domingo, 23 de dezembro de 2012

Recesso.

Escreve e para. Escreve e para. Não, chega. O cérebro entrou de férias. Recesso até o ano que vem, exceto aconteça alguma transformação radical que ative a minha subjetividade. Por enquanto, o corpo esparrama no sofá e tenta até resgatar do fundo de algum lugar alguma emoção natalina ou de fim de ano, coisa de fazer retrospectiva e dizer "confesso que vivi, que amei, que chorei, que sorri". Recados para aqueles que cruzaram nossas vidas e tudo mais, mas nada vem. Só há um corpo esparramado no sofá comendo uvas e esperando o ano acabar logo.

Minha subjetividade é assim: tem ritmo próprio. E aí que ousem dizer que é tempo de falar coisas bonitas que ela entra em greve. Ou: recesso. Quem sabe em 2013 eu escreva algo de 2012. Quem sabe...

sábado, 22 de dezembro de 2012

Revirando cartas e sentimentos antigos.


 Cuando estamos juntos
somos sustantivos puros:
fuego, rama,
túneles, líquido, morada,
intercambio de sangre y de ternura,
de resurgimientos y pobrezas,
devoradores de mundos,
hacedores de universos,
fugitivos de este profundo
desentendimiento.
Adriana Kaufmann ("De Vampirismo y otras ternuras")

devoradores de mundo, fugitivos deste profundo desentendimento. ah, como isso é bom.
nós dois, a vida. hoje é tudo maravilhoso, e por tua causa - é o que digo, enquanto a "ressaca de realidade" não bate, hehe.
hoje eu te quero pra vida inteira. hoje a vida é inteira, e eu te quero.

2009.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Associação Livre / Fragmentos


Suco. Riso. Silêncio. Igreja. Chuva. Canudos. Os mesmos canudos. Queijo. Laconismo. Perto e Distante.  Metrô. Arte. Cafonice. Porto Alegre. Planos. Beijo molhado. Divino. Promessa. Aposta. Tensão. Tesão. Carinho. Ombro. Posso dar uma palavrinha? Não, obrigada. Camiseta. Conversa. Você não gosta de baralho? Cheiro. Lingua. Não morde. Tatuagem. Pés. Olhar. Suor. Cabou. Dois estranhos. Voltou. Mais. Chega. Trovão. Grito. Sussurro. You really got a hold on me...
Freia. Freia. Freia !!!

Recolhe as roupas, de volta ao mundo real. Ainda de pernas bambas, um tanto perdida na grande e louca cidade de São Paulo, segue sem compromisso, um pouco sem rumo, sem chão.

Seremos dois novos amantes
Pelo amor energizados
Transformados,
Mas em que??
Quem eras antes de mim??
Quem sou depois de você??

Pedro Bandeira


Ainda cedo pra dizer.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Rapidinhas


rapidinha 1: na casa dos meus pais tem um aspirador de pó com quase o dobro da minha idade. as coisas modernas não duram nem cinco anos.

rapidinha 2: e se não é você, é a gripe que me bota de cama.vem com força para lembrar que sou frágil e que estou sozinha. estar doente e não ter quem te cuide, tristeza maior não há. os olhos cansados, corpo que pede por uma trégua. com o tempo se aprende a dosar a vida. ou não.

rapidinha 3: duas mulheres conversando sobre o novo romance de uma delas. uma pergunta: e ele também trabalha horário comercial? segunda a sexta, até às 17h? e a outra respondeu: sim! é ótimo, não? amar no capitalismo é assim, a gente se prende a umas perguntas tão estranhas quando o outro nos confessa amar. e a gente se alegra com coisas tão esquisitas.

rapidinha 4: bacon e cigarro e café liberado. o que não pode é mais de uma paixão por vez. aí meu coraçãozinho não aguenta. platônica ou não, é preciso uma por vez.

rapidinha 5: sintoma de carência é reviver amores antigos relendo cartas antigas.

"na verdade, não levo jeito pra essas coisas, essas coisas de se relacionar. sei lidar bem com começos - já tive muitos.
mas me perco meses depois. acho que você é agora a pessoa com quem fiquei mais tempo, tirando o namoro eterno de cinco anos.
isso é legal, mas é tipo video game - daquela época antiga, sem memory card. a gente vai jogando, e nessas fases difíceis dá medo de dar game over. e são fases novas, que poucos amigos chegaram. existe uma expectativa, dos arredores, pra que a gente dá certo.
e se quer saber, te digo que a gente dá (certo). porque tem alegria, tristeza, orgasmo, ódio, ciúme, risada, gargalhada, discussões, paixão... e tudo vem cheio de amor. com cobertura extra.
"

ficar curiosa sobre os relacionamentos alheios, querendo saber como estão.
assistir a casais que trocam afetos no metrô, sorrindo sozinha e desejando "eu quero isso também".
rapidinha 6: na minha família o natal é dia 19 de dezembro e a gente come pizza e bolo. tem presente, mas não tem chester e hipocrisia. é bom assim.

rapidinha 7: na tv globo

- qual foi o grande amor da sua vida?
- não tive. - a velha abaixa a cabeça e sorri, encurralada entre o repórter, a câmera focada nela e o microfone em seu rosto. sorri, talvez por vergonha, talvez só por rir mesmo.
meu coração ficou apertado. que coisa mais triste!

rapidinha 8: da série cantadas internacionalistas.
- i´m leaving now, kiss you anywhere you want.
- so kiss me in Brazil!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Dois ou três almoços, uns silêncios.

