Não é o que se pode chamar de uma história original
Mas não importa: é a vida real
Acordar de madrugada vindo de outro planeta
Sentir-se só
Uma criança num berço de ouro
E a ferrugem ao seu redor
Os muros da cidade falavam alto demais
Coisas que ela não podia mudar nem suportar
Ela quis voltar para casa
Cansou da violência que ninguém mais via
Viu milhões de fotografias e achou todas iguais
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
e a noite foi um inferno, desespero de esperar...
A UNIFESP não me deixa dormir. Rouba meu sono, arromba meus sonhos e então não me deixa dormir nunca. Textos, provas, reuniões e aulas longas e intermináveis (e sempre com o conteúdo atrasado, desde o primeiro dia de aula, é impressionante).
E assim fica a minha insônia. No meu único dia que poderia dormir tranquilamente, o Eixo Biológico vem me assombrar. Sim, fui atacada por ele a madrugada inteira. E sofri, sofri, sofri. E quando deu 6hs da manhã ele resolve ir embora. Não precisava mais me atormentar. O Sol já o fazia com o maior gosto.
Pronto. Meu primeiro post universitário pessoal declarado.
E assim fica a minha insônia. No meu único dia que poderia dormir tranquilamente, o Eixo Biológico vem me assombrar. Sim, fui atacada por ele a madrugada inteira. E sofri, sofri, sofri. E quando deu 6hs da manhã ele resolve ir embora. Não precisava mais me atormentar. O Sol já o fazia com o maior gosto.
Pronto. Meu primeiro post universitário pessoal declarado.
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domingo, 24 de fevereiro de 2008
Mais Antonio Prata...
Crônico
(publicado no Guia do Estadão)
O mundo não é sincrônico. Se fosse, como explicar que, nos últimos anos, as escovas de dentes tenham se transformado em algo próximo às naves de Star Wars, enquanto os botijões de gás continuam os mesmos desde muito antes de o homem pisar na lua?Os extintores de incêndio, as BICs e os cinzeiros que ficam perto do elevador (tanto o cilíndrico quando o quadradinho, com areia), também são herança de outra era, em que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa e todas as coisas continuavam a mesma coisa por pelo menos algum tempo.
Tenho uma simpatia por esses velhuscos. São como aquele japonês encontrado numa ilhota, muitos anos depois de finda a Segunda Guerra, que se recusava a aceitar a rendição do imperador Hiroito. Mas, se o soldado desinformado apareceu em jornais do mundo todo assustado, com uns olhos arregalados de mangá, os cinzeiros, botijões e BICs me parecem ostentar um orgulho nobiliárquico. Como se a BIC, do alto de seu sangue azul, dissesse às escovas, celulares e aparelhos de som: vocês podem estar sob os holofotes, mas passarão e não deixarão memória, enquanto eu continuo aqui, simples e longeva, como as amebas, as bactérias.
Meu apego pela permanência dos objetos não é só estética, mas de ordem prática. Lá pelos vinte anos, meu bisavô entrou numa loja de sapatos e comprou um par. Gostou tanto que voltou à sapataria nas próximas cinco décadas. Foi enterrado com aqueles sapatos.Faz dois anos, comprei umas cuecas. (Desculpem-me a informação, assim, mundana -- nós nem nos conhecemos --, mas encontrar a cueca ideal é um dos pequenos prazeres da vida e a literatura – oh, a literatura! – não pode dobrar-se ao pudor). Mês passado fui à mesma loja, decidido a refazer o estoque e descobri que não existiam mais. “A cada ano o fabricante muda a coleção, senhor”. Até as cuecas?!Sabem, eu gosto do mundo. E das coisas dentro do mundo. Apego-me a elas como a um livro, uma praia, uma música. Não quero que otimizem Cem Anos de Solidão, redesenhem Copacabana, remixem Blackbird. Ah, eficiência! Quanta beleza ainda tombará em seu nome?
Os fins não justificam os meios. Os fins, aliás, não existem: só os meios. Afinal: eu, você, os japoneses, as escovas de dentes, os botijões, as BICs e o Bispo de Botucatu voltaremos ao pó de que viemos, provando que, no fim das contas, o mundo talvez seja sincrônico. Eu, definitivamente, é que sou anacrônico.
(publicado no Guia do Estadão)
O mundo não é sincrônico. Se fosse, como explicar que, nos últimos anos, as escovas de dentes tenham se transformado em algo próximo às naves de Star Wars, enquanto os botijões de gás continuam os mesmos desde muito antes de o homem pisar na lua?Os extintores de incêndio, as BICs e os cinzeiros que ficam perto do elevador (tanto o cilíndrico quando o quadradinho, com areia), também são herança de outra era, em que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa e todas as coisas continuavam a mesma coisa por pelo menos algum tempo.
