quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Dor elegante.

É seca. Sem cor e quase que sem dor. Acompanha durante o dia, como um ruído chato daqueles que fica depois de ouvir música muito alta. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu. Assim. E mais. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu. E assim fica, por horas e horas, dias. Parece uma eternidade mas não faz nem uma semana. Fica ali, acompanhando e incomodando, o tempo todo. Quando fica consciente, incomoda mais ainda. E começa a pensar, nessa tristeza. Aí vem a lágrima. Curta e seca. Logo se permite parar.

Terceira ou quarta grande desilusão amorosa. Sofreu mesmo duas vezes. Depois endureceu e hoje apenas formaliza, como o médico que declara a morte do paciente, já acostumado com o procedimento sem quase sentir mais.

- Hum. Acabou.

E apenas permite sentir, por alguns minutos, deitada na cama, aquela sensação de mundo caindo, acabando, entrando em colapso. Mas apenas fica com um olhar morto, deitada na cama. Sem mais choros doloridos, desesperados, inconformados. Apenas fica ali, deitada, olhando para o teto e pensando "logo passa, logo passa". Age como uma senhora frígida que diz a criança que quer começar a sofrer desesperadamente: "você vai sofrer uns dias, mas logo vai passar. as coisas são assim, tem fim, e essa história chegou ao fim. daqui uns dias não vai significar mais nada".

Depois levanta e segue a vida, os olhos um pouco marejados e com aquela tristeza seca e permanente. Uníssona. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu. Até que alguma memória arrombe o peito. Sorriso. Uma música. Uma conversa. Um cheiro. Um orgasmo. Assaltam a memória sem pedir licença, sem culpa, sem rodeios. Arrebatam da pior forma. O mundo cai de novo, por alguns instantes. Deixa cair uma lágrima - a rua do hotel deixou cair cinco, e um soluço de tristeza. Ninguém entendeu, porque sequer teve chance de contar do amor, tampouco falaria do desamor. Resta sentir de forma solitária e não compartilhada.

São momentos curtos. Não duram nem dois minutos e logo segue com outra tarefa, com aquele olhar morto de metrô, como se tivessem lhe roubado a vida, a alma, e só resta a carcaça, que segue fazendo as coisas naquela sobrevida de merda. É tanto sentimento que transborda que fica sentimento algum. Como quando todas as cores geram o branco. De tanta luz, virou branco. Branco. De tanta canção, ficou uníssono. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu. E as lembranças tão carregadas de poesia ficaram manchadas por um fim torto. O ato mais covarde dos atos roubou qualquer tristeza que pudesse vir acompanhando de canções e poesias. Deixou formal e sem gosto.

E então não restou nada. Apenas esse ruído chato e irritante e algumas memórias que tentam dar um golpe de estado e fazer algum sentimento aflorar. Mas é tudo branco e uníssono. Não tem mais sentimento. O amor morreu dentro de mim e agora não tem pra ninguem. Levou um tiro mas não quis fazer alarde. Pediu licença ao patrão por telefone, entrou em recesso, e foi se guardar em silêncio, machucado, ferido. E fica essa tristeza seca, sem cor, quase que sem dor, e uníssona. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Desamor

Amar é bom
Triste é o desamar.

Envelhece.
Embrutece.
Endurece.

E o que era cor vira cinza.
Ruas e canções ficam proibidas.
E o silêncio da mágoa ressoa
como uma canção irritante
que insiste em ficar na cabeça.

Amor não é bom se doer.
Amor é quando o corpo sorri e goza.
Aquilo que dói é desamor
Que vem e finca sua bandeira.
E só sai quando não restar mais nenhuma gota.



domingo, 21 de dezembro de 2014

Distração

desapercebida
eu, despida - pra ti
nós, despedida.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Parires e Partires


Você de assalto, assunto do dia
nessa mente inquieta
Que te faz voltar e voltar e voltar
Como um ventilador nivel máximo
No calor desse paraíso infernal.

Mas é chegada a hora
em que as urgências do coração
sucumbem às imediatas
e mesquinhas e inúteis
tarefas cotidianas.

