quinta-feira, 18 de março de 2010

Nossos inimigos dizem, Brecht

Nossos inimigos dizem: A luta terminou.
Mas nós dizemos: ela começou.

Nossos inimigos dizem: A verdade está liquidada.
Mas nós dizemos: Nós a sabemos ainda.

Nossos inimigos dizem: Mesmo que ainda se conheça a verdade
Ela não pode mais ser divulgada.
Mas nós a divulgamos.

É a véspera da batalha.
É a preparação de nossos quadros.
É o estudo do plano de luta.
É o dia antes da queda
De nossos inimigos.

terça-feira, 16 de março de 2010

nota de falecimeto - parte 2

morte.
o pescoço duro, as mandíbulas doem. o corpo sente a morte, o corpo sente o corpo quente, nervoso. o corpo chora, chora, chora pelo olho seco que nem uma lágrima cai - e a que cai, o calor seca, rapidamente. mas o corpo chora desesperadamente, e ninguém nota.
as mãos tremem. não se sabe o que é - mas minimamente te lembra: você é mortal.

luto.
algo morreu - hoje, ontem, anteontem, todos os dias algo morre. talvez algo tenha sempre algo morrendo e algo nascendo em nossas vidas.
"é tudo questão de percepção" - foi meu lema, há uns meses atrás.
hoje é mais morte que vida.
um pouco dos outros morre e nasce todos os dias, também. e ultimamente há mais morte do que vida na nossa relação. um pouquinho que se deixa em cada canto, em cada dor, em cada choro.

será que nosso amor resiste ao sopro desse vento que parece querer transformar tudo em areia?

poesias.
(porque ninguém é de ferro)

tinha estendido minha orfandade
sobre a mesa, como um mapa.
desenhei o itinerário
até meu lugar ao vento.
os que chegam não me encontram.
os que espero não existem.

e tinha bebido licores furiosos
para transmutar os rostos
num anjo, em copos vazios.
FESTA, Alejandra Pizarnik (Los trabajos y las noches, 1965)

sexta-feira, 12 de março de 2010

nota de falecimento

o jornal da manhã anuncia duas mortes no seu bairro. escuto sentada, em frente a tv. sem café, porque não há cigarros também. há tempos não se toma café em casa.
mas falemos do jornal da manhã, que anunciava dois mortos no seu bairro. por um instante, rápido, mas concreto, aguardei que a notícia dissesse o nome dele, mostrasse o rosto (as olheiras fundas e o rosto de quem esqueceram de avisar que já está morto), falasse algo dele - quem sabe algo de mim também.
por instante desejei a morte para ter alguma notícia dele. seria saudade? morte metafórica? ato falho?

"e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo (...) que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era"
caio fernando abreu

quinta-feira, 11 de março de 2010

"todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo dia."

um dia de cada vez. difícil pensar no futuro, se o presente é tão exigente. na verdade, às vezes parece isso: trinta dias num só gole, na mesma dose. pague por um, leve trinta - em intensidade.
e pouco tempo tem pra digerir grandes coisas. pouco tempo tem para notar as proporções das coisas. olha-se sempre de perto, de dentro, e de perto e de dentro são olhares comprometidos.

re-penso, re-crio, re-lembro, re-construo aquele momento. dia intenso, dia intenso.
medo. nervoso. terminar o dia com dor de barriga. acordar com o coração disparado. almoçar numa só garfada. fazer coisas por paixão, coisas que o que não falta é razão pra explicar. então, se a razão explica, se a razão ampara, o negócio é ir com paixão, com tesão.
-se joga, nega!
é isso que a gente tem que se falar. e recomeça o dia.

erros, acertos. anos intensos. meses intensos. dias intensos.
o que fazer quando seu compromisso não segue dias úteis e férias e recessos? todo dia é dia de transformação. todo dia é dia de agir. todo dia é dia de contestar.
e eu adoro todo dia.
mesmo que adoeça.
mesmo que reclame.

"...e a gente dança venerando a noite..."*

*canto do povo de um lugar, caetano veloso.

sábado, 6 de março de 2010

pra não dizer que não falei das flores

ela diz pra ele:
às vezes você pode ser explicado pela seguinte cena:
um pai, que passeia com seu filho pequeno. os dois caminham em um terreno gigante, com flores, árvores, pedras e tudo mais. de repente, aquele menino pequeno, indefeso, com os olhos recém-inaugurados encontra alguma beleza da natureza, entre aquelas tantas coisas naquele espaço imenso. está no chão, e parece a coisa mais linda que o menino já viu - tão pequena diante daquela imensidão.

o menino não entende como algo tão bonito pode ficar assim, tão escondido do resto do mundo. mas é tão bonito, tão bonito, que queria guardar pra ele.
e aí, por um tempo o menino fica olhando aquela beleza rara e esquecida, e pensa se pega e mostra pro mundo ou se guarda pra ele.

nem o pai notou.

às vezes eu acho que te descobri, que encontrei uma beleza que, ao contrário do menino, algumas pessoas viram já - e vêem, mas a vontade que dá é de te usar de modelo pro mundo inteiro, de te mostrar e dividir com todo mundo a pessoa maravilhosa que você é.