Tenho uma simpatia por esses velhuscos. São como aquele japonês encontrado numa ilhota, muitos anos depois de finda a Segunda Guerra, que se recusava a aceitar a rendição do imperador Hiroito. Mas, se o soldado desinformado apareceu em jornais do mundo todo assustado, com uns olhos arregalados de mangá, os cinzeiros, botijões e BICs me parecem ostentar um orgulho nobiliárquico. Como se a BIC, do alto de seu sangue azul, dissesse às escovas, celulares e aparelhos de som: vocês podem estar sob os holofotes, mas passarão e não deixarão memória, enquanto eu continuo aqui, simples e longeva, como as amebas, as bactérias.
Meu apego pela permanência dos objetos não é só estética, mas de ordem prática. Lá pelos vinte anos, meu bisavô entrou numa loja de sapatos e comprou um par. Gostou tanto que voltou à sapataria nas próximas cinco décadas. Foi enterrado com aqueles sapatos.Faz dois anos, comprei umas cuecas. (Desculpem-me a informação, assim, mundana -- nós nem nos conhecemos --, mas encontrar a cueca ideal é um dos pequenos prazeres da vida e a literatura – oh, a literatura! – não pode dobrar-se ao pudor). Mês passado fui à mesma loja, decidido a refazer o estoque e descobri que não existiam mais. “A cada ano o fabricante muda a coleção, senhor”. Até as cuecas?!Sabem, eu gosto do mundo. E das coisas dentro do mundo. Apego-me a elas como a um livro, uma praia, uma música. Não quero que otimizem Cem Anos de Solidão, redesenhem Copacabana, remixem Blackbird. Ah, eficiência! Quanta beleza ainda tombará em seu nome?
Os fins não justificam os meios. Os fins, aliás, não existem: só os meios. Afinal: eu, você, os japoneses, as escovas de dentes, os botijões, as BICs e o Bispo de Botucatu voltaremos ao pó de que viemos, provando que, no fim das contas, o mundo talvez seja sincrônico. Eu, definitivamente, é que sou anacrônico.
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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
tinha horror a tudo que apequenava...
...e eu que sempre tive certo o meu futuro, o que fazer quando ele chegou e já está acontecendo?
vivo o presente, planejo um novo futuro, me mato? me sinto pronta para dar uma entrevista no Video Show, dizendo que estou vivendo o meu sonho, que sou como aquele jogador de futebol que fez gol e está correndo pro abraço, dizendo que estou feliz e todas aquelas coisas que as pessoas assistem e ficam com raiva, porque é muito mais legal chorar pelo ator que morreu de overdose a ver um globalzinho de merda namorando alguém legal, ganhando dinheiro, e trabalhando com o que sempre quis.
voltando a mim, considerando que o blog é meu e não de nenhum atorzinho de merda, a sensação é realmente essa. desejo realizado. missão cumprida. fome da vida. vontade de crescer... não em altura, não em dinheiro, não em status social... simplesmente estar sempre não cabendo dentro de mim. estar sempre a beira de explodir, me sentindo como aquela alface de cursinho em constante estado de turgescência.
dizem que não sou boa de finais (por sinal, eu sou uma dessas que espalha o boato)... depois dessa última frase, acho melhor parar por aqui.
ps: o título não era nenhum amigo se referindo a mim. sim, porque para meus amigos eu sou "uma pessoa difícil de lidar", e só. a frase deliciosa era para deleuze. ah! e aposto que ele nem ligou...
eu ia adorar tanto se fosse pra mim...assumo isso para meu blog sem leitores.
vivo o presente, planejo um novo futuro, me mato? me sinto pronta para dar uma entrevista no Video Show, dizendo que estou vivendo o meu sonho, que sou como aquele jogador de futebol que fez gol e está correndo pro abraço, dizendo que estou feliz e todas aquelas coisas que as pessoas assistem e ficam com raiva, porque é muito mais legal chorar pelo ator que morreu de overdose a ver um globalzinho de merda namorando alguém legal, ganhando dinheiro, e trabalhando com o que sempre quis.
voltando a mim, considerando que o blog é meu e não de nenhum atorzinho de merda, a sensação é realmente essa. desejo realizado. missão cumprida. fome da vida. vontade de crescer... não em altura, não em dinheiro, não em status social... simplesmente estar sempre não cabendo dentro de mim. estar sempre a beira de explodir, me sentindo como aquela alface de cursinho em constante estado de turgescência.
dizem que não sou boa de finais (por sinal, eu sou uma dessas que espalha o boato)... depois dessa última frase, acho melhor parar por aqui.
ps: o título não era nenhum amigo se referindo a mim. sim, porque para meus amigos eu sou "uma pessoa difícil de lidar", e só. a frase deliciosa era para deleuze. ah! e aposto que ele nem ligou...
eu ia adorar tanto se fosse pra mim...assumo isso para meu blog sem leitores.
