sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Do que não cabe.

Ele pensava em filhos e onde é melhor comprar uma casa e ela queria sair daquele apartamento e mudar o mundo - ou pelo menos os móveis de lugar, pois aquelas poltronas voltadas para a televisão me incomodava horrores. Discutiam muito até o coração dizer chega, que se continuar estraga a paixão. Então iam para a cama onde se entendiam bem - onde tanto faz se era Moreno, Rosa, Mandel ou Kautsky. Primeira, Segunda, Terceira ou Quarta Internacional. Até a Quinta, que fosse. Partido ou Inteiro. Tanto faz. Eram os dois naquele quarto sujo cheio de roupas e rascunhos espalhados, alguns isqueiros já sem gás, e pintura desbotada. Acendiam um cigarro depois e então retornava:

Você estava dizendo, sobre o ciclo PT...


...


- Que foi? - pergunta séria, parando um pouco o que estava fazendo ao ver que estava sendo observada.
- Nada. Estou te vendo. - ele responde, quebrando qualquer dureza que existia entre os dois.

Assim eram, como esse diálogo. Individualidades que se encontraram, e com toda a dureza e aspereza, ainda havia carinho permeando pelos poros. Essa quebra era parte do que os constituía enquanto casal. Ela tentava mostrar para ele aquilo que ele escondia dele mesmo. Ele a via como ninguém antes havia se proposto a ver. Eles se notavam, se percebiam um ao outro com suas nuances todas. Mas a casa era pequena demais para caber o amor dele e as vontades dela.

...

Um ano, alguns meses e minutos depois sentaram em um bar e tomaram cerveja. Muitas, como sempre, com os altos e baixos de sempre. Palavras duras, o debate agora sem carinho - ou pelo menos tentava- , tentavam dizer um ao outro que não eram mais café-com-leite, que o coração não iria mais dizer chega e então poderiam fazer o debate duro exigindo que o outro sustente teus argumentos. Falaram de músicas, mestrado, livros, academia, amigos - quem casou, quem morreu, quem separou... - partidos, conjuntura, um jornal vendido... até que chegaram ao ponto: nós. Debate duro. Ele não falava mais de filhos. Ela já não se incomodava mais com o mundo tampouco com os sofás voltados para a TV. Ainda assim, havia algo sem cabimento naquela relação, e um impedimento para o tentar de novo. Terminaram novamente.
Na despedida um abraço, e um choro involuntário nos ombros dele - ombros que sempre fizeram chorar, não por causar tristeza, mas por permitirem ser triste.
- Me liga quando quiser.
- Ligue você quando quiser.
- Você sabe que eu não vou ligar.

Andaram cada um para seu lado, sem olhar para trás.
Nunca mais se viram, embora tenham se encontrado algumas vezes depois.

Nota de Suspensão


Amigo leitor está suspenso por tempo indeterminado neste blog de um leitor só. Deixemos de lado a tua procura por mim, por você, por nós nesse recinto e tentemos nos entender na vida real, lá fora. Deixemos de ser personagens, passemos a ser gente.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Encantamento Fudido


Somos aquele momento entre a possibilidade do beijo e o beijo concreto. Estamos em uma condição permanente desse estágio, uma sensação um tanto angustiante mas também extremamente prazerosa. Gosto de você e de gostar de você e do que isso me causa: me bota para escrever, pensar, me tirar do lugar. Pode parecer que tudo que uma pessoa como eu não precise é sair do lugar, já que está o tempo inteiro saindo de um lugar para outro - o mesmo contigo, imagino eu. Eu me acomodei nessa condição incômoda e alguém parar e me perguntar: "tu é assim, por tua conta mesmo, né?" me faz pensar se sou, e, caso seja, se quero ser. Faz com que eu lembre de como já fui feliz assistindo a um filme sexta a noite com alguém que eu gosto.

Em tempos que já fui feliz quando a única certeza era quem estaria me esperando em casa, e não o que eu faria. Encostar no ombro, enroscar as pernas, poucas roupas e muitos carinhos. Tendo frio, uma coberta. Enrolar na cama pra começar o dia. Seria algo incompatível, mudar o mundo e manter as pernas enroscadas com alguém? Seria condição determinante manter as minhas pernas livres de outra qualquer? Veja Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches, Marx e Jenny, Trotsky e Natasha, que sobreviveram durante revoluções e exílios que envolviam Polônia, Sibéria e tantos outros lugares.

Além da minha suposta auto-suficiência, tu fala do meu não-sorriso e que estou séria e eu percebo que não sou de muitos sorrisos em São Paulo. Pode parecer capricho meu, mas essa cidade me endurece demais. As batidas de ombro, os olhares tristes, os muitos tons de cinza, os cigarros desviados, os pés que correm pelo asfalto, o correr do tempo. Há muita pressa e pressão e pouco espaço para apaixonamentos e outros momentos que exigem a câmera lenta, a pausa pro olhar, pro sabor. Para além disso, existe o casco e a máscara de sonsa para tentar disfarçar o turbilhão de dentro de mim, a vontade de pular em ti e te levar pro banheiro sem ligar o que o garçom irá pensar. Seguimos seguros brincando com canudos e falando de Machado de Assis.

Essa ambivalência entre o excessivo pudor e o incontrolável tesão leva ao ápice de um beijo roubado e bruscamente recuado. Jamais me perdoarei por não ter prolongado cinco segundos que fosse aquele beijo. Quem vencerá - o excessivo pudor ou o incontrolável tesão, não sabemos. Enquanto isso, nos mantemos nesse momento permanente da possibilidade do beijo e a concretude do mesmo. Dos olhos que se cruzam e ficam, e as pupilas se alteram. Dos lábios que lentamente se molham para receber a outra boca. Do coração que dispara ao pressentir que tem novidade no ar. Do corpo que fica em êxtase preparado para sentir outro corpo. Por quantos dias ou semanas ou meses é possível manter nesse estado, eu não sei. Estamos desafiando as leis da física, química, biologia.

O que dá medo nessa história não é do fim ser bom ou ruim, mas justamente da possibilidade de ter seu desfecho. Independente do conteúdo, chegar a última página desse romance parece algo doloroso, como aquele livro bom que não queremos que termine, ao mesmo tempo que estamos curiosos com o que vai acontecer com as personagens. Caminhar contigo sem saber pra onde dará está tão gostoso, diante de tantas respostas que devo dar o tempo inteiro sobre pra onde e quando e como ir, o que fazer, com quem e todas essas questões que a vida e a família e os amigos e os compromissos nos exigem responder. O teu me tirar do lugar me faz bem, teus atos e dizeres de menino-homem são tão puros e bonitos - vida no teu sentido mais cru e bruto. Descobrir a tua vida, nos descobrir juntos e me descobrir também, brincar de criar um "nós" de forma tímida com breves momentos de ousadia é uma experiência tão bela na tua singularidade.