..."Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

(...)

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome."...


Caio Fernando de Abreu.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

"A vida é mais perigosa que a morte." *

ontem
um estudante se matou.
um amigo surtou.
um cachorro morreu.

nenhum canal na tv anunciará isso. não estará em nenhuma manchete de jornal algum. afinal, é só mais um suicídio, só mais um surto, só mais uma morte por velhice - e de um cachorro, ainda por cima. isso acontece o tempo todo e nós já estamos acostumados, não é mesmo?
o procedimento é o mesmo: algumas lágrimas derramadas, poucas reflexões, entra para a estatística e é isso. não há muito o que fazer.

em compensação, há algo de diferente nessa chuva. de um jeito estranho, sinto o mundo como meu companheiro, que chora comigo as dores da vida. eu choro com o mundo, pois sei que tem suas dores próprias pra sentir também. ficamos chorando, eu e o mundo. às vezes não tem muito o que fazer que não seja deixar sentir a dor, deixar chover, deixar se molhar.

e de noite fechamos o olho. tudo fica escuro e o silêncio começa a tomar conta, fazendo crescer um desejo por dias mais ensolarados.

* frase da Kinna.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Do feminismo nosso de todo dia.

"Maquilagem, cabelo, roupa, corpo e homens! Saiba tudo o que uma mulher precisa aqui! Responda SIM e assine por R$0,35/dia os segredos que toda mulher tem que saber"

Recebi essa mensagem no celular essa semana, e ficou ecoando na minha cabeça o tempo todo. Em um primeiro momento, o fato de "maquilagem, cabelo, roupa e corpo" serem colocados no mesmo "conjunto" de "homem". Como se tratasse de um mesmo grau de interesse e de uma mesma necessidade de atenção a forma como escolhemos um penteado ou nos relacionamos com outro ser humano. A questão é essa: não se trata de relações humanas. É uma coisa, os homens. Precisamos saber o que eles afinal pensam e querem, e como fazer para ganhá-los. Dos bons, evidentemente. E claro, a melhor opção é adquirindo um serviço de celular.

Propaganda no Yahoo - Oferta do dia: "solteiro"
Sempre escrevo insistentemente sobre como reproduzimos nas relações humanas a forma que nos relacionamos com as coisas. Insisto porque é uma lógica que estamos todos sujeitos a reproduzir sem perceber. E é muito triste esse grau de previsibilidade e clichê que nos tornamos. Repetimos e repetimos insistentemente, tentando reproduzir da forma mais correta que a "receita" prescreve a forma de amar outra pessoa, as outras pessoas. Mesmo que esse modelo nos custe colocar de lado nossos desejos e vontades.  Não bastasse nos ordenar: trabalhas, pague, compre... também nos orientam: ame aquele, seja desse jeito, sirva a teu esposo dessa forma, reproduza filhos sadios.

Para além dessa relação reificada, existe essa redução do que se trata ser mulher. É tão cristalizado e naturalizado que penso quantas mulheres questionaram ao receber um SMS. Eu me senti, ao ler, extremamente reduzida. Como se fosse isso que a mulher deveria se interessar: estética e homens. Estética para conseguir atrair os homens. Parece bobeira, parece papo chato de feminista como gostam de falar por aí mas não é! Normalmente fico brava e me irrito com essas mensagens - não só do celular, mas cenas da televisão que nos reduzem dessa forma: Seja burra, mas seja gostosa. Seja decidida, porque os homens gostam, mas não tão decidida, porque eles assustam. Seja sexy, mas não seja vulgar - pode dificultar arrumar um marido - coisa mais fácil é ser mal falada.

Dessa vez não fiquei brava, mas fiquei triste. A cena que me veio na cabeça era como uma criança gordinha com roupinha de ginástica, tentando impressionar os pais com coreografias mirabolantes e mal sucedidas, que dão risada tentando dizer: "não precisa disso, queridinha". De repente eu era essa criança, em meio a tantos livros, buscando com tanto compromisso uma formação humana com o objetivo de contribuir da melhor forma pra uma transformação social... e a sociedade me manda um SMS dizendo que tudo que eu preciso é de uma boa sombra e um bom decote. Desista. Esse mundo dos pensantes não é pra ti, lindinha.

Talvez um homem não tenha a dimensão disso, do que significa ouvir quase a vida toda que sua inteligência é bônus. Ou, pior, como algo que atrapalha. Melhor que seja burra mesmo, mas bonita. Bem cuidada. Belos dentes. Contanto que o conjunto de roupas e maquilagem estejam de acordo, tanto faz o que falaremos. Lembro de um livro, sobre Simone de Beauvoir e Sartre no Brasil, que comentava de notícias do jornal, que quase não falavam dela, apontando os holofotes sempre para Sartre. Muitas vezes, ela era isso: a companheira de Sartre. O cúmulo do absurdo foi em uma palestra dela os jornalistas comentarem sobre a ausência de Sartre na platéia, pois estava sabe lá onde. A ausência de Sartre era mais interessante que Simone falando.

Nós nos acostumamos (essa palavra dói nos ossos na alma e em tudo) a essa condição. Reduzidas a uma máquina de fazer filhos e refeições para o marido. Com uma calça que ressalta a bunda e um sutiã que valoriza os seios, uma maquilagem que esconde as olheiras de cansaço e qualquer sinal de idade - afinal, temos que nos manter ou aparentar jovens, para não sermos trocadas.