De tanto parir saudade
Partiu agora sem medo.

domingo, 30 de novembro de 2014

Amor de classe (eles estão por fora)

Eles estão por fora
Com a tal história
de que amor é
quando dois viram um.
quando cede pra agradar
quando é capaz de morrer por.

Contigo quero virar povo
devoradores de mundo
em marcha pelo pão e pela alegria.

Quero discordar, quando assim for,
para ombro a ombro
avançar nas descobertas.

E por ti quero viver - muito
ao seu lado e pra além de,
na luta por outro mundo.

Amor de classe
em si e para si,
em ti, em mim
pelo mundo afora.
pra todo o mundo
(eles estão por fora!).

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

História em três atos (e talvez alguns mais...)

I

Que precisou tudo passar
Na minha e na tua vida
Pra gente se passar
Se perceber
Se enxergar
Se viver.

II

Precisou chegar tarde
E por ser tarde ficou urgente
Nasceu pra ser momento
Fragmento no tempo-espaço
Condição possível
Na impossível condição de ser.

II
 
Permitir-se saciar o desejo
E de insaciável sê-lo
Vez ou outra castrar na superfície
Mas salvar a raiz pra crescer
Ao se permitir reanimar vez ou outra
O desejo de me viver.

domingo, 23 de novembro de 2014

Para uma vida viva

Nunca deixe de viver algo
por receio de bagunçar o cabelo

Mergulho impulsivo no mar
Dançar como se não houvesse amanhã
Curtir o vento na garupa da moto
Deixar a chuva molhar
Massagem na cabeça
Uma trepada gostosa sem pudor.

Se algo te despenteia,
grandes chances de ser algo bom.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Entorpecer e desentorpecer

Diferente dos últimos dias, o mar não estava bravo. Dessa vez, calmamente, acolheu o seu corpo dos pés até a cabeça. Enquanto isso o sol se despedia para dar chance à lua e às estrelas. Entorpecimento. Cada onda levava um peso de seus ombros. Levou a tristeza, o ódio, a angústia, a mágoa. Cada dia de sua vida foi sumindo. Cada pensamento. Cada preocupação. Cada esgotamento. Caminhava mais além e quanto mais longe das terras firmes mais escuro ficava, ao ponto de não ver mais quase nada, não sentir mais nada, não pensar mais nada. Entorpecida.
Lembrou de respirar. Percebeu a quanto tempo já não fazia isso, sufocada nas tarefas cotidianas. Deixou ir embora algumas bagagens, e quando se viu deixando tudo ir embora, agarrou-se forte na lembrança de um rosto. Aquele rosto...
Voltou a sentir seu corpo, agora excitado com a boa lembrança. Lentamente as ondas tentavam devolvê-la ao solo. Respeitou os anseios do mar. Era hora de voltar.
Desentorpecer.
Vida que segue.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Hoje não tem poesia

No limite do limite. Então desmanchou-se. Uma pequena tragédia diária havia por fim derrubado e agora não andava, apenas flutuava. Era como se os pés estivessem fora do chão, como se estivesse bêbada em um lugar estranho, com pessoas estranhas.

Mas é a sua própria casa e não tem ninguém.




domingo, 9 de novembro de 2014

Escreve, rapaz, escreve

À Claudio, com carinho.
E à todos os jornalistas explorados.


Rapaz que escreve noticias
Do mundo que paga pessoas
Pra escreverem noticias
De um mundo
De um jeito
Que o rapaz não gosta.

O rapaz escreve as noticias
Pra pagar o pão, o aluguel e a boemia
E com o troco do salário
E com o troco do tempo
Constrói um outro mundo
De homens, mulheres e noticias livres.

Escreve, rapaz, escreve.
Com paciência histórica pra tolerar
o cansaço (e a própria impaciência)
escreve as noticias que teu patrão pede.
Mas com seus companheiros e companheiras
faça os fatos que a história exige.

sábado, 8 de novembro de 2014

Morreu um operário

Morreu um operário.
Um só? Não, vários.
Todos os dias.
Dizem que foi infarto,
muita calabresa ou cigarro.
Mas não, não! Foi trabalho.