Qual será o desdobramento? Seria um só? Pra onde vamos? Seria essa questão? Ou a questão nunca foi "o que faremos" como se existisse uma finalidade ou uma meta, enfim? Talvez seja isso. Estamos fadados a ser caminho. Estrada paralela de nossas vidas que não se cruzariam se não fosse essa rota que inventamos, em que não há sinais e placas visíveis para outras pessoas que não nós dois. Sem desistir da estrada velha de cada um de nós, com nossas parceiras e parceiros, obrigações e prazeres, nos buscaremos nesse caminho secreto vez ou outra pelos quatro cantos do mundo, quando for pra ser. Cuidemos apenas para que não nos leve a lugar algum, independente de ser para um lindo paraíso ou a um abismo. Basta aprendermos a hora de voltar, pra boa e certa estrada de cada um, respeitando a pausa permitida pro almoço ou o horário do próximo vôo ou a próxima reunião.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Eu não presto"

- Eu não presto.
- Pra quê?
- Pra vida.
- Pra quem?
- Deixa pra lá. Tu é muito chato.


- - -

Sempre considerava que era uma pessoa organizada. Não sei quando me tornei o esteriótipo da confusão. Foi de repente um dia que fui pega de surpresa ouvindo "Precisamos sentar um dia, estou com saudade das suas histórias". E aí eu percebi: me tornei o entretenimento dos amigos ordinários, que faziam coisas ordinárias e levavam uma vida ordinária - grande parte comprometido com outra pessoa ordinária. Não faz tanto tempo e eu era uma pessoa ordinária que fazia coisas ordinárias e levava uma vida ordinária.
De repente eu sou essa confusão, tentando conciliar várias confusões e seguindo, fazendo, falando, bancando as irresponsabilidades e consequências dos atos irresponsáveis. E que os amigos riem, como que assistindo uma macaquinha que de forma atrapalhada tenta fazer alguma coisa dentro daquele aquário esquisito.

- - -

Eu não queria, mas deixei ele esperando meia hora a quarenta minutos em frente ao metrô. Cada cinco minutos pensava que havia fumado um cigarro. Cheguei. Descabelada, com milhões de envelopes, suada, um sorriso e uma cara de pau, perguntando:
- Conhece um correio aqui perto?
Ele olhou e fez cara de tanto faz. Mas quando nos abraçamos senti seu coração disparado, e escondia um sorriso por ter me encontrado, ainda que atrapalhada como sempre. Lá fomos nós, correndo em busca de um correio, percorrendo caminhos que antes fazíamos de mãos dadas, e beijos no farol. Eu tentando arrancar sorrisos, ele tentando se manter sério.
- Alguma novidade?
- Não.
- Nada? Não é possível não ter novidade.
- Não. Nada mudou nos últimos meses.
- Ai, peraí. - tentando me virar com o tanto de envelope, enquanto ele segue na frente, com jeito de impaciente. - Pronto. Então, não é possível que nada tenha mudado nos últimos meses.
- Bom, é isso. Ah, talvez eu mude para Alagoas. Ah, vai, me dá logo isso aqui - impaciente com as minhas atrapalhices, toma a sacola de envelopes da minha mão.
- Achei que não ia pegar isso nunca - falo, com um sorriso de aproveitadora.
- Se depender de você com essa sacola a gente não chega nunca nesse correio. - você segura o sorriso pra manter sua cara de tantofaz.

A gente sorri. Éramos nós novamente. Ele com seu mau humor desaforado, casca inventada para proteger sua sensibilidade frente a esse mundo cruel. Eu, com meus desastres sem salvação, embora ele tivesse se esforçado (bastante) pra me tirar dessa. Na fila do correio, o assistia falando no telefone. Era o sorriso que antes vinha pra mim. Na hora percebi que já existia outra pessoa. A fila andava lentamente e eu passava o tempo contando os cigarros e os sorrisos-olhando-pra-cima dele. O moço dos correios, encantado com minha gentileza e sorriso ao pedir informação, me assistia enquanto eu assistia o outro enquanto as trabalhadoras do correio assistiam o relógio ansiosas para fechar. Tentava buscar o que me fez gostar dele outrora. Lembrava de momentos alegres que passamos, de nossas trocas afobadas de carinho e conhecimento. Pensei quanto tempo havia passado. Por um instante me senti sozinha, como uma velha que envelheceu sem gatos ao redor. Quis reconquistá-lo, só para não deixar ele feliz com outra e eu feliz sozinha.

- - -

Eu não presto.


Bilhete Único para Amsterdam


O preâmbulo entre o segundo e o terceiro capítulo dessa história é aquela porta que entrei do teu mundo. Teu mundo de plástico e paredes muito brancas e luzes muito claras e espaço muito apertado com pessoas muito estranhas. Gente olhando com cara de quem-são-vocês. E pareceu claro - não há sentido nessa história.

- O que é meu mundo? - Pergunta, dias depois, e em um primeiro momento penso que está curioso para saber a forma como te entendo, mas relembrando talvez seja um súbito desespero teu que bateu e a possibilidade de uma resposta sobre quem é você, que mundo é teu. Seria eu quem saberia?


Passa dois dias e uma estrada e surge um convite. De repente é isso: somos nós outra vez. Esse nós que é tão recente, tão incerto e certo. Aumenta a sensação de que te querer é algo inevitável. Quero te ver e te querer em diversos cenários, e testar outros sorrisos ao teu lado. E se minto para dizer que é meu caminho, não é incômodo algum mudar a rota - pelo menos vez ou outra - pra ter um abraço teu. Podemos ir até um Amsterdam - posso dizer que é caminho para uma reunião inadiável. Tomaríamos um café e eu fingiria não estar atrasada, mesmo que isso envolvesse um efeito dominó do cão pro resto do dia..

Hoje te gosto o suficiente para me satisfazer com um suco e uma companhia até o metrô. Esse nosso suco experimentado em diversas paisagens, acompanhado do canudo que nos entretém quando ficamos sem graça. Te gosto o suficiente para que tuas falas - rápidas histórias com algumas frases interessantes no meio - fiquem sendo revisitadas na memória, buscando sinais, explicações e até simples boas lembranças. Teu sorriso. Teu olhar... tua mão que tentou tocar na minha, ou esbarrou, já nem sei.

Teu bilhete único, pra onde leva? Cada dia parece que não é pra um lugar só, é para vários caminhos, basta escolhermos - e até onde essa escolha existe? Não sei, não sabemos. Coisas que se sabe vivendo.
Foi nítida a tua surpresa quando afirmei que não tinha medo de ti, e tua surpresa me deixou surpresa. Por que teria? Não te ter por perto talvez é o que assuste. - e isso sim é assustador.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Planos e Mapas

Existe um plano: viver um ao outro e outro ao um. Seríamos felizes em Itamaraju ou em qualquer lugar do mapa. Poderíamos brincar de esconde-esconde e pega-pega pelo Brasil e se o dinheiro não for pouco a gente pode até ir pra além das fronteiras tupiniquins - quem sabe um chimarrão em Posadas ou se for possível ousar, um piquenique nos parques de Odessa. Brincar de procurar os começos e fins de todas as estradas de todos os lugares. Fotografias não seriam permitidas - assim, teríamos que nos olhar o tempo inteiro para registrar um ao outro nos mais diferentes cenários.

