida - bela e feliz, pelo que pude acompanhar - encerrada. E o que eu faria a partir de então era também, por minha conta.

E agora, me sentindo mortal e impotente, pequena nesse mundo gigante que assisto dessa grande janela com vista para uma grande avenida, penso: que faço a partir disso? A pequeneza e a grande janela e a grande avenida me desencoraja levantar e tomar um rumo. A pequeneza me diminui mais e mais, me sinto encolhendo a ponto de deixar de existir. Não existir, no entanto, não me deixa feliz. Então penso, como Guimarães Rosa uma vez disse, que o que a vida quer de nós é coragem. Penso em, num ato heróico, levantar e ir pro mundo, pra avenida grande, pra o País gigante.

Fico apenas no pensamento, e então coloco uma canção triste, pra acompanhar meu funeral. Quem sabe não é apenas uma morte simbólica, e em breve nascerá um novo dia e um novo pensamento? Uma nova pessoa? Espero então a próxima coragem, ou o tal novo nascimento, para pegar carona e seguir viagem.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Do tipo que some.

carta pro antigo leitor

Teu olhar que antes me disse tanto, que confessou tanto segredo, partiu pra longe e então... então o que? 
Uma boa história para contar, talvez. Um bilhete único pra percorrer pela cidade grande. Um final triste e seco, tal como a cidade grande oferece! Um final tão oco, perto de um começo e um meio tão preenchido de música e sorrisos e desejos. Te confesso que acreditei mesmo que falávamos de amor, de vida, de coisa-alegre. Queria acreditar não ter sido ingenuidade de criança, por acreditar nas tuas palavras doces, confissões e planos.  Foi coisa de quem acredita nas pessoas. Crescer será isso? Deixar de acreditar nas pessoas?

Queria dizer tanta coisa, ou pelo menos ter a chance de dizer. Saiu de vez e me deixou sem como falar contigo. Sem poder dizer que eu topava qualquer negócio, qualquer forma de relação - posso até ser tua prima de segundo grau. A gente inventava uma história sem sentido, que fizesse sentido pra nós - afinal, não era isso que fazíamos, desde a primeira troca de olhares? De forma autoritária impôs um fim - triste e seco sem nem dar chance pra despedida, pro desfecho, pro adeus.

Tarefa árdua. Teu olhar que antes me disse tanto, vai saber por onde olha, por onde pousa. Os meus seguem a te procurar, com dedicado afinco que sabe que tenho. Tenho medo e desejo de encontrar contigo a cada esquina, e sigo ensaiando reações - um sorriso de canto e um sinal com a cabeça, um abraço apertado, um choro desesperado? Não sei como será, e enquanto isso te procuro, ensaiando reações, canções que tocariam ao fundo - não podia faltar, a tal música.

Verdade é que tu foi inquilino solitário nesse blog de um leitor só por algum tempo. E desde que foi embora aqui é uma pousada, onde pousam muitas histórias que se esforçam para se aproximar da intensidade da tua.

Eu não sabia que o encantamento por ti seria assim, do tipo que dura.
Tampouco sabia que tu seria assim, do tipo que some.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Meio morro, meio mar. Saudade inteira.

Os pés pisam sentindo pela última vez os asfaltos das ruas e avenidas e canais. Os pés sentem também pela última vez as areias feias ao mesmo tempo que os olhos tentam registrar como numa fotografia o horizonte desta cidade. Meio morro, meio mar. Saudade inteira.

São muitas as despedidas, porque despedida pra valer é assim: processo. Ensaio a minha retirada, e num vou-não-vou me preparo para quando não tiver mais opção: quando voar pra longe, para outros asfaltos e outras areias e outros mares for pra valer.

A verdade é que a paixão por essa cidade veio lenta. Pouco a pouco. E apaixonei pelo todo: a grande cidade, o que significava. Sua história. E depois vieram as nuances, detalhes. Os cantos preferidos. O melhor samba, o melhor sorvete, o melhor cinema, o melhor lugar pra dançar, a melhor praça, o melhor cachorro quente. O melhor canto pra olhar o mar.

E tem as pessoas. Aqui descobri a nossa força quando somos mais. Tornamos grupo, tornamos tanto, descobrimos que não estávamos mais sozinhos e que juntos somos fortes. Quando vimos essa força, me senti grande. E então veio o apego por essas pessoas. Pouco a pouco, fui percebendo as individualidades, nuances também. Nesses anos fomos nos descobrindo entre risos e choros e sambas, encontrei artistas da arte e da vida: músicos, poetas, filósofos, cozinheiros - dos mais criativos -, crianças - de alma e de idade - e lutadores, militantes da vida. Conheci professor que aprendeu a ser estudante e estudante que aprendeu a ser professor. Gente que precisa sonhar mais, gente que precisa sonhar menos. Também encontrei trabalhadoras e trabalhadores, em sofrimento e alegria. De uniforme sujo, rosto cansado. De barriga vazia e dor no corpo. De luta e de greve. Gente real, vidas reais.