Parece exagero, mas se pararmos para pensar é essa imagem que está de fundo quando nos dão bonecas de presente, quando nos mostram desde pequenas o batonzinho, a bolsinha, o sapato alto. Fogãozinho. Nos ensinam a sentar de perna fechada - "senta igual mocinha". Se buscarmos entender o que está no nosso imaginário social, o que está pelas televisões, nas notícias de jornal, nas músicas... é isso que está nos dizendo. O tempo todo. E se entendemos a mensagem e questionamos somos as feministas chatas. Não entendemos a brincadeira.

Pois é, eu não entendi a brincadeira, sociedade. Talvez eu tenha perdido a parte engraçada quando um sujeito imaginou que tinha permissão de agarrar a minha bunda no metrô quando eu não tinha nem 18 anos - eu fiquei com vergonha, ao invés de ficar brava. Ele disse que foi sem querer, mas eu e ele - e o resto que viu - sabe que não foi. Talvez era muito nova pra entender a piada quando o zelador do prédio ao lado me chamou de gostosa ao me ver com o uniforme da escola, e eu então fiquei um tempo sem coragem de usar saia. Talvez não tenha entendido a piada quando um "companheiro" me disse que eu não precisava falar muito para convencer os homens a ser militante, basta piscar meus olhinhos verdes. Ou perdeu a graça - tantas brincadeiras depois -  quando eu vi na TV que mulher feia deve agradecer ser estuprada. Não vi graça mesmo ao sentir medo de voltar pra casa pois morava num prédio que outras garotas tinham sido estupradas outras vezes, algo "recorrente naquela região". Esqueci de rir quando bateram na minha vizinha, pelo fato dela ser mulher, e de seu esposo estar com raiva - que outro lugar para depositar sua raiva, que não em sua mulher, não é mesmo?

A forma de apagar essa mensagem da cabeça é talvez escrever sobre. Denunciar. É o que podemos fazer. Sabemos que nosso grito não tem o alcance das palavras e gestos sufocantes do outro lado, mas vamos tentando. Que chegue em uma, que alcance outra, que questione mais uma. Quem sabe alguns companheiros no caminho se sensibilizem. Até que um dia deixem de nos querer deixar pequenas. Até que nós passemos a aprender que não devemos pedir permissão para sermos grandes do jeito que somos. Até que um dia a opressão comece a perder a graça, e possa, quem sabe, ser superada.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

344 de muitas.

O Gmail denuncia nosso romance: revejo nossa história e relembro passos, caminhos, conversas, segredos, sussurros, mentiras, filmes. Quanta música! Quanta alegria e dor. Em alguns momentos, éramos Leo Jogiches e Rosa Luxemburgo, trocando cartas sobre diagramação de panfletos e textos e no meio disso alguns gracejos de amor.

Éramos ingênuos e criminosos. Éramos turistas nesse mundo civilizado, onde as pessoas comem com as mãos e falam baixo. Nós gritávamos, sufocados pelo calor daquela cidade e daquela casa sem ventilador.
Nosso romance torto me rendeu a capacidade de escrever - coisa que confesso aqui, e que sequer pra mim havia confessado antes. Foi você, foi o que você me fez falar que me ensinou a escrever. você que me ensinou como gostar - o pior professor que poderia ter, já que ambos podemos ser considerados fracassados nessa arte diante de nossos relacionamentos mal sucedidos que seguiram o nosso pequeno grande desastre.

Hoje você não é nada - nem saudade, nem presente, nem futuro e às vezes nem passado. Penso muito pouco em você. E por incrível que pareça não há rancor, ou tristeza, mágoa. Não existe nada e isso não me deixa nem triste. E aí no meio de uma tarde de tédio fui surpreendida por isso: "344 de muitas". Foi como assistir a um filme que conhecia uma das personagens principais. Me reconheci em muitos momentos, outros nem tanto.

Foi você que me colocou pra escrever, mas também pra ler. Meu primeiro romance comunista. E eu pensava, pra cada lágrima que tu derrubava de mim, que qualquer dia escreveria essa história. Não escrevi. É difícil ler também, o que tem de escrito da nossa história. Talvez seja difícil ouvir também, os discos que me deu de presente, outros que esqueceu. Guardo todos, no entanto.

344 de muitas: somos nós, letra e desejo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quarta-Feira

Ressaca

E talvez você quer que eu queira que você queira me querer. Mas eu estou firme e forte na decisão de te querer contido, em silêncio com súbitas confissões devido ao álcool ou alguma alegria daquelas que nos assaltam e faz a gente confessar as coisas e justificar sorrisos. Querendo ou não, suas perguntas me fizeram pensar o porquê de não ter sido capaz nos últimos anos de manter relações. Ótima em começos, péssima em fazer durar. relações curtas e intensas. Será isso, então, a história das próximas relações? Sou namorável? Sou capaz de sustentar uma relação ou serei no futuro um acúmulo de histórias fragmentadas, passageiras, ainda que intensas?

...
A gente não quer só comida
na fila do lanche

- ...mas nossa relação é meio estranha.
- não acho estranha. tenho relação mais estranhas. por exemplo com a...
- ...é sempre assim! eu começo a falar da gente e tu começa a falar das outras...é tão difícil?
- quer mais queijo?
- sim.
- não é difícil. eu gosto de você, de conversar com você e de estar com você...
- alface, tomate e pepino?
- sim, valeu.
- ... não vejo nada de estranho nisso...nós ficamos, nos gostamos, é isso.
- deseja algum molho?
- uhmmm... tem parmesão? a gente divide refrigerante?
- tem, sim.
- sim, vamos dividir.
- sprite ou fanta?
- tanto faz.
- pra mim também tanto faz.
...
A força que nunca seca.