A gente vai pra Urupema só para eu te dar um beijo no teu nariz gelado debaixo das cobertas escondidos do mundo e de tudo. Depois a gente vai pra Apodi pra tirar toda a roupa do corpo e mergulhar debaixo d´água pra passar o calor.  Comer uma paella em Valência e de sobremesa chocolates de fábrica, na Bruxelas - é caminho, diríamos. Brincar de criminosos se escondendo em uma gruta em Nova Esperança do Sul ou em em meio a uma manifestação com milhares de trabalhadores em Brasilia até que a história seja tão bonita que ninguém ligue que tenha passado por três ou quatro ou mil pecadinhos.

Em nossas mochilas, tudo que se precisa quando não se sabe para onde vai: casacos, guarda-chuva, camisinha, roupa de praia e canivete. Os celulares largaríamos no Rio Acaraú, condição final pra nossa liberdade. Mentiríamos nos hotéis, cada um uma história - éramos primos que fugiram para poderem viver o amor que sentem um pelo outro, ou duas pessoas que se conheceram no ônibus para Alagoas e resolveram viver juntos. Às vezes fingíamos que éramos irmãos e assustávamos o moço do hotel com os barulhos do quarto durante a noite.

Em cima de um mapa gigante aonde marcaríamos todas as nossas cidades já percorridas e traçaríamos nossos futuros planos, tua boca me engoliria  minhas pernas te prenderiam e nossos corpos se fundiriam.  Nossos olhos fechariam pra esse salto seguido de mergulho digno de olimpíadas em Londres. A fuga de dois tempos que se encontraram: meu passado curto e teu passo apressado que corre tentando escapar desse amor gostoso. Entre o teu passado e meu futuro, um presente cheio de carinho. Não adianta fugir, que nosso presente juntos já está agendado até a próxima promessa de fim do mundo. Nos perderíamos no tempo e no espaço dentro de um hotelzinho chinfrim de uma estrada qualquer pra qualquer lugar.

E se não for esse o plano, eu cato a minha mala conhecida popularmente como casco e sigo meu caminho, fazendo outra rota. Amasso o mapa e engulo os planos deixando entalados no peito pra sempre. Largo de vez essa comédia melo-dramática caliente e viro personagem de romance colorido de autor que gosta de histórias seguras que certamente renderão best-seller. Meu par será bonito e bacana, tendo até seus momentos de notável inteligência. Muito mais perfeitinho que tu, com jeito de bom moço e do tipo que apresenta pros pais. Fará citações em momentos interessantes e farão os olhinhos alheios brilharem - que lindo casal! - Se a grana der, faremos uma viagem pacote CVC no fim do ano, pra ter fotos bonitas de preencher paredes brancas. Ele fará muita coisa por mim, só não fará o coração ir pra boca e as pernas tremerem como tu faz.

domingo, 18 de novembro de 2012

Cinco anos.

Era mais uma tarde qualquer de um dia qualquer e eu estava fazendo algo qualquer e ela me chamou para fazer outra coisa qualquer e eu fui com aquela cara qualquer de tanto faz, como tanto fazia qualquer coisa naquela época. Era fim de semana e coisa alguma me aguardava porque eu não tinha muita paciência para as coisas que tinha.

Entrávamos no carro e ela perguntou:
- Por que você não tem amigas, heim?

Não soube responder. Eu fiquei triste. Não sabia porque não tinha amigas, ou amigos. Não sentia falta, na maior parte das vezes também. Ela fazia perguntas difíceis que eu não sabia responder. Também fazia afirmações que eu não concordava, embora tivesse que me esforçar para dizer o porquê. Eu nunca soube entender o que sentia por ela, talvez porque sequer tivesse a entendido. Uma mistura de reacionária com toques progressistas e um bucado de carinho com casca de pequenas agressividades no formato de palavras e expressões.

Anos depois se passaram e eu tive faculdade-casa-emprego-amigos-amigas-namorados-viagens-outra casa-outro emprego-outros amigos-algumas outras amigas-uns tantos outros namorados-músicas-sábados-lágrimas. Tanta coisa passou desde então e nesse tempo todo nunca houve intenção ou se quer desejo de a tornar santa. De um dia para o outro esgotar suas contradições que não era poucas. Não sei dizer se era legal, se era chata. Tenho dúvidas até se é possível dizer se gostava dela ou não. Acho que na síntese de tudo, sim. Tua autenticidade sempre foi digna de meu respeito. Não interessa se era engraçado, se era bobo, se era ruim, se provocaria caretas tortas ou sorrisos largos: o que tinha para falar ela falava. No duro. Com ela aprendi a apreciar a sinceridade, também sabendo a dor que isso às vezes causava - em si e nos outros.

Fato é que temos muitas coisas em comum, para além da insônia que tantas vezes compartilhamos, quando divulgávamos no almoço uma pra outra a quantidade de horas de sono dormidas na noite anterior. Isso não é fácil admitir quando por um tempo meu maior pavor foi me tornar quem era ela. Hoje parece algo tão distante: segui meu caminho, e por mais clichê que isso seja, talvez algo imensamente sem sentido de se dizer - sobretudo para uma materialista - mas sei que se de alguma forma soubesse como estou hoje, certamente reservaria muito orgulho do que me tornei.

Difícil foi vê-la indo embora, tão lentamente. A vida roubou aquilo que tinha de mais precioso, tua vitalidade. E quando foi, houve lágrimas mas houve muito alivio também. Vê-la sem vida no rosto, sem riso na boca, sem suas palavras duras e certeiras - às vezes equivocadas, mas jamais admitidas por ti ou por mim... vê-la indiferente à vida era algo insuportável! E que passe o tempo que for, a lembrança dela viva é presente em cada centímetro da minha vida.

E vez ou outra eu penso que se me visse agora, talvez não me reconhecesse. Ou talvez visse que tudo que eu precisava era ter um lugar e um momento para mostrar quem eu era, e que quem eu era era mais parecido com ela do que ela pensava - do que eu mesma pensava. Autêntica, viva e com insônia. Entre outras coisas. És aquela que eu tenho como referência de quem quero e quem não quero ser. E que deixa bater uma saudade danada, sobretudo no mês de novembro, que vem forte a lembrança da dura despedida e o último carinho na tua mão gelada. A cena que todo ano retorna a memória, onde ainda é presente a dor sentida com a constatação de um pulso que não pulsava mais.

sábado, 17 de novembro de 2012

Amor Grand Hotel.


