sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Uma facada daquelas que vem de maneira inesperada...

A dança das cadeiras - João Pereira Coutinho

"Todos os anos, quando dezembro caminha para o fim, eu penso apenas no princípio. Como acomodar em casa os livros e as revistas que virão com 2008? Só existe um caminho: pela limpeza metódica dos livros e das revistas que ficaram de 2007.
Dito e feito: em cinco horas de labuta, acumulo cem livros, talvez mais, que rumarão para a biblioteca do bairro, para estantes de amigos, para o caixote do lixo. E depois trato das revistas, enfiando em sacos plásticos quilos e quilos de inutilidade impressa e salvando apenas uma mão cheia de artigos memoráveis. Quando anoitece, a casa está mais vazia e a porta de entrada mais cheia. Que venha o novo ano!
Mas então encontro entre os despojos de 2007 um soldado perdido de 2003. Um jornal, um anônimo jornal do dia 4 de setembro daquele ano, a mendigar leitura e atenção. Sento-me no sofá, vou folheando as páginas. Banalidades. Em Portugal, os partidos políticos discutiam ainda a ausência de armas de destruição maciça no Iraque. Na China, um tufão fizera 32 vítimas. Na Rússia, novos atentados em trem da capital. E a multinacional Avon, em enquete mundial, concluía que as mulheres brasileiras são as mais preocupadas com a estética. Valerá a pena guardar o jornal do dia 4, com as notícias do dia anterior?
Sim, talvez valha. Sobretudo quando o meu pai morreu no dia anterior. Dia 3 de setembro, recordo agora. A lembrança instala-se no momento em que fecho as páginas do jornal. E eu pergunto por que estranho motivo o guardei. Mistério. Talvez porque guardo mais do que seria necessário, ou desejável. Ou talvez para ilustrar, em todos os sentidos possíveis da palavra, como os dramas pessoais valem pouco quando o mundo inteiro avança na sua perfeita normalidade. Indiferente a nós e à nossa patética existência. Armas no Iraque. Tufões na China. Atentados na Rússia. Beleza no Brasil.
É a melhor explicação. Porque não é apenas o mundo que avança. Apesar de tudo, nós avançamos com ele e as perdas serão compensadas pelos presentes que virão. Não, não falo dos presentes que se embrulham no papel da época e se oferecem como manda a tradição natalícia. Falo dos outros, que se reúnem à mesa. Os sobreviventes. E que todos os anos, quando a noite de Natal se aproxima, sentem a ansiedade crescente de encontrar mais uma cadeira vazia.
Mas será que existem mesmo cadeiras vazias? Desde 2003 que a ansiedade regressa todos os anos. E, todos os anos, quando a noite chega e a família se reúne, eu posso jurar que encontro no rosto dos que ficaram o reflexo dos que partiram. Os gestos do meu pai. As expressões dele. As histórias e as memórias que eu conto, que eu escuto, que eu volto a contar.
E existe sempre um comediante de serviço que aponta para a minha pobre cabeça e proclama, provavelmente embalado pelo álcool, ou pela nostalgia, que o cabelo do cronista, como o cabelo do meu pai, também me está a abandonar.
É justo assim. Não falo do cabelo, falo de fim. E falo de vós, leitores, a quem desejo um Natal feliz. Brindemos juntos em nome dos ausentes. Mas brindemos, sobretudo, em nome dos presentes. São eles que um dia brindarão por nós."

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

família ê...

Morrer é uma saída tão fácil quanto chorar pra ser o centro das atenções.
A comida vai ficando cada vez mais leve, enquanto o ambiente, cada vez mais pesado. A trilha sonora é a mesma de tantos sábados passados, mas muita coisa mudou nos mesmos personagens da história. Algo saiu do lugar e não se sabe como ajustar.

Parte de mim quer fugir, gritar "PARA O MUNDO QUE EU QUERO DESCER", mas parte de mim só pensa em colocar a minha progenitora no colo e dizer que tudo irá ficar bem. Não deveria ser ao contrário? Pois é, a vida é cheia de avessos...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

"eles eram religiosos, mas acreditavam em Deus"

Foi assim que eu revolucionei a teologia no meu primeiro ano do Ensino Médio.

sábado, 15 de dezembro de 2007

"Há algo invisível e encantado entre eu e você"

Eu adoro pensar em laços invisíveis entre as pessoas. Forças que funcionam como empuxo e nos levam a alguém. Não acredito na frase "entre tantas pessoas eu encontrei você", como se fosse um acaso. A gente seleciona as pessoas (e não necessariamente conscientemente), e quem diz que aparências são só aparências, é simplesmente muito ingênuo ou covarde.