Aqui, nessa cidade, descobri que vida é assim, um cabo de guerra: ou o mundo nos engole ou engolimos o mundo. Nós optamos por tentar engolir, devorá-lo com gosto. É um campo de batalha nada fácil em que por muitos momentos perdemos ou arriscamos perder companheiros. Tentamos salvá-lo de ser engolido. E o tempo inteiro tentamos nos salvar. Alguns foram. Outros apareceram. Conheci a partir daqui outras cidades, Estados e Países. Outras lutadoras e lutadores de tanto canto possível e imaginável. Conheci a partir daqui, uma outra cidade de São Paulo também, com outras nuances e outras individualidades.

Eu vou embora levando o que essa cidade mais me ensinou: lado humano e belo da vida, que dá força pra enfrentar o que há de mais bruto e sujo. Aqui conheci a dialética. Aqui conheci que a história não acontece como queremos mas que também somos sujeitos pra transformá-la. Aqui conheci gentes. Santos - meio morro, meio mar - me deu gente inteira, e o mundo inteiro.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

de vez em quando

(sucinto e tímido)



de vez em quando tem alguém
pra transformar segundas de chuva
em sábados de sol.

e isso basta.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Do reencontro.

Foi numa ruazinha, ambos a caminho para se encontrar, finalmente nessa São Paulo chuvosa e cinza. Ele sempre de guarda-chuva, ela sempre sem. Falavam pelo telefone, tentando acertar o desencontro até que se vêem. Desligam o celular e caminham, aproximam-se. Ela se abriga no guarda-chuva dele e abraça forte. Ele abraça forte, devolvendo. Ainda abraçados, como se fossem companheiros do campo de batalha após uma guerra, fecham os olhos um no ombro do outro e permanecem:
- Tá bem?
- Não sei...
...
Tá bem?
- Não sei...
- É. A gente nunca sabe.

Então souberam: pode passar quantas batalhas, quantos caminhos, quantas histórias... um estará sempre ali para o outro. Um almoço que virou jantar que virou café da manhã. Conversas intermináveis. Era trégua da batalha, greve na fábrica, pausa para o segundo tempo. Neuróticos, obsessivos ou o que for... por quase 24hs o tempo parou naquela casa. Alguém para rir e chorar, coisas da vida que só aquela pessoa entenderia. E se despedem sem saber quando se encontram novamente, e com o tempo foram aprendendo a lidar bem com isso.

- - - 

Companheiro, estou indo e dessa vez vou menos só. As estradas são outras, mas sei que estamos lado a lado na mesma direção. Nos encontramos em esquinas, para um café, cigarros amanteigados e confissões das mais estranhas às mais intensas. Dessa vez eu vou menos só, na certeza de que marchamos ombro a ombro pela vida doce que acreditamos ser possível construir, pelo amor intenso que acreditamos ser possível viver, por uma humanidade sincera que acreditamos ser possível brotar.

É encontrando contigo que a luta fica menos dura. Te agradeço por me ajudar a encontrar poesia até onde parece não ter, a me manter firme cultivando cada vez mais ódio a esse sistema, mas tremenda paixão pelas possibilidades de relações humanas livres de todo e qualquer tipo de opressão.

Estou indo e dessa vez vou menos só.
Levo com carinho a vontade de voltar
Pra lavar toda saudade impregnada.

Toda batalha é mais fácil de encarar, sabendo que sempre haverá teu abraço-trégua.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

brincadeira (continuação)

que quer o menino
que diz e sai
que olha e vai

brincou na roda
cantou no samba
e tirou pra dançar

em minha direção
passos tortos e certos
o encontro, enfim.

um sorriso de presente
um beijo roubado
um trago de assalto.

de repente, era real:
sorrisos, abraços e
beijos de carnaval.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Você me faz fazer frases curtas.

Você me faz fazer frases curtas.
Rápidas.
Como um twitter.
Talvez seja coisa dos tempos modernos.
Talvez porque esteja (estamos) sempre com pressa, sempre de passagem.
Somos vinheta.

- O que tem hoje?
- Não vou.
- Eu tô por aqui.
- Eu vou acolá.
- Não te vi.