Haja esforço pra tentar calar. Está por todo o mundo, em todas as esquinas, por todos os bairros, escolas, fábricas. Sempre há alguém que recusa o silêncio, que abre a boca pra falar. Que lembra que não adianta anunciar a morte, forçar o enterro, fingir que nunca existiu. "Os poderosos podem matar uma, duas, três flores, mas jamais deterão a primavera"*. - diz um dos tantos que permanecem vivos na história. É a contradição, a dialética, o movimento. Sempre terá alguém, ainda que minoria em meio a tantos olhares mortos, alguém que sabe que nada deve parecer impossível de mudar* (diz um outro dos tantos que permanecem vivos na história). E são tantos os assombros, os desânimos, os ataques de tantos lados... mas basta conhecer uma dessas tantas pessoas que a possibilidade de transformar torna-se real. A vontade de mudar fica viva. Essa força estranha, que nunca seca, essa chama acesa que mantém viva naqueles que sonham acordados com o despertar de um outro mundo. Seguimos fortes, escrevendo - e muitas vezes reescrevendo - a história.

* citação de Che Guevara e Brecht, respectivamente.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

fudeu.

e dizer: gosto de você e penso em você e queria você e agora e aqui e é isso. sem suco sem restaurante sem horário comercial sem pudor sem poder sem pavor. dizer tudo de uma vez sem medo. larga tudo e vem comigo sei lá onde sei lá porquê sei lá pra quê. porque é bom, porque faz sentido porque é isso. de repente te quero como você e como eu, como um nós que já sei que existe embora tentamos esconder, tentamos conter, tentamos dizer que é só ilusão e deixa pra lá e toma um café e segue pra vida e faz tua reunião e tu faz teu show de sempre.


...


mas e se de repente a gente confessar tudo de uma vez e a gente bota uma chuva na história que fica mais dramático e alivia o calor e eu digo tudo de uma vez e tu ouve tudo de uma vez e eu abro um sorriso e tu me agarra e eu subo em ti e te abraço com as pernas com os braços com a alma e tu me beija e eu te beijo e a gente se beija e ia ser bom... ah! ia ser bom...

a gente se adora a gente se quer a gente é a gente (já existe um "a gente") e sem fazer sentido nenhum isso fez sentido (vai entender que coisa é essa) e eu queria agora como uma criança que esperneia no chão dizendo: agora agora agora agora agora. e tu eu sei que quer também, se não quisesse não estaria aqui, querendo inventar uma chuva para me agarrar e me dar um beijo e a gente se enfiar num canto e se amar de uma vez só. uma vez num só gole não sei mas que seja de repente e que seja intenso e que dure o quanto tiver que durar mas que haja algo concreto. preciso de ti concreto viver você engolir você beber você sentir você chorar você rir você abraçar você beijar você. tudo sem gelo e sem açucar num só gole, em uma só viagem de ida e sem volta. tu é caminho sem volta, passagem só de ida. história que sei lá porquê de hai kai virou romance sem final. seremos, nós, felizes para sempre? com ou sem catupiry, com ou sem você, espero que sim. no duro: te gosto o suficiente para querer a tua e a minha felicidade, pra sempre.

confesso assim, meio torta, meio bêbada, mais sóbria que gostaria, mas ainda sem a lucidez necessária para conter dizer essas boas verdades que seguem: cara, acho que tô apaixonada. e agora?

domingo, 9 de dezembro de 2012

Daquele que salva do abismo.

Os dois se encontram, de longe se reconhecem. Ela não muda a expressão séria e ele em um primeiro abre um sorriso e depois faz cara de que tenta entender a expressão séria.
- Oi. - diz, surpreso, contente e ao mesmo com olhos de quem tenta entender.
- Agora não. - ela continua andando, séria
- Eita.

"Agora não" - Não queria lidar com ele, naquela hora. Seus cabelos despenteados, a roupa não era das mais adequadas. Para além dessas futilidades, não sentia que existia intimidade o suficiente para que ele conhecesse seu lado sombrio, depressivo, conhecer seus olhos que ficavam mais claros quando chorava (embora ele já conhecia os olhos mais claros pós-orgasmo e adorava aquilo). Ele não estava preparado ainda para tal intensidade. Ele desvia o caminho para o mesmo dela, caminhando ao lado. Seguem em silêncio.

- Posso ajudar com alguma coisa?
- Não.
- Quer sentar em algum lugar pra gente conversar?
- Não. - ela apressa o passo.
- Posso te acompanhar? - ele apressa o passo também.

Ela fecha os olhos. Tenta conter sua tímida felicidade. É claro que queria a companhia dele. Era tudo que ela queria o tempo todo. Ele fica sério por um instante, tomado por uma ideia perturbadora:


- Não é por um outro homem que está assim, né?
- Não!
- Ah, tá bom. Então, posso te acompanhar?




- ... eu fico em silêncio, prometo, se assim preferir.
- Se eu disser que não, você vai parar de me acompanhar?
- Não.
- Imaginei... 

Ela esboça um sorriso, muito breve. Ele abre um sorriso grande. Lindo.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Um primeiro esboço

Ela chama de "escolha libertária". um jeito bonito de dizer que estamos sozinhas. Bom, fato é que não estamos mesmo, mas ás vezes parece isso: uma militância. Falamos de outra coisa, embora não sabemos do que é. Viver romances, parece algo tão simples na minha cabeça, mas ao querer viver isso parece tão complicado.

