Sabe que há um tempo
eu reparei que quanto mais acelerada eu tô pra dentro, mais lenta eu
me apresento pra fora. E as pessoas frequentemente vem dizer que eu
passo um olhar de calma, e eu fico pensando se um dia elas
conseguiriam ver o caos que é dentro de mim e quanta bagunça tem
aqui dentro e o turbilhão de coisas que vem por segundo. E você fala para mim umas coisas que me trazem tantas
coisas que eu penso que um dia vou conseguir escrever ou dizer. Na minha
cabeça acontece como naquelas cenas de filme em que tem uma cena
parada e de repente acontece alguma coisa, às vezes absurda,
e depois retoma a cena parada e então você percebe que a personagem
estava apenas imaginando. Na minha cabeça quando você tá falando
comigo eu imagino eu interrompendo e botando a mão no teu ombro e
dizendo “Você quer saber mesmo o que se passa?” e então eu
inicio uma fala de 40 a 50 minutos soltando tudo que se passa na
minha cabeça. Mas fica só na cabeça porque na realidade sou eu
olhando pra um ponto que não é seus olhos, ou mexendo num canudo ou
num guardanapo ou qualquer atividade banal que parece ser levada com
tamanha seriedade – qualquer desculpa para não botar a mão no teu
ombro e falar por 40 a 50 minutos.
Sabe que eu penso muito
tentando entender as coisas e às vezes acho que é esse meu
problema. Às vezes eu quero falar das coisas que penso mas penso
também que falar das coisas que penso é o que estragou tantas
relações. Eu queria que você entendesse que às vezes eu me sinto
como aquele “encarregado” que fica numa situação chata entre os
trabalhadores por ter que passar as más notícias do patrão. Eu
queria que as coisas fossem de outro jeito, mas eu apenas te repasso
coisas que sinto que não tenho muito controle, e que simplesmente é
como estou me sentindo. E nesses contextos de tamanha fragilidade eu
tenho andado num imobilismo absurdo que tem me incomodado demais. Eu queria
tentar te explicar e talvez explicar até pra mim mesma o que se
passa mas tem horas que eu acho desnecessário e tem horas que eu
acho que nem eu mesma sei do que se trata mesmo a explicação que eu
queria dar.
Sabe que eu me pego várias vezes fazendo planos. Eu tenho apostado cada vez mais que talvez o caminho seja
abrir mão desse monte de coisa e tentar simplesmente viver e “ser”
com você. Pelo menos tentar. Apostar. Só que como já te disse, até
minhas apostas e impulsos são planejados então talvez esse
encaminhamento leve um tempo – e eu não te peço pra esperar, não
é disso que se trata tudo isso. Mas eu queria que você entendesse
que é muita coisa que se passa e de fato tem coisa que tem a ver
comigo e minha enrolação pra tudo e as bagunças mas tem coisa que
é essa vida doida que nos chama e nos tira a possibilidade de pensar, viver, respirar o amor.
Sabe que eu sei que
você tem prazo de validade e qualquer hora você vai encher das
minhas complicações e confusões e bagunças. Creio que hoje,
apesar dos momentos que fica bravo, ainda consegue ver certo charme
mas sei que se eu não mudar logo você logo se cansa e aí já era.
E isso me apavora um pouco. Eu espero ajustar as coisas antes de você
cansar, mas sabe que tem coisa que eu acho que é meio fora do meu
controle. Hoje eu ouvi a Adriana Calcanhoto e ela cantava “eu não
moro mais em mim”. Eu sinto que eu tô meio de aluguel nesse meu
corpo e que não tenho tido muita autonomia pra decidir certas
coisas. É um momento bem atípico da minha vida que eu espero que
passe logo. E que quando passar, que você permaneça.
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