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Devoro o mundo e cuspo o podre.
pra algumas coisas eu sou muito chata.
muita gente fala que sou exigente, e talvez eu seja. mas não é uma atitude injusta, porque eu sou MUITO mais exigente comigo do que com os outros.
e como eu me exijo um caráter agradável, espero o mesmo do resto.
a decepção é uma coisa que faz parte da minha vida, muito mais do que eu gostaria. mas o pior é que isso não me fez ficar frustrada ou abandonar qualquer exigência, briga, berro meu. ainda. digo ainda porque quando a decepção aparece, eu tenho mesmo a sensação de que toda a minha força foi sugada.
acho isso natural. é aquela velha história, de que quanto mais alto se sobe, mais feio é o tombo. não dá pra ser intenso de um lado só. talvez ser uma pessoa intensa exige uma força maior do que imaginamos.
e assim eu continuo mordendo a vida com todos os dentes, mesmo que de vez em quando venha aquele amarguinho que enjoa.
muita gente fala que sou exigente, e talvez eu seja. mas não é uma atitude injusta, porque eu sou MUITO mais exigente comigo do que com os outros.
e como eu me exijo um caráter agradável, espero o mesmo do resto.
a decepção é uma coisa que faz parte da minha vida, muito mais do que eu gostaria. mas o pior é que isso não me fez ficar frustrada ou abandonar qualquer exigência, briga, berro meu. ainda. digo ainda porque quando a decepção aparece, eu tenho mesmo a sensação de que toda a minha força foi sugada.
acho isso natural. é aquela velha história, de que quanto mais alto se sobe, mais feio é o tombo. não dá pra ser intenso de um lado só. talvez ser uma pessoa intensa exige uma força maior do que imaginamos.
e assim eu continuo mordendo a vida com todos os dentes, mesmo que de vez em quando venha aquele amarguinho que enjoa.
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"eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei."
Nó na garganta.
Um pesadelo sempre antecede um dia ruim.
E eu só espero a hora de ouvir sua voz, sussurrando no meu ouvido, mesmo que seja através do telefone:
- tá tudo bem, bel. foi só um sonho. foi só um dia ruim.
Porque essas babaquices sempre me fazem felizes...
Um pesadelo sempre antecede um dia ruim.
E eu só espero a hora de ouvir sua voz, sussurrando no meu ouvido, mesmo que seja através do telefone:
- tá tudo bem, bel. foi só um sonho. foi só um dia ruim.
Porque essas babaquices sempre me fazem felizes...
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sábado, 16 de fevereiro de 2008
"é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê"
A minha ingenuidade não tem nada a ver com a minha aparência. Ando por aí com cara de que já vi de tudo, e nada mais me surpreende.
Já ouvi, em muitas análises de bar, de amigos, que sou uma pessoa muito inacessível. Difícil de interagir. Ouvi que sou difícil.
Isso realmente me chateia, e às vezes até me confunde. Ao mesmo tempo que eu pareço isso, eu acredito que sempre tento me aproximar de pessoas interessantes. Talvez eu não saiba como fazer isso direito.
Outra contradição é que mal sabem os pseudo-psicólogos alcoólicos que eu sou uma pessoa que chora vendo propaganda, ouvindo uma música ou vendo um filme. Que choro lendo uma carta que nem é pra mim, num casamento que não é o meu e nem de conhecido, em uma formatura de alguém. Eu choro. Eu me descabelo. Eu me explodo de raiva quando leio uma notícia de corrupção, morte, crimes. E que talvez toda essa cena de difícil seja pra me manter longe de gente que pode ferir a minha sagrada ingenuidade.
Talvez eu esteja numa constante encenação inconsciente. Mas isso realmente me chateia.
E eu sei que esse post ficou ridículo, mas não dá pra falar de ingenuidade e pobreza de espírito sem soar ridículo num mundo desses.
Já ouvi, em muitas análises de bar, de amigos, que sou uma pessoa muito inacessível. Difícil de interagir. Ouvi que sou difícil.
Isso realmente me chateia, e às vezes até me confunde. Ao mesmo tempo que eu pareço isso, eu acredito que sempre tento me aproximar de pessoas interessantes. Talvez eu não saiba como fazer isso direito.