 "Como assim não quer casar?".
Se sentir como ser uma "moderninha" da década de 20. Não se trata de uma luta para não se casar. Vejo histórias lindas, casais que quando briga sofro junto, pensando num possível término. Trata-se de ser contra a procura desesperada de um marido. É tão terrível assim acreditar que as histórias acontecem para além dos contratos matrimoniais, que pelo menos no amor e na paixão não nos renderemos às exigências do capital (casar-e-ter-filhos)?
Custou um tempo para confessar isso, porque relutei para acreditar que esse pensamento ainda existe. E aí ao pensar duas vezes, de fato não é tão absurdo. É o que explica o repúdio ao aborto e relações homossexuais e homoafetivas. Aquelas pessoas que fazem uma "escolha libertária" e constroem outro significado para amor,  afeto, família, companheiro, companheira, desafiando a norma de conduta atual. E como se acostumar com o fato de nos acostumarmos com o fato de que somos submetidos a um modelo de como nos relacionar! Isso já é um motivo pra lá de suficiente para se tornar comunista!

E nos esforçamos em provar que a mentalidade do príncipe-que-nos-troca-por-cabras-com-o-pai não é tão distinta da mentalidade do não-quero-um-relacionamento-sério ou vamos-só-curtir. Ambos são regras que colocamos acima do desejo. Relações fulgazes e superficiais ou a procura de um esposo-príncipe - são essas nossas escolhas? Não, muito obrigada. E que não seja nem o meio disso, uma espécia de "equilíbrio". Na tentativa de classificar as coisas, matamos o que há de espontâneo e nem sempre explicável. E para que o inexplicável caiba nessas regras, somos obrigados a reduzir o que sentimos, restringir nossa forma de se relacionar com as outras pessoas.

"Não pode ser assim. Não deve se jogar de cabeça... podemos só curtir.". 

não pode.
não deve.
não.
não.
não.

Regras que organizam o inorganizável. Incrível como precisamos dessas coisas para viver em relação com as outras. Por que não dizer: "EU não quero me jogar de cabeça"? Vontade de responder:
Surpresa: não trago nem véu, nem buquê, nem aliança, nem segredos escondidos.
Era vontade, muita vontade. Isso que trazia. Vontade de ficar junto. Mas agora passou.
E a burocracia venceu mais uma vez.

Mas jamais entenderia. Então respondemos: "ok". E seguimos com a "escolha libertária".


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e o omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

Affonso Romano de Sant'Anna, 1937

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Do pré-começo

Era de tarde quando me flagrei pensando em você pela primeira vez, três dias depois de te reconhecer. Sim, a primeira vez que nos vimos não nos conhecemos. Reconhecemos, eu a mim mesma, tu a ti mesmo, nós um ao outro. Era como se tudo e nada tivesse mudado naquele momento. Era tudo que tinha mudado, porque estávamos, enfim, no mesmo ambiente. Era como se nada tivesse mudado porque parecia que aquilo não parecia acaso - por mais que tinha uma série de acasos que vínhamos a saber depois - e não parecia surpresa ou novidade, era como se aquele momento em que nossos olhares se cruzaram estivesse no script. Explico: o momento que alguém entra em cena nas nossas vidas só passa a fazer sentido depois que ela se torna um personagem definitivo. Na hora, é apenas um figurante, alguém que passa como tantas outras pessoas que passam. Não foi contigo assim. Na hora que tu entrou em cena na minha vida, eu já sabia que tu era personagem, e não figurante. É como se soubesse que aquele roteiro seria bom, e renderia boas cenas em bons cenários.

Mas enfim, era de tarde quando me flagrei pensado em você pela primeira vez. Em um primeiro momento me espantei. Ter você em meus planos não estava nos meus planos. Mas deixei, como uma memória gostosa, aquele "e se" que nos faz pensar que a vida é bela e reserva surpresas e possibilidades. Até que nos reencontramos, por um acaso, duas semanas depois, e eu agi como se nada aquilo fosse. Geralmente eu me alegro ao ver pessoas que simpatizo e reservo algum carinho. Abro sorriso, abraço e beijo. Não quando essa pessoa me atrai. Daí eu faço cara de indiferença e digo "e aí?" pra disfarçar o coração que pula. E o coração pulando e a aparente indiferença foram o que me fez ver que eu estava interessada. Contigo foi mais ou menos assim, mesmo. Estávamos em uma roda com várias pessoas de vários lugares, algumas das quais eu chamava de amigo. Eu só queria saber da onde tu vinhas e o que fazia ali, na roda dos meus amigos. Quem trouxe essa pessoa pra cá, invadir meu espaço meu canto meu mundo? Tu se distancia para fazer algo no celular e antes de retornar a roda eu rapidamente me coloco no meio do caminho. "E aí, tem fogo?". Também com pose de indiferente, disse: "não.". Respondeu firme, seco, bruto. Pensei em provocar, falar alguma besteirinha. Eu sorri.
É claro que não tem, tu não tem jeito de que fuma.
Tu volta a olhar para o celular e eu mantenho o cigarro na mão, olhando a volta algum isqueiro. Tu poderia ter voltado pro grupo mas ficou ao lado.
Ei, me empresta o fogo aí? - eu digo, para um cara muito mais alto que tu, que sorri e acende pra mim o cigarro. Tu olha torto para o cara mas disfarça rapidamente olhando para o celular - Valeu.
Volto a olhar pra ti. Tu fecha o celular e diz:
Tu não me conhece pra saber se eu fumo.
- Oras, quando saímos de um ambiente fechado para pegar ar, há duas saídas quando se vai sozinho: (1) tomar ar fazendo algo no celular, (2) acender um cigarro. Ou fazer as duas juntas, mas tu faz o tipo que não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. Nesse caso, um fumante sempre optaria por um cigarro, e não pelo celular. A não ser que tu tenha alguém que não está aqui e queira falar com a pessoa.
- Não há um alguém. (eu abro um sorriso) - Toda essa falação foi pra descobrir se eu estou acompanhado?
- Não. Foi só para entrarmos no assunto. - você sorri olhando pra mim, e puxo um trago olhando pro muro.