Perguntas que não levam a lugar algum, ou ao menos algum lugar que nos seja de interesse. É que interessa teu caminho em minha direção, meu caminho em tua. Mas estamos sempre com pressa para outros rumos, outros sambas, outros bares, outros corpos e histórias. E os passos teus pros meus, esses são lentos, caminham meio bêbados, alegres, como se não houvesse hora pra chegar. Vivemos esse romance desigual e combinado: ritmo do século passado com toques de era moderna. O tempo é curto e as frases são curtas pra manter a concentração, como hoje se exige. Logo você se distrai com teu almoço, e eu com uma reunião.

Você me faz fazer frases curtas e assim eu aprendi até a fazer poesia.
Brincadeiras.
Pra te chamar a atenção.
Ainda que seja em vão.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Internacionalismo

A cidade de repente ficou pequena, e veio outra.
Daí eram duas cidades, que também ficaram pequenas.
E vieram outras... pequena demais.
Então mudou o Estado, e teve outro e outro e outro.
E o Brasil ficou pequeno.
Então veio outro País... pequeno, pequeno País.

Na semana passada, o mundo todo coube num salão.
O mundo ficou pequeno, e coube naquele salão.
Falávamos muitas línguas e ainda assim nos entendíamos.
Pois todos queriam se escutar,
E contar do que sabiam
E perguntar o que queriam saber.

Hoje o mundo ficou grande.
Todos estão longe
uns dos outros.
Cada um no seu canto do mundo
lutando para que o mundo fique pequeno de vez.
Pra sempre.


domingo, 20 de janeiro de 2013

Mais um morto.

O jornal denuncia
a morte de mais um companheiro.
Eu não o conhecia,
mas lutamos pelas mesmas causas.

O atestado de óbito
está escancarado no jornal
ainda que poucos leram:
Mais um morto pela causa.

Eles sabem que
não adianta matar
um ou milhares:
A causa permanecerá.

Não há arma que mate
a indignação diante da injustiça.
Porque cada um assassinado
são um ou milhares que se revoltam.

Ainda assim eles matam
Porque tem ódio
Porque tem medo

Mas a causa sobrevive
Porque nós temos razão.

*em homenagem a André Caruaru (PSOL-PA) e tantos outros...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

poema no. 334

(por Mauricio de Oliveira Filho)

diz alexandra kolontai
(uma poeta russa)

- O homem atual não tem tempo para amar -

então é por tanto amar
que me sinto fora do eixo
fora dos trilhos
fora do tempo
fora do mundo
(deste mundo)

um deslocando
um despertencente

é por tanto amar
que quero outro mundo
onde caiba tanto amor

onde caibam eus
onde caibam vocês

eu sei
que neste mundo não cabemos
que neste mundo
onde tudo se compra
onde a existência é mercantil

não cabemos eu e
meu amor
                      eu e você

por isso
hei de mudá-lo
eu e minhas companheiras
eu e meus companheiros
verteremos este mundo

numa terra sem amos
        eu e meus amores

De: http://esbocodeblogqueiaser.blogspot.com.br/2013/01/poema-no-334.html

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

dos riscos de deixar nas entrelinhas.

eu não quis dizer
que se pudesse
eu gostava de você.

e não quis dizer
do medo
das pernas bambas
do frio na barriga

melhor dizer
que é o sexo,
que é sacanagem,
que é passageiro.

e não quis dizer
da saudade
da falta
do amor.

melhor dizer
que não era pra ser,
que foi como foi,
que tanto faz.

e não quis dizer
dos abraços sem jeito
dos olhares intensos
dos toques carregados de desejo.

não quis dizer
que aquilo tudo
era a vida vivida

assim
ao invés de colorir o céu
sujamos um lençol.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

brincadeira

a menina e o menino
quiseram brincar.
mas de tão impossível
que era,
de tão difícil
que estava
se encontrar
a brincadeira mudou,
virou esconde-esconde;
e eles passaram a vida
finita ou infinita
desencontrando o encontro
encontrando o desencontro

nunca se viram.
só se sentiram.
e ainda assim
sorriram, sorriram, sorriram.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Mas as pessoas da sala de jantar

A criança observa seus tios, seus avós e seus pais. primos e primas, além de seu irmãozinho menor. A sua família era do jeito que as margarinas gostam: os homens falantes lembravam o pavão que havia visto na televisão dia desses. Imponentes e grandiosos. As mulheres preocupavam-se o tempo inteiro com as vasilhas, se a comida estava certa, se a sobremesa estava encaminhada, se os copos estavam preenchidos. Atentavam-se se as crianças estavam bem.
- Betinho, tira o caminhão da boca do Artur! Ele é neném! - gritava uma delas.