O dia a tarde e a noite intensa, trabalho trabalho e trabalho. Cansaço bate forte no corpo que dói todo, os olhos pesam para as costas que berram pras pernas que reclamam pro pé que diz chega.

É uma exaustão que domina todos os sentidos até que, no meio de tudo você aparece e tira o desassossego para botar outro. Com todo aquele sono que toma conta, ainda há tempo para, ao fim dos dias, os olhos notarem o hotel – nosso hotel – ao passar. O grande mar azul ficou sem graça perto daquela lembrança que é possível ter ao olhar pro lado do que até então era mais um prédio grande cinza que tampa a vista, e de repente, de um dia para o outro virou o hotel – nosso hotel. Uma das poucas coisas que se pode dizer que é nossa. Que o futuro não permita que haja nós, que essa lembrança seja permitida ser nossa. Os olhos notam e o sorriso abre como um gesto involuntário.

Foi tanta correria esses dias que nem me dei conta que já fazia alguns dias que não pensava em você. Daí a lembrança veio sem bater na porta e pedir licença e desmoronou os muros, entrou sem pudor algum. Assaltou sorrisos. Volto mais feliz pra casa. É hora de dormir. Momento em que te encontrar é permitido (nos sonhos) ainda que indesejável. Fazer loucuras do tipo prometer o sol se hoje o sol sair e chuva se a chuva cair - bem no estilo Geraldo Azevedo mesmo. Porque é sonho e nesses sonhos tem carinho e coisas doces e cantigas de "se você vier pro que der e vier comigo...". 

Ainda que sem querer, eu sonho. E acordo sorrindo, até começar...
...O dia a tarde e a noite intensa, trabalho trabalho e trabalho. Cansaço bate forte no corpo que dói todo, os olhos pesam para as costas que berram pras pernas que reclamam pro pé que diz chega.

É outro dia.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

De que geração nós vamos ser?


"Adelante corazón, sin miedo a la derrota,
durar, no es estar vivo corazón, vivir es otra cosa."
Mercedes Sosa


Um ano depois que eu nasci, declararam o "fim da história". Eu não sabia disso quando comecei a ver que algo havia de errado no mundo. Não passou nem dez anos e fizeram a novela "Fim do Mundo". Eu acho que naquela época já via que tinha um ou duas, talvez várias, coisas fora do lugar. Foi só na Universidade que tentaram me explicar sobre o tal "fim da história". Esquisito. Tentaram fazer o mesmo com a "classe trabalhadora", com "esquerda e direita" e tantas outras coisas.

Eu sou dessa geração que teve só com sorte a oportunidade de ver um grupo de mil pessoas reunidas por um motivo comum que não envolvesse algo de religioso, futebolístico, uma atração cultural ou algo sendo distribuído de graça - ou seja: pouquíssimas ou nulas experiências em grandes manifestações, assembleias, greves, coisa do tipo. Sou daquela geração que, dos poucos que viram mil ou mais reunidos por um motivo comum, alguns dias depois - e às vezes no mesmo dia - aquele grupo já havia se tornado mil e dois.

Eu sou dessa geração que aquilo que sabe dos movimentos de massa é a partir das falas e de livros e documentos e filmes produzidos por outra geração. Eles - da outra geração - dizem que essa coisa, de movimentos de massa, de classe trabalhadora organizada, existe e eu acredito (acreditar não é a palavra correta, pensando bem. não é pela crença, não é pelo credo, pela fé. eu fui convencida de que é isso, ou não será, a possibilidade de acertar as tais coisas fora do lugar, que com o tempo fui entendendo melhor do que se tratava, e essa coisa de gostar de fim do mundo nunca foi lá meu tipo).

Dessa outra geração, uma boa parte hoje foi para outro lado - da parte daqueles que dizem "isso não dá em nada, menina!". Uns esconderam dinheiro do povo na cueca. Uns viraram reitores e foram até pra Disney, com dinheiro do povo. Teve aqueles que só se renderam a burocracia, e vivem num conforto sentindo que "na medida do possível estão fazendo a sua parte". Parte ainda conta entusiasmada, um tanto saudosista, dos bons tempos, como se isso só fosse coisa do passado. Essa gente gosta de dizer que a minha geração tá perdida. Mas tem uma parte, essa que me interessa muito, dessas outras gerações, que continua firme e forte, lutando ombro a ombro conosco, e com uma paciência revolucionária para transmitir todo o acúmulo que tem para essa geração - a minha - que viu a classe mais se dividindo que unida, aos milhares.

Da infância, eu sou dessa geração que pegou a transição: dos brinquedos de madeira aos eletrônicos. Da rua para o apartamento. Do atari para o playstation. Dos botões - aqueles de jogar futebol - aos botões - aqueles da máquina digital e tantos outros aparelhos. E desde ontem, o tal 14N (primeira greve geral do século XXI ocorrido em quatro países da Europa, e mobilização em cerca de 23 países), passei a ter mais confiança que posso ser da geração que pegou a transição de um período sombrio para um possível ressurgimento de grandes lutas das massas.

E quem sabe, daqui a uns anos, eu poderei dizer que eu fui da geração que definitivamente calou Fukuyama e tantos outros sociólogos, psicólogos, antropólogos e sei lá o que mais, que se apressaram em enterrar aquilo que jamais morrerá - a história. Que quiseram calar aquilo que é impossível de ser calado. Porque faz umas boas centenas de anos que tem um espectro que ronda a Europa - e todo o mundo - e este não sossegará, passe por quantas gerações tiver que passar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

cum panis.

aquele pra ligar de madrugada mesmo que não vá dizer nada de útil. pra conversar. e ele agir como se não houvesse nada de estranho.
...
- e aí, tudo bem?
- sei lá. tive um pesadelo.
- hmm...
- e você?
- eu estou bem. que foi seu pesadelo?
...

aquele que sobreviveu aos tornados. nós sobrevivemos. apesar de tanto grito, tanta lágrima, tantos dias que pareciam que de nós só restariam ruínas, eis que demos um golpe da história e aqui está: hoje existe um "nós". amorfo, inexplicável em alguns momentos, com algumas cicatrizes delicadas de serem cutucadas, mas existe. não poderia ser diferente.

há uns bons anos atrás, nos perguntávamos porquê lutamos, enquanto andávamos pela rua a caminho de algum lugar. foi você foi quem me tirou da resposta automática "socialismo" ou "fim do capitalismo" e me fez pensar pelo que de fato lutamos: um mundo em que as pessoas possam ser sinceras. tempo de amar. tempo de viver. um mundo que tenha outro tempo. por mais bobo que isso seja  - e você me ensinou a me permitir ser boba, vez ou outra - você me ensinou a sonhar. ou: foi contigo que vi que sonhar é permitido, e mais que isso, é necessário. bem como é nosso dever batalhar por eles.

e nesse sentido de lutar e sonhar, há tempos atrás aprendemos a como construir isso juntos, e fizemos a doce escolha de sermos companheiros. companheiro. do latim cum panis. aquele com quem dividimos o pão e confiamos o suficiente para sentar conosco na mesa e dividir nossas ideias, vitórias, derrotas. é uma das palavras mais lindas que conheço e gosto de te chamar assim.

pois contigo divido o pão, as incertezas, e as poucas certezas também. você é aquele que sei-que-sempre-posso-contar. que me tira de apuros - e vez ou outra me bota em alguns também.

do tipo que me inspira, quando tudo parece sombrio e entediante, a seguir firme.
nem que às vezes precise de um empurrãozinho.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Do ato de tirar e botar os pés no chão.

