sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

quanto pesa uma bandeira?

há os dias alegres, em que digo: a solidariedade, o companheirismo, a força, o entendimento de não estar sozinho, indignado com tamanhos absurdos do mundo. a sensação de vitória, de conquista de um grupo, de uma  classe, de um povo. a sensação de ter escrito a história com as próprias mãos.

mas não, não venho de dias alegres. não são tempos alegres. para além do espelho, vejo olhos cansados. olho, braço, perna, corpos. corpos cansados resistindo, mantendo erguida aquela - ou aquelas - bandeiras.
é tempo de corpo cansado.
             de companheiros ameaçados, violentados, desaparecidos, assassinados.
             de dor de quem não come bem, não dorme bem, não vive bem há tempos.

há os dias alegres, em que leio aqueles que podem trazer experiências passadas, lições diversas de tempos distintos. dias de sair com as companheiras e companheiros em marcha, de puxar palavras de ordem com a força que não é tua, mas de todos aqueles.

mas não, não venho de dias alegres. tenho tido pouca força para o berro, pouco ânimo para os livros. é tempo de lembrar que isso não é uma brincadeira, ainda que há tempo para o riso. é tempo de lembrar que isso não é teoria e que isso acaba até em morte.

luta - ou guerra - de classes.
chamam de opção. opção de classe. é bonito, mas não sei bem como é feita essa escolha.
há erros, sem dúvida, dos dois lados.
há mãos, pernas, corpo sujo de sangue dos dois lados.

é uma luta, é uma guerra, que se espera? mas entre estar no meio daqueles que se sujam de sangue buscando a liberdade do povo e aqueles que o fazem para buscar silenciar aqueles que denunciam atrocidades, que buscam calar e sujeitar trabalhadoras e trabalhadores que buscam livrar-se de alguma forma da condição de exploração a qual são colocados brutalmente, eu fico com o primeiro grupo. opção de classe. é isso?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

eutuelenósvóseles

EU


"Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar e vejo as espessas espumas mais brancas e que durante a noite as águas avançaram inquietas. Vejo isto pela marca que as ondas deixam na areia. Olho as amendoeiras da rua onde moro. Antes de dormir tomo conta do mundo e vejo se o céu parece azul-marinho intenso, cor que já pintei em vitral. Gosto de intensidades. Tomo conta do menino que tem nove anos de idade e que está vestido de trapos e magérrimo. Terá tuberculose, se é que já não a tem. No Jardim Botânico, então, fico exaurida. Tenho que tomar conta com o olhar de milhares de plantas e árvores e sobretudo da vitória-régia. Ela está lá e eu a olho.Repare que não menciono minhas impressões emotivas: lucidamente falo de algumas das milhares de coisas e pessoas das quais tomo conta. Também não se trata de emprego, pois dinheiro não ganho por isto. Fico apenas sabendo como é o mundo.Se tomar conta do mundo dá muito trabalho? Sim. Por exemplo: obriga-me a me lembrar o rosto inexpressivo e por isso assustador da mulher que vi na rua. Com os olhos tomo conta da miséria dos que vivem encosta acima.Você há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida." [Clarice Lispector]



TU



"Se você tivesse chegado antes, eu não teria notado. Se demorasse um pouco mais, eu não teria esperado. Você anda acertando muita coisa, mesmo sem perceber. Você tem me ganhado nos detalhes e aposto que nem desconfia. Mas já que você chegou no momento certo, vou te pedir que fique. Mesmo que o futuro seja de incertezas, mesmo que não haja nada duradouro prescrito pra gente. Esse é um pedido egoísta, porque na verdade eu sei que se nada der realmente certo, vou ficar sem chão. Mas por outro lado, posso te fazer feliz também. É um risco. Eu pulo, se você me der a mão." 
Veronica H.



