Parte I - Os dez minutos que abalaram os mundos.
Era uma vez uma menina e um menino - porque toda história que se preze tem no seu enredo pelo menos duas pessoas que se apaixonam - que viviam em planetas diferentes.
Como todos nós sabemos, os planetas ficam circulando pelo universo, em algum ritmo que aí nem todos nós sabemos. A nossa história começa em um momento raro em que esses dois planetas - o do menino e o da menina - se alinham e, durante dez minutos, os olhos da menina cruzaram com os olhos do menino.
Foi de repente. Foi por acaso. Que belo acaso!
E foi carregado de alegria. Na hora, é como se os mundos estivessem parados, para que parados os dois pudessem se olhar, se conhecer, decorar um o rosto e o corpo do outro. Naquele instante, a vida fez tanto sentido para os dois, que sorriam como nunca haviam antes.
Dez minutos depois, cada mundo foi pro seu lado - mas foram tarde! Daqueles dez minutos já havia nascido o amor. Mal os dois - e o resto dos mundos - sabiam o que viria a seguir.
Parte II - A grande guinada da história dos dois
No dia seguinte, a menina acordou, esfregou seus olhos como de costume e antes de abrir os olhos, lembrou do rosto do menino.
O menino e seu planeta, despertam distantes do outro lado do universo. É mais uma manhã e ele acorda apressado para a rotina de seu mundo. Ele também lembra da menina, enquanto contempla uma flor que brotava no chão, ao teu lado (no seu planeta, as flores brotavam ao lado das pessoas que estavam felizes). Ele sabia que aquela flor era culpa da menina.
Não foi algo calculado, premeditado, sequer combinado - tampouco seria possível, em dez minutos de troca de olhares -, mas a questão é que a partir daquele dia, os dois foram tomados pelo desejo de se encontrarem. E, sem um saber do outro, surgiram planos para viabilizar esse encontro.
No planeta do menino, havia muitos tijolos. Política de governo daquele mundo. O rei, preocupado com flores que brotavam demasiadamente no chão, distribuía tijolos pelo planeta para que abafasse o reconhecimento de felicidade dos seres de lá. Era uma forma das pessoas não saberem que estavam felizes, e sem saber que eram felizes, seguiam concentradas com seus afazeres que garantiam que o planeta continuasse do jeito que estava.
Era preocupante para o rei um planeta em que todos conseguissem enxergar a sua felicidade.
Mas isso não vem ao caso agora. O que interessa é que havia tijolos no planeta e o menino, que gostava de recolher os tijolos, pois não concordava com a atitude do rei, decidiu que com eles construiria uma ponte para o outro planeta, o planeta da menina.
Daria trabalho, mas o menino estava disposto, e quando a gente carrega tanta paixão dentro da gente, a gente tem uma força que é capaz de mover montanhas - e olhando dessa forma, carregar tijolos não seria tamanho esforço assim.
A menina, por outro lado, não tinha a habilidade do menino, e também não tinha tijolos. Na verdade, a menina não fazia muita coisa, além de sonhar. Ela sonhava bastante e, depois dos dez minutos que abalaram os mundos (e daqui a pouco vocês saberão o porquê), passou a sonhar em como encontrar com o menino.
Ela fazia planos mirabolantes, a maioria impossível. Alguns, até chegou a correr atrás e tentar realizar, mas eram tão absurdos que não tinham jeito. Certa vez, foi até a casa do homem que tinha o maior balão do planeta dela, e pediu emprestado. O homem riu da ideia absurda da menina, mas emprestou.
Ele tinha muitas cores e era muito grande, e ela chegou a voar alguns kilometros com ele. Mas sequer conseguiu chegar perto da primeira estrela. Pouco antes, um objeto estranho não identificado furou o balão e a menina foi caindo, caindo, caindo, até que voltou para seu planeta. Sorte que o balão era tão grande que a lona serviu de colchão pra menina!
E ela seguiu fazendo planos, e o menino seguiu fazendo a ponte.
Enquanto isso, todos os dias, vira e mexe a menina olhava para o alto, para todos os lados do horizonte para tentar reencontrar o planeta. A esperança de cruzar os olhos dela com os olhos do menino superava qualquer teoria psicológica do comportamento humano, de certas ações irem diminuindo na medida que não eram reforçados positivamente.
Um dia, fazia muito sol, e a menina pode jurar de pés juntos que em meio a tanta luz ela viu uma bolinha, bem bem bem longe, que tinha uma coisa saindo dela. Na época, a menina não sabia o que era, e isso depois virou uma história feliz de se contar - daquelas lacunas do passado que se completam anos depois. Mas isso ela não sabia, só a gente que está contando a história agora sabe, que era a ponte do menino que crescia.
O menino também, vez ou outra, escalava a construção e procurava pelo planeta da menina. Tentativas mal sucedidas, e no entanto jamais desacreditadas. Coisas que só quem ama entende. Teve uma vez, que o menino contemplava o horizonte após um longo dia de trabalho árduo, de intensiva dedicação ao projeto da ponte. Foi então que viu, ao longe, um troço grande, redondo e colorido. Esfregou os olhos com as mãos calejadas. Quando abriu novamente, não havia mais nada. Na época, o menino não sabia o que era, e isso depois virou uma história feliz de se contar - daquelas lacunas do passado que se completam anos depois. Mas isso ele não sabia, só a gente que está contando a história agora sabe, que era a menina tentando subir com o balão do homem.