(mas antes de fazer isso ainda colo em você um adesivo "CUIDADO, FRÁGIL")

*as coisas bonitas que escrevo de você são pra você. e pra não dizer que não falei das flores, coloco aqui (em itálico, pra dar tom de sussurro).

quarta-feira, 3 de março de 2010

nota rápida

o problema não é precisar de alguém.
o problema é ser problema precisar. é quando o outro não cumpre o papel de "precisado".

constatação egoísta e mimada.

e estamos conversados.

a gente nunca pára a gente porque quer. a gente, pela gente, ficava a vida toda porque nunca vai se esgotar as coisas que tem pra te falar. o desejo nunca morre - a gente faz o schopenhauer ser um mentiroso. o que faz a gente parar são os outros - mundos, seres, compromissos, universos...
e é praticamente impossível lidar com intensidade de forma moderada. não existe intensidade sensata, paixão comedida, amor que não seja urgente. tudo isso é balela do capitalismo pra fazer a gente aguentar oito horas ou mais de trabalho e saber lidar com fins de semana.

o amor não respeita os fins de semana.

e eu não sei ter você de pouquinhos.
(e isso eu acrescento com dor nas costas, olhos inchados e antecipando um dia exaustivo, que precede outros dias mais exaustivos ainda - sem perspectiva de repouso nos próximos dias)

O meu tempo inteiro, só zombo do amor...

a noite dos mascarados às vezes parece nunca terminar.
e ela, que nunca foi muito chegada em carnaval, aparenta estar sempre vivendo um constante feriado, com vários amores de verão começando - e prestes a acabar na quarta feira de cinzas.

"deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar
que hoje eu sou da maneira que você me quer
o que você pedir eu lhe dou..."
noite dos mascarados, chico buarque.

e quando ele vai, ela ainda olha pra porta por alguns minutos, talvez 10, talvez 30... custa a acreditar que ele realmente foi. sempre resta uma esperança de voltar e então agarrá-la em seus braços, como se tivesse ficado por anos fora.

e ele não vem.
e ele não vem.
e ele não vem.

e então ela vai procurar em outros olhos um amor que nunca teve.
ela procura sempre por novos romances. enquanto não aparece alguém novo, cria expectativas de quem seria essa nova paixão - os questionamentos são mais variados: cor do cabelo, profissão, o que pensa sobre o MST, se tem bom humor, se gosta de sorvete de flocos, qual a influencia dos pais na vida dele.
ele procura sempre formas de repetir aquele perfil de romance que gosta tanto.
- assim não vale - ela diz pra ele, como se o amor fosse um jogo e ele quebrasse as regras - não vale procurar alguém que lembre de mim.
ele sorri, envergonhado.
- é, meu bem, você faz meu tipo. de verdade.
e ela sorri, toda metida.
mas ainda não entende. e enquanto pensa em trabalhar mais a questão, ele a rouba um beijo e ela retribui, colocando os braços em seus ombros e dando um beijo apaixonado.
as reflexões ficam para uma próxima vez.

terça-feira, 2 de março de 2010

canto inferior esquerdo da sala - o retorno

ainda somos da parte inferior - não tão canto, não tão esquerdo (pelo menos não no sentido físico). mais de um ano e meio depois da última declaração nesse blog, eis que re-surge um episódio que infelizmente ficará marcado por toda a eternidade, dos meus doces amargos tempos de graduação.

aula de psicopatologia. após dois anos de uma torturante punhetagem biologicista (vulgo eixo biológico), algo muito próximo de um curso junior de medicina de "brinde" na graduação; mais uma sobrecarga grande de terapias cognitivo-comportamental, neurociências, etc, etc; no quarto ano da graduação, ainda somos obrigados a ter a tal aula de psicopatologia, segunda feira à tarde.

atividade do dia: aula de transtornos de ansiedade. na semana anterior, o professor já avisava, entusiasmado:
- tragam o CID 10, pessoal, pois iremos fazer uma atividade diferente na próxima semana!
tudo bem. há anos nós falamos para que os professores fossem criativos. anos solicitando mais que apenas aulas expositivas. óbvio, coisa boa não viria.

sobre a tal da atividade
fomos divididos por diagnósticos. o professor gritava "quem quer fobia generalizada?"/ "quem quer fobia social?"/ "quem quer transtorno-obsessivo-compulsivo?"... e as mãos iam se erguendo no caos. o nosso era transtorno pós-traumático. obviamente, nós, estudantes do canto inferior esquerdo da sala, primeiramente tivemos que fazer um comentário breve sobre nossas experiências traumáticas da escola e da faculdade.
bom, a questão é que a atividade tão criativa consistia em: diante do diagnóstico, inventar um caso clínico! sim, quando digo caso clínico, eu digo sujeito. quando digo sujeito, eu digo uma vida.
nós, do canto infeior esquerdo da sala, logo nos entusiasmamos para criticar.
a sala, nada canto inferior, muito menos esquerdo, ria animada com as vidas inventadas. oh! uma mulher com medo de lagartixa - mas sempre tranquila quando um homem estava por perto para salvá-la.
há. o machismo impregnado nas nossas entranhas.
o riso gostoso do machismo exposto por um grupo de mulheres, que inventavam uma vida para sustentar um diagnóstico.

ao questionarmos sobre a proposta da atividade, não ficamos surpresos que a pergunta não fora compreendida, e a resposta nada satisfatória. ao falar que achamos muito bizarro ter que criar uma história de vida a partir de pressupostos teóricos, uma professora defende fervorosamente:
- mas isso não é teoria, é diagnóstico.
perdão, professora querida. por um momento achei que os diagnósticos haviam sido criados pelo homem. talvez tenha entedido algo errado. talvez eles sejam verdades que nós descobrimos, durante nossa evolução humana?

não felizes em fazer cada grupinho ir, felizes e bonitinhos narrar sua vida inventada, a sala em coro tentava adivinhar, como num jogo de mímica, de qual diagnóstico o grupo estava fazendo referência.

fim de aula. mais um transtorno pós-traumático pra história.
pensei: quero fazer outro curso.
pensei de novo: quero fazer outro mundo.
é, essa psicologia é só um sintoma.
 
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