sexta-feira, 15 de novembro de 2013
A última vez
Foram setenta e quatro berros até entender que aquele olhar não era paixão.
Sete socos para entender que não foi o calor do momento.
Doze empurrões para entender que não foi algo que ela fez errado.
Vinte e nove mãos firmes no braço para entender que não era porque ele tinha uma personalidade forte.
Três tentativas de asfixia para entender que aquele olhar não era de paixão. Era ódio.
Entender. De fato, não entendia nada daquilo. Chegou a pensar ser uma doença genética. Afinal, aconteceu com sua mãe, tia, vó. Gerações passaram por isso e ela, que jurava que jamais permitiria algo do tipo, carregava em seus ombros o peso desses números: setenta e quatro, vinte e nove, doze, sete e três.
Definitivamente, aquilo não era coisa de se entender. Dessa compreensão todas saem analfabetas da escola. Não há uma aula que diga: não precisa ser assim. Coisas que apenas a luta nos ensina. E nessa batalha ela estava só, e tinha sido derrotada. Acariciando sua pele tomada por uma mancha rocha que pesava mais que um piano, prometia: a última vez. E repetiu, quinze vezes. A última vez.
Ela tentava desfazer o nó na garganta que custava a sair. Pensava insistentemente, tentando lembrar quando foi que entrou para a terrível estatística que milhares de mulheres adentram silenciosamente e sofridamente.
A última vez.
A última vez.
A última vez.
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