"Me abraça, me aperta, me prende em tuas pernas
Me prende, me força, me roda, me encanta

Me enfeita num beijo"

Todo fim é um novo começo. Assim aprendera a olhar a vida. Daí partia do contexto optar pela perspectiva que melhor coubesse. Mas e quando aquele fim parece não ter sido fim? O ponto final que olhamos de perto e percebemos, então, que era uma vírgula. Pausa para o texto que segue, na mesma frase, sem sequer um parágrafo indicando que o tom mudou. Pra começar, como chamar de final a interrupção de algo que não aconteceu? E se aquele começo sequer ter sido  o começo? Talvez um prefácio de uma boa história - e caberia a nós definir se seria romance, ficção científica, diversos contos fragmentados... ou apenas mais um prefácio pós-moderno nietzscheano (que escreveu cinco prefácios para cinco livros não escritos).

Independente disso tudo, havia uma decisão: deixar-pra-lá. E qual foi a surpresa quando você assalta o pensamento por quase todo o fim de semana - no quarto, na casa, no filme, na praia, no banho, no carro, na música, no sonho -, como uma pessoa de regime que assalta a geladeira de madrugada, com a ideia de que "se ninguém vê não é crime".

Cogitei de fato ser uma loucura minha, insistir nisso que a cada dia parece virar fantasia. Calculei o ciclo menstrual para saber a influência dos hormônios naquela insistência. Considerei talvez estar gostando do gostar de você, de na verdade ter me apaixonado por uma história, e não por uma pessoa.

Pode ser a loucura. Pode ser os hormônios. Pode ser até a paixão pela história e pelo gostar. Mas é real, e de tão frequente passou a não ser tão absurdo. Ao passo que de ser tão imaterial, dia após dia começa a virar fantasia. Pouco a pouco fui me acostumando com teus assaltos, com a gostosa assombração que você se tornou. E assim, não soou tanta loucura aparecer na tua frente sem compromisso e ensaiar um outro começo, para saber se a história ainda assim seria apaixonante, se o gostar ainda assim seria gostoso, e se você ainda assim me assaltaria o pensamento. Temo achar que sim.

E sabe, por mais que eu saiba que não é a primeira vez que acontece, sei também que não é algo do tipo que acontece todo dia. E se existem sentimentos e falas e cenas que lembram sentimentos e falas e cenas de outrora, não torna menos importante esse momento e essa história. Principalmente quando, ao lembrar de que momentos esses sentimentos, falas e cenas foram parecidos com os que existem hoje, foram de fato bons momentos de vidas-em-relação vividas de forma intensa, e que foram muito bacanas e não significaram derrotas pelo fato de terem acabado. Tiveram o tempo que tiveram.

Mas voltando da fantasia e botando os pés no chão, é certo que essa carta jamais será enviada ou esses pensamentos jamais serão confessados.  Não por covardia. Não tenho medo de parecer boba e até de parecer louca, pois se viver de forma intensa e ser sincera com os sentimentos que vem, prefiro ser vista como boba ou como louca, até encontrar alguém que não veja as coisas dessa forma, e que assuma que paixão não vem comedida e então não tem porque existir cordialidades e disfarçar a urgência que é querer estar perto de quem se quer estar perto. Mas não é disso que se trata essa história. Coragem para dizer, existe. Creio até que, de certa forma, em linhas e entrelinhas já foram ditas, em momentos em que foi incontrolável não-dizer. Mas não serão repetidos, e não por covardia. São fatores pra-além-de, que esses sim são novidades e que serão fatores acatados, de forma tal que a possibilidade de dar o salto e ver-onde-isso-pode-dar será interditado e invadido por um silêncio de palavras-que-jamais-serão-ditas-pela-minha-boca e olhares-que-nunca-mais-confessarão-promessas.

E isso não tornará essa história mais bonita - pois contos-de-fada ou romances dramáticos e platônicos nunca foram mesmo meu tipo. Sequer menos bonita - pois para mim vidas-em-relação não são medidas por finais felizes, mas sim pela forma sincera e significativa que foi possível fazer seu caminho. Isso só torna essa história uma nova história, que apesar de lembrar sentimentos e falas e cenas de outrora, é uma outra bela história, com suas nuances e atrações características.


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

E aí, quer dizer que está feliz em Natal?

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem."
Guimarães Rosa

Da experiência de vir para o Nordeste, tenho ouvido muito as pessoas falarem de como é incrível "abdicar de toda sua vida para ir para outro Estado, assumir uma tarefa como essa". Alguns dizem "não conseguiria fazer isso". Acontece que eu não deixei "a vida" para trás. A minha vida veio comigo e a minha mala, para essa nova terra pra chamar de minha. 

As coisas vão acontecendo e nem sempre se trata de fugir de algo ou de buscar algo específico, mas afirmar  os caminhos que se trilham. Isso não significa que seja algo "passivo", que algo do além nos oferece coisas e vamos dizendo "sim". Pelo contrário: somos ativos nesse percurso e a afirmação é algo que nos demanda refletir e afirmar. Mas é algo para-além-do-eu - minha vida, minha carreira, meu romance, minha família. 

E existe a saudade - e como ela existe. Viajar e ficar longe daquilo que entendia-se como nosso "habitat", é também re-conhecer: a antiga casa, a cidade, amigas e amigos, família. Descubro a cada dia uma saudade nova, de coisas que sequer imaginava que sentiria falta. Entendo melhor como fui me tornando o que sou quando percebo que determinada forma de agir era porque estava naquele lugar, com aquelas pessoas. Ficar esse tempo longe me fez revisitar a minha infância, perceber momentos determinantes que me trouxeram para onde estou hoje. Também me vejo lembrando de pessoas que estavam no dia a dia e que só agora longe penso como eram - são - importantes. E claro, penso nas pessoas que gosto muito e o carinho só aumenta. Confesso que muitas vezes a saudade não é constante. A saudade vem em ondas, em momentos de maré alta e maré baixa. E vez ou outra vem uma onda forte de um sentimento forte e honesto, ao olhar uma foto ou um video, que lava os olhos de lágrimas, de forma involuntária. 

