ainda somos da parte inferior - não tão canto, não tão esquerdo (pelo menos não no sentido físico). mais de um ano e meio depois da última declaração nesse blog, eis que re-surge um episódio que infelizmente ficará marcado por toda a eternidade, dos meus doces amargos tempos de graduação.
aula de psicopatologia. após dois anos de uma torturante punhetagem biologicista (vulgo eixo biológico), algo muito próximo de um curso junior de medicina de "brinde" na graduação; mais uma sobrecarga grande de terapias cognitivo-comportamental, neurociências, etc, etc; no quarto ano da graduação, ainda somos obrigados a ter a tal aula de psicopatologia, segunda feira à tarde.
atividade do dia: aula de transtornos de ansiedade. na semana anterior, o professor já avisava, entusiasmado:
- tragam o CID 10, pessoal, pois iremos fazer uma atividade diferente na próxima semana!
tudo bem. há anos nós falamos para que os professores fossem criativos. anos solicitando mais que apenas aulas expositivas. óbvio, coisa boa não viria.
sobre a tal da atividade
fomos divididos por diagnósticos. o professor gritava "quem quer fobia generalizada?"/ "quem quer fobia social?"/ "quem quer transtorno-obsessivo-compulsivo?"... e as mãos iam se erguendo no caos. o nosso era transtorno pós-traumático. obviamente, nós, estudantes do canto inferior esquerdo da sala, primeiramente tivemos que fazer um comentário breve sobre nossas experiências traumáticas da escola e da faculdade.
bom, a questão é que a atividade tão criativa consistia em: diante do diagnóstico, inventar um caso clínico! sim, quando digo caso clínico, eu digo sujeito. quando digo sujeito, eu digo uma vida.
nós, do canto infeior esquerdo da sala, logo nos entusiasmamos para criticar.
a sala, nada canto inferior, muito menos esquerdo, ria animada com as vidas inventadas. oh! uma mulher com medo de lagartixa - mas sempre tranquila quando um homem estava por perto para salvá-la.
há. o machismo impregnado nas nossas entranhas.
o riso gostoso do machismo exposto por um grupo de mulheres, que inventavam uma vida para sustentar um diagnóstico.
ao questionarmos sobre a proposta da atividade, não ficamos surpresos que a pergunta não fora compreendida, e a resposta nada satisfatória. ao falar que achamos muito bizarro ter que criar uma história de vida a partir de pressupostos teóricos, uma professora defende fervorosamente:
- mas isso não é teoria, é diagnóstico.
perdão, professora querida. por um momento achei que os diagnósticos haviam sido criados pelo homem. talvez tenha entedido algo errado. talvez eles sejam verdades que nós descobrimos, durante nossa evolução humana?
não felizes em fazer cada grupinho ir, felizes e bonitinhos narrar sua vida inventada, a sala em coro tentava adivinhar, como num jogo de mímica, de qual diagnóstico o grupo estava fazendo referência.
fim de aula. mais um transtorno pós-traumático pra história.
pensei: quero fazer outro curso.
pensei de novo: quero fazer outro mundo.
é, essa psicologia é só um sintoma.
terça-feira, 2 de março de 2010
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Um comentário:
Isso mostra que o curso junior de medicina continua pop entre nossos colegas. E nós continuamos marginalizados na nossa indignação.
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