E ela seguiu fazendo planos, e o menino seguiu fazendo a ponte.
Parte III - A grande guinada da história dos mundos
A menina seguia fazendo planos.
Entre suas ideias malucas, ouviu boatos de que o rei de seu planeta tinha uma nave, que usava para reuniões interplanetárias vez ou outra. Aquilo era segredo de Planeta, mas um funcionário que ocupava um cargo importante, um dia que estava bravo com o rei deixou vazar. Era ele quem guardava as chaves num cofre do palácio.
A menina, então, encontrou a estratégia central para chegar ao outro planeta: encontrar e conquistar a nave do rei. Bastava agora pensar em táticas para isso ser possível. E todos os dias a menina buscava o cofre e o funcionário do rei.
Certo dia, ficou sabendo também que no local que ficava a nave, havia um monstro verde, grande, com vários braços e pernas, e assustador (porque coisas verdes, grandes, com muitos braços e pernas só poderiam ser assim, assustadoras).
Quem contou isso foi um moço da maior loja de rações do planeta, responsável pelo fornecimento de alimentos do monstro. Contou isso para a menina, em um dia que também estava bravo com o rei.
Com o tempo, o planeta inteiro estava sabendo que a menina estava atrás de alguma coisa que era do rei, e a menina começou a saber que muita gente estava brava com o rei. Assim, os habitantes do planeta dela começaram a ajudar da forma que podiam, fazendo com que pouco a pouco, o planeta todo estivesse mobilizado, de alguma forma, para ajudar a menina.
O menino seguia construindo a ponte.
O menino continuava erguendo, pouco a pouco, a ponte. Recolhia os tijolos, concentrado em seu ritual. As pessoas observavam, silenciosamente, o menino zanzando por ali.
As pessoas de seu planeta viviam em cantos. Moravam em cantos. Eram quietas, cada qual no seu cantinho. Tantos tijolos, e aos poucos foram se habituando a se isolar.
Uma criança que brincava com uma bola observava o menino que cumpria de forma disciplinada a tarefa de recolher tijolos e construir a ponte. A criança era curiosa. Ainda não estava tão domada para caber naquele mundo. Desconhecia das políticas de governo, e ainda não tinha encontrando o seu canto.
Jogou a bola para perto do menino, para se aproximar. O menino pega a bola, sorri gentilmente para a criança - nasce uma flor, cai um tijolo, o menino entrega a bola, pega o tijolo, e volta a construir a ponte.
A criança se aproxima e pergunta, então, o que o menino está fazendo. Não se ouvia muitas vozes por ali, porque as pessoas não se comunicavam. Os tijolos do rei silenciaram as pessoas.
Ele responde, com a voz rouca de quem há tempos não a utilizava, contando da menina. Nascem três flores, caem quatro tijolos - o Governo é ágil. A criança sorri, brotam quatro florzinhas do chão, cai um tijolo. Ela pega e começa a ajudar o menino.
A mãe da criança se espanta. Tantas flores amassadas por tijolos, tanto tempo que encontrou o seu canto para acomodar-se, que havia esquecido o que era estar lado a lado de alguém para atingir um objetivo comum. Ela não sabia da menina do outro planeta. Ela só assistiu a cena - a criança que começa a ajudar o menino que estava há dias, meses, naquela tarefa de construir alguma coisa.
De repente, tomada por uma emoção que parecia adormecida há algumas boas décadas, começou a arrancar os tijolos que constituíam seu cantinho. Possuía uma força que não tinha nome. Aqueles tijolos marcavam inícios de alegria amassados, abafados pelos tijolos do rei, e ela começou a arrancar e juntar num carrinho, até levar, enfim, para o menino.
Ela sorria, e com isso nasciam flores e flores e flores. Flores fortes, com cores brilhantes. E ela chorava, emocionada, e regava as flores com lágrimas, e as flores cresciam e os tijolos desciam e mais flores vinham. Algo se libertou nela, e em tantos outros do planeta que fez com que, algumas horas depois, a cidade estivesse tomada por flores e não já não houvesse mais tijolos pois as pessoas logo o pegavam para construir a ponte.
Parte IV - Esse não é o fim da história, e essa não é (apenas) uma história de amor.
Ao final do dia, todos os habitantes dos dois planetas estavam mobilizados: em um planeta, as pessoas ajudando a construir a ponte. No outro, as pessoas ajudando a encontrar a nave. Os reis estavam enlouquecendo, sem saber o que fazer.
Ao final do dia, já não se tratava mais de fazer com que o menino e a menina se encontrassem, nem ao menos para o menino e para a menina.
Ao final do dia, o menino e a criança e a mãe e a menina e o funcionário que ocupava um cargo importante e o moço da maior loja de rações e até mesmo - espantem! - o monstro verde estavam mobilizados. Todos buscavam construir no planeta do menino e encontrar no planeta da menina uma forma de viver em liberdade e, que fosse possível, nessa forma de viver a vida em liberdade, de o amor acontecer.
Nem que fosse preciso matar o rei.
Um comentário:
"Nem que fosse preciso matar o rei."
Amanhã tem revolution.
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