É claro que aparências eu não me prendo a roupas, mas sim gestos, comportamento, e até mesmo posicionamentos no espaço.

Acho interessantíssimo observar os movimentos das pessoas para se agrupar. Seria simplificar demais dizer que buscam pessoas parecidas. É uma série de coisas que acontecem: gente buscando o que queria ser, gente buscando com quem parece, uns até buscam um desafio para se relacionar...

Ser humano é um bicho interessante. Menos humano do que pensa que é e mais bicho do que parece ser.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

sem título.

"Foi só um sorriso e foi por amor
Nenhuma ironia, não foi por mal
Foi quase uma senha pra te tocar
Nem foi um sorriso, foi um sinal
Por trás das palavras, da raiva de tudo
Sorri pra tentar chegar em você
Foi como fugir pra nos proteger
Enquanto eu sorrir ainda posso esquecer

Porque quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?

Ninguém tem razão, tenta me entender
E a gente é maior que qualquer razão
Foi só um sorriso e foi por amor
Te juro do fundo do coração
Foi como tentar parar esse trem
Com flores no trilho e acenar pra você
Parece absurdo, eu sei, mas tentei
Enquanto eu sorrir ainda posso esquecer

Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?

Deixa isso passar, e quando passar
Vou estar aqui te esperando
Pra te receber
E sorrir feliz dessa vez
Que esse amor é tanto

Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?"

Leoni, Quem além de você?

Tem sido meio difícil escrever coisas que fujam do tema morte, e pra não abandonar o blog e nem deixá-lo mórbido demais, deixo palavras alheias, não tão distante do que penso/sinto.
Penso agora que se não citamos a morte, falamos da vida. Se falamos da vida estamos de certa forma a afirmando e negando o seu fim. Isso não seria falar de morte?
Foi só um pensamento infeliz que me atravessou por um instante. Talvez eu não concorde.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

"faço nosso o teu segredo mais sincero."

"Estou livre? Tem qualquer coisa que ainda me prende. Ou prendo-me a ela? Também é assim: não estou toda solta por estar em união com tudo. Aliás, uma pessoa é tudo. Não é pesado de se carregar porque simplesmente não se carrega: é-se o tudo."

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"Confio na minha incompreensão que tem me dado vida liberta do entendimento, perdi amigos, não entendo a morte. O horrível dever é o de ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver-se a si mesma. E para sofrer menos embotar-me um pouco. Porque não posso mais carregar as dores do mundo. Que fazer quando sinto totalmente o que outras pessoas são e sentem? Vivo-as mas não tenho mais forças."

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"Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas – nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e – milagre – se anda."

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"Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar e vejo as espessas espumas mais brancas e que durante a noite as águas avançaram inquietas. Vejo isto pela marca que as ondas deixam na areia. Olho as amendoeiras da rua onde moro. Antes de dormir tomo conta do mundo e vejo se o céu parece azul-marinho intenso, cor que já pintei em vitral. Gosto de intensidades. Tomo conta do menino que tem nove anos de idade e que está vestido de trapos e magérrimo. Terá tuberculose, se é que já não a tem. No Jardim Botânico, então, fico exaurida. Tenho que tomar conta com o olhar de milhares de plantas e árvores e sobretudo da vitória-régia. Ela está lá e eu a olho.Repare que não menciono minhas impressões emotivas: lucidamente falo de algumas das milhares de coisas e pessoas das quais tomo conta. Também não se trata de emprego, pois dinheiro não ganho por isto. Fico apenas sabendo como é o mundo.Se tomar conta do mundo dá muito trabalho? Sim. Por exemplo: obriga-me a me lembrar o rosto inexpressivo e por isso assustador da mulher que vi na rua. Com os olhos tomo conta da miséria dos que vivem encosta acima.Você há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida."

E eu que às vezes penso que sou uma reencarnação mal sucedida de Clarice.
 
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