Alguém te chama. Tu não diz nada com a boca, só com o olhar, e vai - "merda", penso eu. Passamos o resto da noite nos olhando e nos despindo famintos, com o olhar. Na minha roda o assunto era política e na tua era música, mas era a mesma política e a mesma música e poderíamos muito bem sair daquele mais-do-mesmo-de-nossas-vidas e viver essa novidade que pulsava - a vida chamando - mas não fomos. Covardia, talvez.

Dia seguinte tu é o primeiro pensamento da manhã, aquele que vem seguido do "que horas são agora?". Tudo bem, confesso que não é preciso muito para ser meu primeiro pensamento da manhã. Basta um sorriso bonito, um olhar que desperte curiosidade e a pessoa já está ali, ocupando esse ofício. Mas contigo foi diferente. - porque o caso mais recente é sempre "diferente", até que tudo acaba e ele passa a ser "como os outros", e a gente sempre fala isso na esperança de alguém que de fato permaneça como "diferente". Ao longo da minha vida de muitos primeiros-pensamentos-na-manhã, dois ou três de fato foram.

Fato é que depois de tu virar assombração bonita do meu cotidiano, não me restava nada além de te procurar, e descobrir afinal quem era essa pessoa tão disposta a me tirar o sossego. Eu fui ao teu encontro, sem saber se daria samba, se teria lua e se seria alegre. Não havia expectativas, mas uma curiosidade de tirar o sono. Era agora teu território, teu bar, tua cidade.
- Achei que não viria nunca. - tu respondeu, ao me ver novamente, já encostado no carro e com a chave na mão. - Vamos?, diz, abrindo a porta do carro.
Sorri. Entro no carro e ouço a música. Naquele momento eu soube. Para qualquer caso poderia ser perigo, para ti significava que me esperava. Era a nossa banda, ainda que não tivéssemos firmado esse acordo em lugar algum. Tu entra no carro, e eu sento de lado olhando pra ti.
- Tu sabe que isso vai dar história, não é?

Sorrimos um ao outro, enfim. Era a primeira vez que olho encontrava com olho e sorriso com sorriso. Antes era uma dança maluca que envolvia desvios e rodeios e devaneios. Agora nos olhávamos e nos sorríamos e o mundo estacionou. E a estrada era pouca para tantos caminhos que trilharíamos juntos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Não existe amor em SP (!)

"...não sabes desse meu mar porque nada digo, e temo que seja outra vez aquela coisa piedosa, faminta, as pequenas-esperanças, mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba assim nem agora nem aqui."

Caio Fernando de Abreu, À beira do mar aberto, do livro Os dragões não conhecem o paraíso. 


- - -

Em meio a sua histórias infinitas, contadas como se fosse a primeira vez que tivesse a oportunidade de contar histórias longas e com medo que isso acabe conta rápido para que aquele momento caiba mais histórias longas possíveis, te interromper e dizer: chega! Foda-se Jorge, Ana Carla, Brenda e todas as outras e todos os outros. Eu quero é saber de ti, de nós. Quando é que chegamos no nosso capítulo dessa história sem fim? Já tomamos todos os sabores do suco e agora chegamos nos dois sabores - em breve alcançaremos as vitaminas das mais criativas e ainda não resolvemos aquele desejo pendente. Não falo nada.

Vê um de goiaba, por favor.

Teus joelhos comiam meus joelhos por debaixo daquela mesa em um discreto encostar das pernas sinalizavam como elas queriam era estar entrelaçadas em algum lugar, embora continuávamos falando da Ana Carla.

E quanto mais falamos, mais pensamentos sórdidos aparecem nos cenários que passamos, formas de fazer o que falamos de não-fazer - onde eu poderia me esconder contigo e fazer tudo aquilo que já prometemos e mais?. É como aqueles inseticidas que ao invés de matar o mosquito deixa ele mais resistente e forte. Tentamos tantos inseticidas - verborragia, atividades amenas como caminhar no cinza de São Paulo, músicas tristes, poemas suicidas - mas o tesão segue vivo, em chamas, esperando ser consumido.

- Tem medo.

Fico calada. Tu inventou um outro jeito - muito menos agradável - de me colocar contra parede. E fiquei alguns dias a sofrer com isso e pensar em tudo que me acusa, até que revendo as cenas e as conversas e tudo que já passamos vejo que todo esse ataque é para que eu não veja o teu medo. Essa tua mania desagradável e sedutora de blefar. Já assumira outras vezes que furei tuas defesas. É nisso que parece um menino. Encontrei você por trás de todas essas roupas de gente grande que vestimos ao longo da vida no passar dos anos, para que ninguém nos encontre - não é para qualquer um que nós despimos, pelo menos não dessa forma. São poucas as relações - e menos ainda as trepadas - que nos fazem tirar esse tipo de roupa, e nos permitem esse tipo de nudez. Ficamos vulnerável assim e é perigoso demais.