Olhava a tudo e pensava como ali as coisas pareciam tão bem, mas há algumas horas atrás, antes da visita chegar, seu pai gritava com sua mãe, em um volume muito alto. Parecia bravo. A mãe chorava, mas o choro de sua mãe era algo recorrente no dia a dia dela. Já havia se acostumado, e pouco a pouco estava acostumando com os berros do pai também. O que não entendia era a forma como tudo acontecia tão rápido. Um momento estão ali, parecendo se detestar. No outro, agiam como na foto amarelada da estante, do casamento deles. Conhecia aquele sorriso da mãe, um sorriso rígido, diferente de quando ria das atrapalhadas do neném Artur.

Era a hora do jantar e ela já aguardava na mesa, assistindo tudo. Gostava de observar e aprender com sua família como se faz, como se vive, como se fala. Seus irmãos corriam e brincavam. Ela sentava igual mocinha, como a mãe havia ensinado, cuidando para não amassar o vestido. Pouco a pouco as pessoas sentam na grande mesa. Começam a jantar, engolindo as tristezas e pequenos remorsos junto com o bife, arrotando sorrisos e conversa besta. A criança observa tudo em silêncio. Sua tia, tentando envolver a criança no mundo dos adultos, pergunta, diretamente da outra ponta da mesa:

- E então, mocinha, o que vai querer ser quando crescer? Já pensou nisso, ãnh? - Todos aguardam olhando para ela, que tenta rapidamente pensar na "resposta certa" para essa pergunta. Ela examina sua mãe, suas tias, sua avó e responde, com tom de sábia:

- Eu serei mulher de alguém.

A primeira reação da mãe é um susto. Ficou desconcertada, e foi tomada por um mal estar. Foram poucos segundos. Todos olharam para a criança, alguns largaram o garfo. Começam a se olhar, até que a tia começa a soltar uma risada alta.

- Ai, você é uma figura. E você, Bentinho? - Todos relaxam, e agora olham para Bentinho, que diz que será engenheiro, como o pai. Pouco a pouco sorrisos se abrem. O tio bate nos ombros do pai, que parece orgulhoso. A mãe permanece um tempo ainda se recompondo da resposta da filha. Por um instante, reflete sobre quem ela é naquela casa, naquele monte de gente, naquele monte de comida e louça. Lembrou de seus sonhos de quando tinha a idade da filha. Eram grandes. Seus olhos começaram a encher de lágrima, até que.

- Ei, Teresa! Onde está aquele pote verde? Pensei de colocar a sobremesa nele, que acha?

Então, Teresa engole a lágrima e seus sonhos de criança e vai pegar a vasilha verde. Sua filha permanece, sentada igual mocinha. Seus filhos correm, e correm, e correm.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Atravessamos a fronteira.

Atravessamos a fronteira. Do campo entre os extremos previsíveis do clichê - o pudor e o tesão, o romance e a sacanagem, o pavor e a coragem -, havíamos encontrando um canto nosso, só nosso. Você dizia que nós somos (éramos?) um clichê. Eu custei a acreditar. Talvez dizer que éramos um caso a parte atenuaria a nossa culpa (culpa? existe/existia isso?) ou nosso crime (crime? existe/existia isso?). Que seja, agora já foi, deixa pra lá. Atravessamos a fronteira. Ou: tu atravessou e eu atravessei. Não sei até que ponto atravessamos juntos. Éramos nós, e de repente não éramos nós. Tornamo-nos dois estranhos.

Na cama, dois estranhos num elevador. Parece ruim, não é. Surpreendente, talvez. Rápido demais? Ou tarde demais? Havia algo de errado com o tempo, que passava lento e rápido, apressado e atrasado e nossos corpos curiosos e cansados de tanta espera mas ao mesmo tempo tão acostumados e estranhando aquilo tudo. Talvez não era eu. Não era você. Não era nós. Talvez éramos estranhos até para nós mesmos. Aquela cama não se reconhecia naquele espaço. Estranhava aquilo tudo, nos expulsava. Antes do dia seguinte, na hora seguinte, a vida seguia como se nunca tivesse existido um "nós".