ELE



"Tanto pasmo, depois. Sozinho no apartamento, domingo à noite. Todas as coisas quietas e limpas, o perfume adocicado das madressilvas roubadas e o bolo de chocolate intocado no refrigerador — até a televisão falar da explosão nuclear subterrânea. Então a suspeita bruta: não suportamos aquilo ou aqueles que poderiam nos tornar mais felizes e menos sós. Afirmou, (...), reformulou, repetiu, acrescentou esta interrogação: não suportamos mesmo aquilo ou aqueles que poderiam nos tornar mais felizes e menos sós? Não, não suportamos essa doçura."
Caio Fernando de Abreu



NÓS






"É bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer
É bom olhar pra frente, é bom nunca é igual
Olhar, beijar e ouvir, cantar um novo dia nascendo
É bom e é tão diferente
Eu não vou chorar, você não vai chorar
Você pode entender que eu não vou mais te ver
Por enquanto, sorria e saiba o que eu sei eu te amo

É bom se apaixonar, ficar feliz, te ver feliz me faz bem
Foi bom se apaixonar, foi bom, e é bom, e o que será?
Por pensar demais eu preferi não pensar demais
dessa vez..
Foi tão bom e porque será
Eu não vou chorar, você não vai chorar
Ninguém precisa chorar mas eu só posso te dizer
Por enquanto, que nessa linda estória os diabos são anjos"

VÓS

"...E então você não quis nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri......
Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos.Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda......Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que a nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe......Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isto consideramos a vitória nossa de cada dia..."
Clarice Lispector

ELES

"CUIDADO Com Aqueles Que Censuram Fácil
 Eles Têm Medo Daquilo Que Não Conhecem
 (...)
 Cuidado
 Com O Homem Comum
 Com A Mulher Comum
 CUIDADO Com O Amor Deles

 O Amor Deles É Comum, Procura O Comum
 Mas Há Genialidade Em Seu Ódio
 Há Bastante Genialidade Em Seu
 Ódio Para Matar Você, Para Matar
 Qualquer Um.

 Sem Esperar Solidão
 Sem Entender Solidão
 Eles Tentarão Destruir
 Qualquer Coisa
 Que Seja Diferente
 Deles Mesmos"
(Bukowski, Genialidade das Multidões)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

a história de nós dois - e se?

mensagens, cartas, presentes, poemas, fotografias, desenhos, músicas, filmes, memória, quadrinhos, bilhetes de cinema, passagens de ônibus e avião. o tempo vai passando e são diversas as lembranças, materiais e imateriais, que vamos juntando de amores-para-sempre. histórias, sejam elas novelas, crônicas, romances, documentários... às vezes é curto e intenso como um hai-kai. às vezes longo, belo e doloroso como uma ópera.

depois de tantos amores-para-sempre percebemos que os amores não são para sempre, ao mesmo tempo que o são. passamos pela vida de tanta gente, tanta gente passa por nossas vidas, e seguimos partindo e chegando em vidas alheias, assim como chegando e partindo estão as pessoas em nossas vidas. em algumas chegamos sem pedir licença, invadimos a casa, o coração, o corpo inteiro. e de repente vamos embora, deixando a escova de dente semi-usada e uma saudade imensa. às vezes uma conta de telefone pra pagar de ligações de amor e desamor.

os anos vão passando e a gente passa a se esforçar para lembrar de algumas pessoas, outras continuam aparecendo constantemente, todos os dias, na memória. tem as que ressurgem, retornam ao ouvir uma música ou ver um filme antigo. ou encontrar um bilhete de cinema velho ou um recado cotidiano num papel amarelado do tipo "fui comprar pão". e vem com aquele grande e pesado: "e se". "e se fosse ele?". "e se não era pra ter sido do jeito que foi?". "e se tentasse de outro jeito?".

"e se". "e se eu pudesse entrar na sua vida?" - nosso grande inimigo. é duro de aceitar que as coisas são como são, que a vida é bela pelos belos acasos e maldita por esses imprevistos e armadilhas também. sorriso bonito. carinho. troca de olhares. conversa agradável. grandes expectativas - "e se". "e se". "e se." e de repente é mais alguém que mora longe, que já tem outro alguém, e que, e que, e que. mais um "e se". mais um "talvez seja diferente". sempre é, nunca é.

às vezes, o coração pede uma trégua. um sossego. uma praia, um por do sol, uma água de coco, com alguém legal, que pareça ficar dessa vez. sem "e se". às vezes o coração só pede um pouquinho de certeza. só um pouquinho, nem que seja pra respirar um pouco dessa vida angustiante de incertezas e acasos e emoções. uns dias, um mês, um ano de alegria e segurança.

é só isso que ele pede.
é só isso que eu peço.
 
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