Sair do lugar-comum é também se confrontar com coisas novas, que te empurram para novas respostas e novas perguntas também. Conhecer novos cheiros, sabores, paisagens. Encontrar pessoas novas e estabelecer novos vínculos de confiança. Novamente me pego procurando quem seria aquela pessoa que sentiria a minha falta caso algo acontecesse comigo. Ou: quem procurar quando a saudade bate e ficar sozinha em casa torna-se insuportável? Aprender novos mapas, e de repente se ver andando confiante por um caminho que há pouco tempo atrás era estranho.

Além disso, é notável como esse sentimento de "estrangeira", retomado constantemente principalmente no confronto de sotaques e gírias típicas, vem também com uma relativa rápida adaptação, que em pouco tempo me levou a me ver também como natalense-potiguar. Talvez seja coisa da construção do socialismo: somos paulistas, cariocas, santistas, europeus, africanos, guarani-kaiowás. Somos internacionalistas, quando o mundo nos chama - e ele chama, e nós vamos. Talvez por isso seja tão difícil falar em "voltar", como se existisse um lar-pra-chamar-de-meu. De repente, somos tomados por essa sensação de sermos do mundo. 

Estou aqui, e é isso, por enquanto. Constantemente, os amigos e amigas queridos me perguntam:
"Você está feliz em Natal, né?" - alguns afirmam, constatando; outros de fato questionam, preocupados. É pergunta difícil de responder. Nunca soube afirmar com segurança de que sou feliz - e isso não significa que não seja, mas porque acho que isso é uma pergunta-sem-saída mesmo. Talvez porque afirmar "sim, estou feliz", dá um ar de "final". Sinto que as pessoas vêem a felicidade como um estado estático. Pra mim, felicidade é caminho vivo. É quando estamos fazendo as coisas, e encarando os desafios. Felicidade é quando existe movimento. Isso não significa que as coisas estejam fáceis, ou simples, e que não envolva momentos duros, que nos provoquem angústia danada. Mas é quando, mesmo na euforia, olhando pelo vidro da janela do ônibus ouvindo uma música que gosta enquanto corremos para algum lugar que possivelmente estamos atrasados, respiramos e pensamos: estou bem. E um sorriso nos assalta no rosto. 

Pois, feito as considerações, afirmo: sim, estou bem, estou feliz. 

domingo, 11 de novembro de 2012

Uma carta de amor

Sabe que escrever para você é difícil porque os pensamentos sobre você vem em bandos e alguns até vem num nó difícil de desatar e em códigos talvez difíceis de decifrar e é difícil conseguir capturar de forma organizada. Creio que alguns vem até com aquelas letras de médico, ilegíveis. Você traz um excesso de informação e eu queria muito te falar tanta coisa mas eu não sei fazer isso.

Sabe que há um tempo eu reparei que quanto mais acelerada eu tô pra dentro, mais lenta eu me apresento pra fora. E as pessoas frequentemente vem dizer que eu passo um olhar de calma, e eu fico pensando se um dia elas conseguiriam ver o caos que é dentro de mim e quanta bagunça tem aqui dentro e o turbilhão de coisas que vem por segundo. E você fala para mim umas coisas que me trazem tantas coisas que eu penso que um dia vou conseguir escrever ou dizer. Na minha cabeça acontece como naquelas cenas de filme em que tem uma cena parada e de repente acontece alguma coisa, às vezes absurda, e depois retoma a cena parada e então você percebe que a personagem estava apenas imaginando. Na minha cabeça quando você tá falando comigo eu imagino eu interrompendo e botando a mão no teu ombro e dizendo “Você quer saber mesmo o que se passa?” e então eu inicio uma fala de 40 a 50 minutos soltando tudo que se passa na minha cabeça. Mas fica só na cabeça porque na realidade sou eu olhando pra um ponto que não é seus olhos, ou mexendo num canudo ou num guardanapo ou qualquer atividade banal que parece ser levada com tamanha seriedade – qualquer desculpa para não botar a mão no teu ombro e falar por 40 a 50 minutos.

Sabe que eu penso muito tentando entender as coisas e às vezes acho que é esse meu problema. Às vezes eu quero falar das coisas que penso mas penso também que falar das coisas que penso é o que estragou tantas relações. Eu queria que você entendesse que às vezes eu me sinto como aquele “encarregado” que fica numa situação chata entre os trabalhadores por ter que passar as más notícias do patrão. Eu queria que as coisas fossem de outro jeito, mas eu apenas te repasso coisas que sinto que não tenho muito controle, e que simplesmente é como estou me sentindo. E nesses contextos de tamanha fragilidade eu tenho andado num imobilismo absurdo que tem me incomodado demais. Eu queria tentar te explicar e talvez explicar até pra mim mesma o que se passa mas tem horas que eu acho desnecessário e tem horas que eu acho que nem eu mesma sei do que se trata mesmo a explicação que eu queria dar. 

Sabe que eu me pego várias vezes fazendo planos. Eu tenho apostado cada vez mais que talvez o caminho seja abrir mão desse monte de coisa e tentar simplesmente viver e “ser” com você. Pelo menos tentar. Apostar. Só que como já te disse, até minhas apostas e impulsos são planejados então talvez esse encaminhamento leve um tempo – e eu não te peço pra esperar, não é disso que se trata tudo isso. Mas eu queria que você entendesse que é muita coisa que se passa e de fato tem coisa que tem a ver comigo e minha enrolação pra tudo e as bagunças mas tem coisa que é essa vida doida que nos chama e nos tira a possibilidade de pensar, viver, respirar o amor.

Sabe que eu sei que você tem prazo de validade e qualquer hora você vai encher das minhas complicações e confusões e bagunças. Creio que hoje, apesar dos momentos que fica bravo, ainda consegue ver certo charme mas sei que se eu não mudar logo você logo se cansa e aí já era. E isso me apavora um pouco. Eu espero ajustar as coisas antes de você cansar, mas sabe que tem coisa que eu acho que é meio fora do meu controle. Hoje eu ouvi a Adriana Calcanhoto e ela cantava “eu não moro mais em mim”. Eu sinto que eu tô meio de aluguel nesse meu corpo e que não tenho tido muita autonomia pra decidir certas coisas. É um momento bem atípico da minha vida que eu espero que passe logo. E que quando passar, que você permaneça.

sábado, 10 de novembro de 2012

Do início do fim.

- Me diz! Vai, me diz!


(silêncio)


- Eu não sei.

(silêncio)

- Porra! Diz, diz pra mim!
- Eu... eu não sei, porra! Não sei!
- Porra! Você de novo dizendo isso! Não é possível que você não saiba.
- Se eu soubesse te diria, mas não sei!