E então assumo: tenho medo, sim. No fim das contas queria entender se é o meu sexo, ou os meus textos, ou o olhar que te dei e ficou... e se é tudo junto, não é demais? Três motivos ou mais para se querer alguém, deve haver alguma teoria sobre isso. Tu não percebe o peso de suas confissões. E se percebe, não fala sobre isso. E se não diz, não sou eu que vou falar.

E pra não falar, mais uma vez, do que não é pra ser dito mas vivido, sigo com meus pés a caminhar. Meu pensamento acompanha a passos lentos os passos apressados da cidade, retomando fala por fala, gesto por gesto, cada insinuação e cada desaforo teu, de forma perturbadora. Te ouvia falando mil coisas ao mesmo tempo, e os olhares - aqueles para mim e para a mesa, meio tímido, meio constrangido mesmo. Os olhos encheram de lágrima mas não era tristeza, não era alegria, não era qualquer uma dessas dicotomias. Era uma tremenda paixão que já não cabia mais, um sentimento de que isso precisa ser logo experimentado pois as veias já não aguentam esse sangue quente de vontade de você.

Isso, e o ar poluído de São Paulo que fode com a minha saúde e faz meu olho arder.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Descobertas, Descobertos.

Quero saber se prefere sábado ou domingo, Machado de Assis ou Dostoiévski, açúcar ou adoçante, sonhar ou viver, futebol ou porralguma, sorvete ou doce de leite. Se gosta de pouco-tempo-com-muita-intensidade ou muito-tempo-com-pouca-intensidade. Feijoada ou churrasco. Truco ou buraco. Só ou mal acompanhado. Bob: Dylan ou Marley. Primeira ou Segunda Guerra Mundial. Sexta Feira 13 ou Brinquedo Assassino. Sentir sono ou sentir frio. Doce ou salgado. Saber se alguma vez na vida já acordou de madrugada para assistir a Fórmula 1, se já foi fazer uma prova sem saber de nada - ou sequer sabia que era dia de prova. Se já cantou alto alguma canção pensando em mim, no chuveiro, ou pela casa ou enquanto cozinhava ou mesmo na rua. Saber se já se vestiu de mulher e se gostou. Se alguma vez teve vontade de ir para Disney. Se já se escondeu quando criança para ver quanto tempo demoraram para sentir a tua falta. Se fugiu de casa quando era criança, e o que levou contigo, e até onde foi. Se tem cicatriz, e qual a história dela.

Qual o primeiro livro que leu e qual o primeiro disco que comprou. Qual foi o último filme que chorou - se já chorou e porquê. Se tem saudade, se quando deixa de amar esquece, se já chorou de alegria, se já fui teu primeiro pensamento do dia alguma vez. Preferia Xuxa ou Angélica (Eliana, entra na história?), Globo ou Record, sapato ou tênis, Natal ou Páscoa. Quero entender por que seu sorriso é assim meio tímido, meio de lado, como se não era para ser. Tem medo de ser feliz? Ou medo que te tirem o sorriso? Tem medo? Saber porquê não gosta de incertezas manifestas nos meus "não sei". Se na água gelada entra com tudo ou molha primeiro as pontas dos dedos. O que pensa sobre MST, pena de morte, aborto, entre outras polêmicas.

Quero descobrir você, pois já me sinto descoberta - ainda que guarde alguns segredos para te contar aos pouquinhos, como em doses homeopáticas. Quero inventar assuntos e perguntas. Aprender a surfar ou a dançar tango, algo que eu possa me gabar e então te convidar para que te ensine. Ver muitos filmes e ler vários livros, conhecer lugares diferentes e viver histórias para que haja mais de mil motivos para mais de mil convites para sucos que serão tomados em São Paulo, Natal, Amsterdam, Hong Kong ou onde for.

Sigo com venda nos olhos que eu mesmo botei para nas linhas tortas ir atrás de ti, meio bêbada, meio sóbria, um tanto sonolenta e muito esfomeada de ti. Um ato inconsequente-consciente. Entre sucos, histórias e confissões clandestinas seguimos assim: Tu, objetivamente comprometido com outra mulher. Eu, subjetivamente comprometida contigo.

Quando me perguntou, pra onde vamos o que faremos ou algo do tipo, fiz cara de indiferente e não quis dizer, preferindo enfiar o garfo de arroz-feijão na boca e fingir que era esse o motivo do não falar: estar de boca cheia. Queria dizer: eu preciso de você. E dizer teu nome, olhando no fundo de teus olhos. Não encontrei um jeito de dizer isso sem assustar. Nessa sociedade em que vivemos, confessar que precisa de alguém é quase um pecado, ou uma declaração de fraqueza absurda. Não é atraente precisar. Pessoas auto-suficientes são as charmosas. As que precisam, queremos distância, sem perceber que no fim das contas não existe essa tal auto-suficiência, e que precisar não é doença. Te precisar é daquelas necessidades que inventamos e na impossibilidade de termos superamos, inventamos outras e a vida segue.

E seguirei precisando de ti até que venha a placa "PARE!". Quem erguerá a placa, não está definido. É ilusão minha dizer que sou eu, presunção tua dizer que será tu. Quando ela aparecer, vou virar artista para pintar quadros de bolas e quadrados e triângulos de várias cores e tamanhos que irão simbolizar amor-de-primavera ou som-da-cachoeira-aos-domingos ou qualquer coisa assim meio-cafona-meio-cool-meio-poeta-fake e totalmente incompreensível, nome de invenção de artista que só eu entenda (ou nem eu).