Outra contradição é que mal sabem os pseudo-psicólogos alcoólicos que eu sou uma pessoa que chora vendo propaganda, ouvindo uma música ou vendo um filme. Que choro lendo uma carta que nem é pra mim, num casamento que não é o meu e nem de conhecido, em uma formatura de alguém. Eu choro. Eu me descabelo. Eu me explodo de raiva quando leio uma notícia de corrupção, morte, crimes. E que talvez toda essa cena de difícil seja pra me manter longe de gente que pode ferir a minha sagrada ingenuidade.
Talvez eu esteja numa constante encenação inconsciente. Mas isso realmente me chateia.
E eu sei que esse post ficou ridículo, mas não dá pra falar de ingenuidade e pobreza de espírito sem soar ridículo num mundo desses.
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eu não sou da sua rua
minha vida é diferente da sua.
estou aqui de passagem...
este mundo não é meu.
este mundo não é seu.
sensação constante de ser de outra rua, outro mundo, outra vida...
estou aqui de passagem...
este mundo não é meu.
este mundo não é seu.
sensação constante de ser de outra rua, outro mundo, outra vida...
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música para ouvir.,
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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Fernando Pessoa...
Seremos interrompidos antes de terminar.
Portanto, devemos fazer da interrupção
um caminho novo.
Da queda, um passo de dança.
Do medo, uma escada.
Do sonho, uma ponte.
Da procura, um encontro.
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coisas do coração,
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sábado, 9 de fevereiro de 2008
DIREITA X ESQUERDA - O RETORNO
de ANTONIO PRATA
Depois que o muro de Berlim foi partido em cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante, os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da história e, como sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.
Mas o mundo gira, gira e – eis aí um grande problema de rodar em torno do próprio eixo – voltamos para o mesmo lugar. Se a história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia, mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um Chicabom sem optar-se por um dos blocos.
Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.
Estado e Mercado são apenas a ponta de um iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos, gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos, patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais, metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos, cosmogônicos -- e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.Justamente agora, quando esquerda e direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com toda a força, como o tubarão de Spielberg.
Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas, digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e causando inestancáveis verborragias.
A lista é curta e provisória. Outras notas vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.
* * *
A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal -- e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem -- e tende a melhorar.
A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! -- grita a esquerda. Ressentida! -- grita a direita.A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).
Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos -- se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).
Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se endireita”).
Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso).
Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.
As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).
Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).
Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita -- e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.
No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher -- de esquerda).
Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (A trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para os de direita)
Under construction (para os de esquerda)
Depois que o muro de Berlim foi partido em cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante, os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da história e, como sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.
Mas o mundo gira, gira e – eis aí um grande problema de rodar em torno do próprio eixo – voltamos para o mesmo lugar. Se a história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia, mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um Chicabom sem optar-se por um dos blocos.
Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.
Estado e Mercado são apenas a ponta de um iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos, gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos, patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais, metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos, cosmogônicos -- e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.Justamente agora, quando esquerda e direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com toda a força, como o tubarão de Spielberg.
Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas, digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e causando inestancáveis verborragias.
A lista é curta e provisória. Outras notas vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.
* * *
A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal -- e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem -- e tende a melhorar.
A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! -- grita a esquerda. Ressentida! -- grita a direita.A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).
Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos -- se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).
Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se endireita”).
Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso).
Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.
As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).
Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).
Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita -- e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.
No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher -- de esquerda).
Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (A trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para os de direita)
Under construction (para os de esquerda)
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para gostar de ler,
poli-política
falta um dedo
desde que vc morreu parece que perdi um dedo. eu até consigo pegar, mas anda difícil agarrar as coisas da vida. falta um dedo. e assim a coisa escorrega.
hoje acordei sentindo saudades de vc. talvez pq vc estava em meu sonho. alegre, roubando um docinho da mesa. sua risada engraçada.
a mesa ficou maior mas o número de pessoas pra sentar diminuiu. então, usamos metade da mesa. antes achei que era preguiça de arrumar a mesa inteira. começo a pensar agora se não é pra, estando espremidos numa mesa pela metade, esquecermos que falta gente. talvez.
hoje acordei sentindo saudades de vc. talvez pq vc estava em meu sonho. alegre, roubando um docinho da mesa. sua risada engraçada.
a mesa ficou maior mas o número de pessoas pra sentar diminuiu. então, usamos metade da mesa. antes achei que era preguiça de arrumar a mesa inteira. começo a pensar agora se não é pra, estando espremidos numa mesa pela metade, esquecermos que falta gente. talvez.
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momento de si pra si
o homem que copiava
- eu caso com vc!
- casa comigo amanhã?
- pode ser depois de amanhã?
- por que depois de amanhã??????????
- ah, porque amanhã eu tenho um compromisso.
- ah...
- casa comigo amanhã?
- pode ser depois de amanhã?
- por que depois de amanhã??????????
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- ah...
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diálogos,
o mundo anda tão complicado
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