o título veio como um desabafo entre meus sonhos. tenho pensado muito nisso, ultimamente. e hoje, quando acordei, foi a primeira coisa que me veio na cabeça.
talvez seja porque lembrei que teria que ir para santos logo mais, para um trabalho sobre "testes psicológicos". mas enfim, isso não interessa muito. a questão é: a psicologia é uma ciência burguesa. no mínimo, na sua origem. o que fazer, a partir de tal constatação?
penso: o que fazemos, quando, ao contrário de classificar os normais e os não-normais, ao contrário de estudar como fazer com que as pessoas sejam "mais normais", quando não olhamos para sua produtividade, para seu perfil e como este se encaixa na empresa... quando ao contrário de normatizar, buscamos entender, escutar, e nada tão ingênuo assim: quando a psicologia torna-se um instrumento de transformação da sociedade... estamos fazendo psicologia ainda?
um primeiro movimento que tive foi de pesquisar, afinal, o que é ciência. é claro que existem váarias definições para tal. mas me contentou ver que existem coisas mais amplas do que "aquela que dita a verdade", definição a qual muitos doutores e estudantes por aí definem através de seu comportamento, às vezes - repito, às vezes - sem nem mesmo perceber.
com relação a psicologia, também não resisti e busquei suas definições. essas pouco me agradaram. a questão é que não sei o que estou fazendo nesse curso. quer dizer, sei bem, talvez mais até do que muita gente que sabe o que quer fazer, mas o que quero fazer não está dado. não entrei para ser psicanalista, ou para trabalhar numa empresa, ou para salvar as pessoas do sofrimento como uma super-heroína.
primeiramente, o assunto "ser humano" me agrada bastante. talvez o "ser humano" não me agrade tanto quanto estudá-lo, conhecê-lo e pensar sobre tal. assim, para me aproximar desse meio, a psicologia foi um caminho escolhido. poderia ter ido para outros ambientes que estudam o ser humano, mas a psicologia, pela bagunça que é, permitiria que eu mudasse bastante de idéia ao longo do curso.
isso porque fazer psicologia é aceitar as contradições teóricas no dia a dia do seu curso. é ter uma aula de comportamental de manhã, estudando uma ciência que nasce em plena segunda guerra mundial, que classifica os sujeitos como gado sendo registrado antes de ir pro abate, e à tarde estudar sobre capitalismo e todas as suas desgraças, numa aula de educação. e ambos os professores, afirmando em seus crachás, contratos, mestrados e doutorados que são da mesma laia: psicólogos.
assim, fui parar na psicologia. e o que eu quero fazer não está dado. não sei nem sei me darei o título de psicóloga um dia. sei que a escolha foi boa: realmente, tenho encontrado coisas interessantes por aí, apesar de que a maioria seja o que foi dado nas entrelinhas da graduação. as que mais me interessam são as que questionam, as que botam a psicologia contra a parede e dizem: afinal de contas, qual é a sua? aquilo que ninguém sabe dizer ao certo se é psicologia ou não é, se vale de algo ou não vale, é pra lá que meus olhinhos brilham e meu braço se cansa de tanto escrever.
assim, devo afirmar que valeu e vale, que essa escolha foi e está sendo uma boa escolha. no entanto, me preocupa o pressuposto dado no título desse texto: a psicologia é uma ciência burguesa. e se não é pra mim, para muitos é. isso me irrita um tanto. fico pensando o que seria dividir a psicologia em duas graduações.
de um lado, aquela que se estuda para conservar uma ordem: a psicologia das classificações, das normatizações, das pesquisas com ratos, da preservação da raça homem-branco-rico-heterossexual.
de outro, outra psicologia: e esta, sendo uma psicologia da transformação, a psicologia que nietzsche anunciava como "grande psicologia", a psicologia que deleuze e guattari contribuiram, aquela ciência que os cientistas de colarinho branco (o jaleco) tem vergonha de dizer que é ciência. aquela psicologia que ninguém consegue dizer bem o que é, porque a cada fala que aparece, a vida muda de sentido e então aquela classificação posta anteriormente já não cabe mais. aquela ciência que potencializa a vida, que não busca entender o ser humano, compreendê-lo para classificá-lo. entender para desentender. assumir que no instante que uma definição é feita, algo escapa pelo simples fato de estarmos vivos, e a definição se torna inútil.
talvez, talvez duas graduações. não é nem pela falta de paciência de ter que estudar algo que não agrada. mas pelo fato de chegar a ser doloroso vendo escancarado na sua cara, ser produzida, reproduzida, aprimorada uma profissão que fortalece aquilo que você combate no cotidiano, e que vê no dia a dia o tamanho sofrimento que é produzido aquilo que certas psicologias reafirmam. no entanto, apenas uma graduação permite conviver com as angústias de ter que estudar, mesmo que a contragosto, aquela ciência que pouco te agrada. e, apesar de ter feito essa polarização grosseira, é claro que os conceitos se misturam, nem tudo é uma coisa ou outra.
às vezes, é simples questão de intenção.
(talvez eu continue um outro dia, uma outra hora. está ficando longo demais e a kinna vive dizendo que isso não é convidativo pras pessoas lerem até o fim)
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
a psicologia é uma ciência burguesa.
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2 comentários:
Eu acho engraçado a gente achar que vai estudar uma ciência que fala do homem pq não se pode separa-lo da subjetividade... quer coisa mais contraditória do que isso:
não é a toa que tem tantos pontos de vista, tantas linhas teóricas e tantas ações possíveis e que diversas vezes perdem o sentido. Como se estivessemos falando de alienígenas e discutindo o tratamento adequado para cada um, e não aquele que está do seu lado e é tão humano quanto vc. Estudar o que, por que e pra quem, ao invés de se manter em uma discussão teórica contada por alguém que disse ver a prática.
Psicologia é uma faculdade engraçada... ninguém sabe explicar exatamente o que é, o que faz, se vai em busca de respostas e se encontram outras milhares de perguntas.
Nem preciso dizer que adorei o texto, ne bel:
"mas o que quero fazer não está dado"
"poderia ter ido para outros ambientes que estudam o ser humano, mas a psicologia, pela bagunça que é, permitiria que eu mudasse bastante de idéia ao longo do curso."
Essas duas frases que eu destaquei deveriam aparecer nos manuais de vestibular nas definições de Psicologia. A partir daí, só prestariam vestibular para Psicologia aqueles que querem a "psicologia da transformação" e não a "psicologia classificatória".
No mais, seu texto me deixou angustiada para caramba. Mas é isso que me faz humana, segundo Sartre, e devo viver com o peso da minha escolha (não só a escolha da graduação, mas a escolha entre as psicologias existentes) por muito tempo.
"Não é porque tudo é permitido que tudo é possível. O desejo é uma escolha; e escolher é excluir."
Houellebecq
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