Eu e aquelas pessoas com ar de sabido, pseudo-intelectual-acadêmico-de-buteco, óculos de grau e cabeça inclinada um tanto a esquerda, com olhos analisando a obra de arte travaremos um longo diálogo sobre o significado da escolha pela espiral posicionado na centro-esquerda e que certamente envolverá Deleuze.
A obra principal terá teu nome, e espirrarei tintas de cores novas que inventarei para tentar traduzir o inexplicável gostar de ti.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Quase Morte, Quase Vida

Ele estava feliz. Quase havia morrido aquele dia. Seus olhos passavam paz, uma serenidade surpreendente, sobretudo em um ônibus velho intermunicipal ao final do expediente. A experiência de quase morte talvez valha dois anos de aprendizado em vida. Percebemos aqueles que se distanciaram - seja por um motivo bobo, ou mero descuido e pensamos em retomar contato. Coisas que de repente somos tão apegados - como o carro que quase provocou a morte - parecem tão pequenas. Dinheiro. De que adiantava trabalhar tanto se não tinha tempo de viajar sequer uma vez para uma outra paisagem?

Sua serenidade transformou-se subitamente em angústia. Todos os dias, são tantas quase mortes e mortes efetivas. Vidas que se foram, e o que fica? Aquilo lhe causou tamanha angústia. Se tivesse ido embora aquele dia, para sempre, o que havia deixado pro mundo? Não se tratava de escrever um livro, plantar uma árvore ou ter um filho. Queria mais. Perguntamos constantemente o que fazer de nossas vidas, se compraremos um carro ou faremos uma viagem, se seremos médicos ou engenheiros, prostituta ou faxineira, com filho ou sem filho, Folha ou Estado... mas que porra de mundo é esse, afinal? Será um amontoado de vidas fragmentadas que montam a história de uma geração de toda uma espécie humana?

E a vida de um ser humano? Fragmentada em dias, momentos, pequenas alegrias para satisfazer o próprio umbigo? Ele era um bom amigo, bom filho, bom irmão, bom professor... sabia que, caso encontrasse alguém, seria um bom companheiro. Viver é isso? Ser alguém bom com as pessoas? Sentia que era tão bom que não fazia diferença nenhuma - era alguém que estava sempre ali, não fazia mal a ninguém, não incomodava. Viver é não incomodar ninguém? Também não dizia nada de brilhante para ser lembrado. Não havia inventado coisa alguma, não havia descoberto a cura para alguma coisa, não havia sequer conseguido terminar o Simpsons no mega drive (jamais havia se perdoado por isso). E mesmo que tivesse... vida seria isso? Pequenas ou grandes glórias acumuladas?

Aos poucos, tranquilizou-se de novo e então começou a se animar. Uma quase morte é sempre um renascer, a possibilidade de ver o mundo com olhos de quem por pouco quase não esteve mais nele. Sabia que teria que fazer algo. Enquanto isso, vinte e cinco pessoas olhavam o nada dentro daquele ônibus intermunicipal, ao final do expediente de uma sexta feira. Estavam todos cansados, e alguns ainda planejavam o seu fim de semana. Uma senhora lembrava que havia sobrado frango da noite anterior e foi tomada por uma pequena alegria. Alguns cochilavam... faziam aquele caminho há anos e o corpo já acostumara a acordar no ponto certo de descer. Ele olhava para cada uma daquelas vinte e cinco pessoas e pensava em chamar para algo. Dizer algo bonito sobre o mundo, sobre a vida, a humanidade. Propor um momento de reflexão coletiva. Seu coração batia forte, antecipando um momento único de sua vida, o momento que faria a diferença. Estava acelerado e em sua cabeça surgia um lindo discurso que sequer sabia ser capaz de fazer algo tão belo e profundo. Pela primeira vez sentia orgulho de si - afinal, estava prestes a fazer algo.

Sua boca foi abrindo para verbalizar o discurso, sua garganta já estava preparada, estava suando apesar do frio, suas mãos estavam contraídas, até que foi tomado por uma súbita vergonha. "Que bobagem! Isso não fará sentido algum para essas pessoas, e vão achar que sou louco". Tirou o jornal de sua pasta, ele estava meio perdido em meio a provas para corrigir. Começou a ler as manchetes, anunciando as mortes na periferia, uma receita de bolo, o Palmeiras indo de mal a pior. Pensou em ler seu horóscopo, para ver se os astros previam aquele dia de cão que tivera. Seu horóscopo falava sobre ser um dia de tomar decisões, coisas que todo horóscopo alerta para algum signo todo dia. Sentiu-se bobo por ter feito isso e ficou com vergonha novamente.

Já não sentia mais angústia ou ânimo, ou coisa alguma. Estava "normal", como gostava de estar. Nunca entendeu essas pessoas que se descontrolavam com ataques de riso ou de choro. Mantinha-se com sua cara serena, sua pasta próxima do corpo. Olhou para a janela e viu que desceria no próximo ponto. Deu o sinal e ficou na porta esperando. Ele quase havia morrido aquele dia. Feliz que isso não ocorreu, voltou para a sua quase-vida de sempre. Deitou em seu travesseiro calmo, satisfeito que já estava de novo no conforto de sua casa. Dormiu pensando que poderia ter suas oito horas de sono, e que a partir do dia seguinte teria mais cautela, para não passar por outras experiências de quase-morte.
 
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