Morreu um operário.
Não, um só não. Foram vários.
Por todos os lados, todos os dias,
mas nem todos viram noticia.
É preciso dividir o espaço do jornal
com o trânsito, famosos e outros casos.

Morreram operários e não foi acidente.
Quem matou foi seu patrão
e a imprensa que encobriu
e o governo que nada fez.
e a justiça que segue em silêncio
protegendo patrões e presidentes.

Todos os dias há uma chacina diária
de operários e operárias
que morrem e outros assumem seu posto
Com tamanho desgosto,
Tamanho medo da morte,
às vezes contando apenas com a sorte.

Por todos que se foram
Por queda, contaminação ou fadiga.
Não há que se temer a briga
Pra que esse crime se cesse.
Pra que não se deixe pra trás.
Nenhum operário a mais.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

desejos

uma nova etapa histórica:

tomar cerveja sem mais valia.
te amar sem temer o relógio.

sábado, 1 de novembro de 2014

Moço

moço se você soubesse
que eu só queria
sexo, assim queria.

sexo, seu cheiro.
sexo, sua boca.
sexo, tuas mãos em mim,
sexo, você entre minhas pernas.

moço se eu soubesse
que só ter só sexo
era impossível querer

seu sexo seu cheiro sua boca
tuas mãos em mim
você entre minhas pernas
vem com você no meio inteiro

moço esse teu olhar
vem com tanta coisa
que não cabe na urgência das palavras

você
olhos-orelha-lingua
mãos-boca-perna
sorriso-e-consciência-de-classe
merece tão mais que uma confissão vagabunda
em forma de poema sem rima nem métrica.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Viver, caminho sem volta.

Trocou o piso firme do concreto pelo inconstante chão de areia, na expectativa de construir castelos. Mas o mar, o vento, e o próprio solo frágil ditaram os limites desse plano. Não destruíam apenas seus projetos. Manter-se em pé, tarefa árdua: frequentemente era derrubada. Aquela situação a deixava paralisada, mas era insuportável ficar parada, com tanto movimento ao redor. Não queria apenas ser levada, pelo mar ou pelo vento ou coisa qualquer, tampouco sabia aonde ir. Caminhar contra o vento é cansativo, e piora quando não se tem um destino claro. Queria voltar mas não existia mais ponto de partida. Descobriu da forma mais dura que essa vida só tem passagem de ida. Sem ter pra onde ir, sem saber o que fazer, fincou seus pés na areia por alguns instantes e curtiu a brisa.
"Nada mal", pensou.

sábado, 25 de outubro de 2014

Misérias do coração

Dividimos a maçã.
Achei que era amor,
mas era o fim do mês.

(Anti-)poesia da vida adulta.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Meio dia, dois dias depois.

Teu corpo todo, primeiro pensamento da manhã, que faz o corpo meu inteiro acordar, desde a ponta dos pés. Despertar e pensar as tarefas do dia. Tentar lembrar aonde estou, que dia da semana é. Desânimo. Dia cinza. Melhor lembrar de você. Colore o quarto de novo, ajuda o corpo a acordar.

Em meio aos afazeres, teu sorriso arromba a porta de algum aborrecimento cotidiano. Problemas, problemas e problemas. Dos mais mesquinhos aos mais tensos de nossa classe. Nossa classe. Teu sorriso de novo aparece.

Fechar os olhos e ver teus olhos. A fotografia daquele quase último instante. O teu rosto em minha direção. Seus olhos olhando os meus olhos. Ao fundo, o antigo projeto neoliberal se apresentando como novidade aos desavisados. Ao redor, conversas banais das mais banais famílias tradicionais, naquele domingo no restaurante. Nada importa naquele instante. Teus olhos olhando os meus, isso sim, importa. Interrompidos pelo garçom:
- Posso retirar?

Garçom prudente. E cada um pra sua estrada: você vai voando, eu pela terra - coisa rara.

Meio dia, dois dias depois. Pousar do pensamento longe que faz lembrar teu corpo, teu rosto, teu sorriso, teus olhos... de volta aos afazeres, até o próximo assalto teu. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

2650km.

impulsivo
pulsa o querer
ao querer o impossível

apressa o passo
pra ser passível
de ser possível

um abraço.
 
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