(silêncio)


- Não é possível. Me responde! Diz, diz o que você quer?
.
.
(silêncio)
.
.
...O que você quer de mim?

(...)

Era sempre a mesma pergunta. Busted. Sempre colocada contra a parede com a boa e velha pergunta: o que ela quer, afinal? Não sabe, responde. E de fato, não sabia.

E sabia que seu não saber não se resolveria lendo três ou quatro bons livros, como se isso bastasse para entender e ter respostas.

Sabia que o que importava não estava na pergunta “o que quer?”, ou na sua resposta "não sei". Era algo de seu comportamento, suas ações, suas escolhas nas diferentes vidas-em-relação que levavam a repetição da maldita cena com a mesma pergunta: o que você quer? 


Então era mais um fim que começava de novo. Mais um adeus sem saber porquê, e era justamente porque não sabia que o adeus vinha sem saber porquê. 

Mais um dia que anteciparia longos dias...




sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nossa voz não será estuprada.

Duas notícias me tomaram o dia, e que muito dialogam entre si. Por um lado, o Estatuto do Nascituro, projeto de lei que tramita atualmente na Câmara dos Deputados (para conhecer o projeto clique aqui, e para ver um pouco do porquê é tão grotesco, veja uma boa leitura clicando aqui). Por outro lado, (mais) um caso noticiado de estupro seguido de assassinato de uma mulher (para ver, clique aqui). Ela, Josy Ramos, era professora Universitária, e voltava para sua casa quando foi estuprada e, em seguida, estrangulada.

Um caso horrível, não? O senso comum pedirá para a justiça procurar e punir o monstro que fez isso. Outros, mais reacionários explícitos, irão dizer: "vai saber com quem ela estava andando..." ou "ela devia estar metida com algum safado, ninguém é violentada assim gratuitamente". Deixemos de lado os reacionários, que esses não merecem sequer um comentário. São casos perdidos. Do senso comum, que procura avidamente por um culpado - ou, responsável - eu digo: o Estado. A mídia. A Igreja. E em certa medida, nós, se nos mantermos calados perante tudo isso. Claro, todos em suas devidas proporções.

Casos como o de Josy Ramos acontecem todos os dias. Muitos casos não são noticiados na mídia, não são discutidos sequer entre a família e os amigos da vítima - inclusive e talvez principalmente em casos que o estuprador é parte da família ou dos "amigos". São casos silenciados e abafados. Tentam não falar, pois é constrangedor. É difícil. E nós achamos difícil mesmo, mas é justamente por isso que nós tentamos fazer o oposto: falar sobre.

Todas nós somos, em diferentes medidas, Josy Ramos. Somos violentadas cotidianamente pela mídia que nos trata como objeto; pela Igreja que nos orienta a ser boa mãe e boa mulher; pelo Estado que não nos garante nossos direitos e segurança (e ainda nos criminaliza quando agimos com autonomia perante nossos corpos e vidas); pelos homens que, direta ou indiretamente, tentam nos ordenar: fiquem em casa, andem sempre com alguém, veja como se veste... ou te estupro, estrangulo, te mato. E nós, em certa proporção, somos responsáveis quando reproduzimos o silêncio e deixamos que matem mais e mais nossas companheiras.

Nos acostumamos a não nos revoltar ou sequer se indignar pelo fato de viver em uma sociedade que nos impõe ser mãe sem nos dar o mínimo de assistência para tal. De ser uma boa esposa, mesmo quando nosso marido nos agride - algo fizemos de errado, para isso, não?. Nos habituamos a uma mídia que nos diz como devemos nos vestir, nos comportar, quanto devemos pesar, como devemos ser caso desejemos ser "bem comidas". Devemos organizar as nossas vidas para sermos "bem comida". E a sociedade, com todo o apoio da mídia, nos impõe ser "bem comidas", pois caso contrário somos ressentidas e não sabemos viver - aliás, as feias que agradeçam aos estupradores, já dizia o infeliz Rafinha Bastos. Nos habituamos ao "toque de recolher" que para nós, mulheres, é cotidiano, caso não queiramos "dar motivo" para sermos estupradas e estranguladas. E se somos obrigadas a ultrapassar esse horário, porque trabalhamos ou estudamos ou simplesmente queremos nos divertir, temos que nos habituar a andar com medo por ruas escuras e abandonadas, pois o Estado não é capaz de (não quer!!!!) nos prover segurança.




Tentam estrangular nossas vidas de várias formas, todos os dias, ao nos reduzir a meras reprodutoras ou meras "boas esposas". E o Estatuto do Nascituro é mais um exemplo disso. E eu não vou nem entrar aqui em questão se as células embrionárias são uma vida ou não. Acho que vale as pessoas procurarem artigos de companheiras que destacaram muito bem as consequências desse projeto. Aqui, destaco alguns absurdos apenas: o fato de que não será mais permitido a realização de aborto quando em casos de risco na gravidez ou em casos de estupro. Assim, se uma mulher corre risco de vida, ainda assim buscará salvar o feto. E, em caso de estupro, a mulher deve permanecer com o filho - isso levando em consideração que muitos estupros envolvem casos de pedofilia, de jovens mulheres que são assediadas por familiares e vizinhos e serão crianças obrigadas a gerar criança. E mais, o aborto espontâneo (cuja probabilidade é de 25% das gestantes no início da gravidez) será investigado como caso de polícia.

Absurdos à parte, o que ressalto aqui é: esse mundo, não é pra nós, mulheres. Esse mundo não é para nós e para nossos companheiros, tampouco. Somos nós que fazemos esse mundo, e então seus atuais donos nos retornam com migalhas de tudo aquilo que nós fizemos, nos viram as costas, nos fecham as portas, e ainda nos dizem: calem-se. E isso não significa que nós nos nos calamos, ou sequer calaremos.

O que eles não sabem, os tais "defensores da vida" - também conhecidos como defensores da moral e do bom costume - , é que nossas vidas não são estranguláveis. Quando alguma Josy Ramos é estuprada, ou assassinada, ninguém verá esses "defensores da vida" que defendem o Estatuto do Nascituro em defesa de sua vida, encerrada de forma tão violenta pelo machismo que mata todos os dias. Podem ter certeza que vocês não verão. Mas, quando alguma Josy Ramos é estuprada, ou assassinada, podem ter certeza que são mais duas ou três, ao menos, "Josy Ramos", que passam a se indignar. As indignações existem - eu sei que existem - mas precisam ser transformadas em voz e ação. Urgente.