Hoje penso: encontros acidentais na rua. Talvez a única forma de te ver. Penso pra quê. Meu interesse por ti não é romântico. Talvez seja pior - mais grave, algo assim -, existia um interesse pelo teu lado humano. E teus ombros não suportaram a nossa história. Preto no branco, certo e errado, fez o que achava que tinha que fazer. O mais aceitável, que curiosamente é o mais desumano. Então foi, da forma mais bruta que tantas vezes temíamos e nos comprometíamos a não fazer. Aliás, nosso único compromisso: não sair dessa forma, da vida um do outro.

Antecipaste a nossa despedida, que estava colocada como possibilidade – se fosse acordado por nós dois que assim seria melhor. Com medo de viver algo novo repetiu velhas histórias, grandes clichês, clássicos modelos de humanidade desumana. Tornou nosso romance sujo, antes tão enfeitado com sucos e canudos e Machado de Assis e tardes em São Paulo e Natal, com toques sutis de submundo, com sua amiga prostituta ou mesmo nossas pequenas aventuras.

Existe uma vontade de reajustar essa história. Não por ti, nem por mim, menos ainda por nós. Algo de acertar as contas com a vida, coisa assim. Enquanto isso, sigo botando concreto e asfalto ou areia do mar no abismo que construiu rapidamente depois desse nosso atravessamento impulsivo. Quem sabe a gente se vê.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Do homem que amava demais

Ele nunca está sozinho. Sempre namorando e sempre aparecendo gente nova pra namorar. Apaixona, machuca, apaixona novamente. Muitas histórias que há um tempo deixei de acompanhar. Antes sentava na beirada de um banquinho com um saco de pipocas e ficava a assistir, como num filme, o seu vai-vém pra lá e pra cá e encontra uma e encontra outra e sai com um e não dá certo e dá muito certo e fica feliz, faz um monte de coisa ou se deprime, se tranca em casa.

Hoje são peças de um quebra-cabeça desconhecido. Não assisto mais voluntariamente, mas as informações chegam para mim compulsoriamente, e vivo naquele sentimento ambíguo de querer saber mas não querer saber e conta-não-me-conta, conta aos pouquinhos e não de uma vez só. Mas eu acabo sabendo de todas as histórias. Ou quase todas. Agora que parei para pensar, não sei. Talvez só as mais importantes.

Às vezes me vem a cabeça pensamentos e sentimentos absurdos como "quando será a nossa vez, afinal?", sem deixar de lado que tivemos... tivemos? A sensação que tenho é de que não tivemos. Não tivemos vez. Tivemos algo, isso é fato: intenso, gostoso, dolorido um tanto. É fato que nos amamos. Uma bela história. Mas não tivemos vez. E a nossa briga era essa, sempre. Entre tantas paixões e amores e tesões, envolvido no meio de tantas histórias, com tantos enredos e personagens, ele não consegue dar vez a ninguém. E eu não quis dizer e se dissesse acredito que tampouco ele entenderia que essa vez ele não queria dar nem para ele mesmo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Falando de mim


Não sei eleger minha banda ou comida favorita. Sequer sei escolher time. Ainda não decidi qual cerveja é a minha preferida. Minha única certeza é ser comunista. E portadora de um diploma de psicologia. Entre coisas básicas como meu nome, idade, RG, nome da mãe e nome do pai, do irmão. Comigo nada é assim, do tipo preto no branco. De resposta bate-pronto: sim ou não. Onde você mora? O que você faz? Tá tudo bem?


E de alguma forma, nesses passos tortos, a vida acontece. Larguei o caminho que estava pronto, catei umas pedrinhas e sigo fazendo o meu, sem concreto e asfalto mesmo - só em alguns trechos. É um labirinto, que de vez em quando tem que voltar quando percebe que pra onde vai não há saídas. Assombrações aparecem o tempo todo e é preciso ter coragem para enfrentá-las. Para isso, precisa reescrever o passado, novos significados, compreender de novo o que ficou pra trás. Os monstros são nossos medos, que reproduzem rapidamente na medida que damos atenção a eles. Guardo os mais divertidos: trovão e palhaço. Tento matar aqueles medos de coisas que são fora de nosso controle. E o que é possível resolver, superar, enfrentar, vou lá e faço, sempre de mãos dadas com outras pessoas. Tenho minhas companheiras e companheiros que me dão muita coragem de fazer, falar qualquer coisa. De ser quem eu quiser. São quem me dão coragem para caminhar. De vez em quando tem que fazer uns caminhos que parecem desnecessários, mas que são importantes, porque nesse labirinto da vida, o objetivo não é chegar apressado no final. O que interessa é o caminho.

E sabe, parando pra pensar um pouco, nesse começo de ano... até que olhando pra trás, meu caminho não está assim, nada mal.



 
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