terça-feira, 7 de agosto de 2012

Quanto pesa uma bandeira? - parte 2.




As noites más dormidas, os não almoços e não jantares. Cruzar Estados, às vezes oceanos. As manhãs e tardes de passeio substituídas por assembleias e atos. Às vezes cheio, às vezes vazio.

Daí chega o dia. E uma vitória. Duas. Três.

E mais um que se convence que a bandeira deve ser maior. E mais uma. Dois, duas.  Três, milhares...
Os tais milhares.
Amanhã vai ser maior.
Amanhã vai ser outro dia.

E que o futuro seja de liberdade plena, enfim.




- - -

E olhando o oceano e a cidade de Natal, em meio a uma conversa com um companheiro, sobre as lutas e a dureza da vida, pensava: 
"Mas eles tomarão a cidade."

"É bem possível, Dario, que sejamos fuzilados no fim de toda essa história. Duvido de hoje e de nós. Você, ontem você transportava fardos no porto. Curvado sob a pesada carga, você seguia com um passo elástico  as tábuas oscilantes entre o cais e a entrecoberta de um cargueiro. Eu, eu arrastava correntes. Expressão literária, Dario, pois só se usa uma matrícula, mas é igualmente pesada. Nosso velho Ribas do comitê vendia  colarinhos postiços em Valença. Portez empregava seus dias a moer pedregulhos em mós mecânicas ou a perfurar rodas dentadas de aço. O que fazia Miro com sua suavidade e sua musculatura felina? Engraxava máquinas num porão de Gracia. Na verdade, somos escravos. Tomemos esta cidade, mas olhe-a, esta cidade esplêndida, olhe essas luzes, esses fogos, escute esses sons magníficos - carros, bondes, músicas, vozes, cantos de pássaros e passos, passo e o murmúrio indiscernível dos veludos, das sedas -, tomar esta cidade com estas mãos aqui, nossas mãos, é possível? Você riria bastante, Dario, se eu lhe falasse assim em voz alta... Você diria, abrindo suas grandes mãos peludas, fraternais e sólidas: ´Sinto-me capaz de tomar tudo. Tudo.´. Assim sentimo-nos imortais até o momento em que não sentimos mais nada. E a vida continua quando a gotícula que somos retorna ao oceano. Minha confiança aqui se reúne à sua. O amanhã é grande. Não teremos amadurecido em vão essa conquista. Esta cidade será tomada, se não por nossas mãos, pelo menos por mãos parecidas com as nossas, mas mais fortes. Mais fortes talvez por terem se endurecido mais, devido à nossa própria fraqueza. Se somos vencidos, outros homens, infinitamente diferentes de nós, infinitamente parecido conosco, descerão esta rambla num crepúsculo semelhante, daqui a dez anos, daqui a vinte anos, isso realmente não tem nenhuma importância, meditando sobre a mesma conquista: pensarão talvez em nosso sangue. Já imagino vê-los e penso no sangue deles que também correrá. Mas eles tomarão a cidade."
Victor Serge, Memórias de um Revolucionário 
(esse trecho é um trecho que ele escreve em "Meditação sobre a Conquista")


O primeiro texto com esse título, clicando aqui.
 
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