O nosso feminismo vem da luta pela emancipação humana, é a luta pelo fim de toda e qualquer forma de opressão. E quando formos milhares, ombro a ombro, lado a lado, homens e mulheres na luta pela liberdade, teremos força para tomar esse mundo que é nosso, esse mundo que nós fazemos com nossas mãos e assim, nossas vidas serão livres. Essa é a nossa luta: minha e tua que lê agora, e que por isso solicito e convoco para não que não permita que matem mais uma companheira nossa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

muito amor, pouco humor.


mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
maiakovski


o que temos de mais interessante da nossa história é o que a torna, também, a coisa mais dolorosa: deixamos o sentimento entrar. e, assim, qualquer coisa que eu te escrevo vira uma declaração, semi-involuntária. isso porque preciso te confessar ainda quatro ou cinco frases - e pode ser que surjam mais porque sempre existe algo mais a se confessar quando a gente está gostando de alguém, e pensa na pessoa o tempo suficiente para formular quatro ou cinco confissões: tem sempre algo que sobra para se dizer ou um gesto calculado. constantemente torna-se urgente te dizer, e eu quero ligar mas não dá e eu quero escrever mas não pode e eu quero gritar mas praquê? você está longe, oras. sei que é urgente, porque se eu não fizer... se eu não fizer...

e colocar nesses termos "se eu não fizer..." me leva a triste constatação de que se eu não fizer, em um sentido pragmático nada de terrível acontecerá. o que acontece não declarar? o que acontece deixar pra lá? provavelmente - creio que muito provável - em algumas semanas tu já não estará todos os dias no meu pensamento. a vida segue e haverá de ter pessoas e boas histórias e bons começos e fins nem tão bons mas que fazem parte, fazeroquê. poderá não existir uma lágrima sequer derramada.

por que então, é tão difícil, deixar pra lá? deixar qualquer coisa pra lá é como fazer algo que os cristãos entendem por pecado. ignorar aquele "e se" que insiste em nos visitar nos momentos mais inoportunos, enquanto se houve uma música bonita ou quando se está concentrada em algo e aquela pessoa reaparece, sem pedir licença, com cenas de chão-parede-cama-sofá e outras tantas boas lembranças. é difícil abrir mão de algo que virou promessa (aposta?) de felicidade - ainda que passageira. aquela possibilidade interditada, aquela vontade de viver algo e que foi inviabilizado.

isso dói, e mata a gente aos pouquinhos. vidas-em-relação, afinal, também envolvem pequenas e grandes mortes que vamos acumulando e carregando nos ombros? paro e penso: isso está errado. muito sombrio. romances do tipo camilo castelo branco são um tanto bonitos, mas logo nos causam náusea, e essa ideia de morrer por alguém não leva a lugar algum.

a tristeza hoje faz ver as coisas desse jeito: mortes acumuladas. a forma de viver o amor também depende de nosso humor. amanhã, ou daqui a alguns dias ou umas semanas, quando esse tom sombrio que me persegue agora passar, serão feitas releituras, outros significados e daquilo que se entendia por morte se entenderá então como eterna promessa de felicidade ou qualquer coisa bonita que não pensei agora (afinal, não é nada ruim que tenhamos sempre aquele "e se" para nos visitar quando estamos entediados ou precisando de um rosto pra ocupar a memória enquanto se houve uma bela canção). 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Daquele que volta, e volta, e volta.

- e aí, como você tá? está triste?
- um pouco decepcionado.
- hum.
- é.

quatro anos de vidas-em-relação e ela não sabia ainda identificar os sentimentos dele. o tom de voz e as expressões do rosto beiravam uma neutralidade. questionou outrora - repetidas vezes, na verdade - se ele seria uma especie de robô. não era. agora, sentados naquele banco, olhando para o mesmo horizonte - um muro qualquer - quatro anos depois de se conhecerem, pela primeira vez ele confessou um sentimento a ela: decepcionado. o que ela poderia fazer com aquilo? não sabia.

viver com ele era aprender a viver sempre com um abismo de distância, em que nesse abismo abrigava as maiores possibilidades já idealizadas - por ela. tinha dúvidas se ele os sentimentos que ele tinha coubessem no abismo ou num buraquinho de golf.

queria poder dizer que o beijo entre eles foi gostoso, mas não foi. experimentara pela primeira vez um beijo com desejo, sem o mínimo de expressividade. sabia que o desejo estava lá, não sabe como mas sabia, mas não havia mãos pressionando o corpo, ou palavras no ouvido ou olhares que confessavam. era um beijo bom, mas havia algo de estranho. esperara três anos por aquele beijo e quando ele aconteceu, sentiu triste por ter matado a expectativa do beijo, que vinha carregada de muito mais vida que o beijo-em-si.

tentaram ir além. entraram em um banheiro desativado e aquilo pareceu ser um começo de algo, enfim. prosseguiu esperando um coração batendo mais forte, algum sinal de que aquilo estava sendo sentido, mesmo que temporariamente. nenhum sinal veio. não deu, não suportou tamanha frieza e sobriedade ao experienciar algo que há tanto tempo esperava. sentiu falta das respirações ofegantes, dos sorrisos criminosos e olhares entre os cúmplices do crime.

passado um ano, permaneceu a amizade. nunca comentaram do ocorrido. poderiam ter parado de se falar, ou de se importar um com o outro. mas ela sabia que da parte dele havia algo, um reconhecimento de amizade que fosse, ainda que sentisse necessidade de perguntar para ele o que ele entendia por amizade, ou por reconhecimento, ou por sentimento qualquer. sabia que se ele fosse capaz de sentir algo - e constantemente duvidava disso - , seria afeto. e que se fosse capaz de fazer carinho, faria. de fato, o fazia, considerando que sempre que se reencontravam havia um abraço - que ela via ser um abraço diferente do que o jeito que ele abraçava os demais.

quatro anos de amizade e agora dividindo uma cama - para dormir. aquele momento que tanto esperou em outros tempos agora era parte da realidade vivida, era coisa cotidiana. há quatro anos atrás, diagnosticara: estamos em Estados diferentes. estamos em estados diferentes. e então pensa: hoje estamos no mesmo Estado, enfim, e quem sabe, no mesmo estado também - não há sequer desejo para isso. nossa vida-em-relação, é afinal, um aglomerado de fragmentos que tentam se configurar enquanto história, enquanto uma relação que nasce não sei de onde e vai não sei pra onde, mas que existe, existe.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Vidas-em-Relação; Do que se trata

Vidas-em-Relação. Termo formulado às pressas na madrugada para tentar significar aquilo que existe entre as pessoas. Sempre soou insuportável quando diz: "seremos então amigos?". Aquele "" suscitava um turbilhão de coisas: "seria amizade um prêmio de consolação, que se retira na fila dos pés na bunda? era assim que trataríamos a amizade?".

Nos acostumamos a atribuir valores o tempo todo, mesmo naquilo que não diga respeito a um valor de escala ou mensuração econômica, não sendo assim possível necessariamente estabelecer um "ranking" das melhores formas de relação. Nos habituamos a dizer: não estamos "sério", nos conhecemos agora. 
É o período do "vale-tudo". Existe um consenso, uma permissão da moral e dos bons costumes em que, nas primeiras vezes em que se estabelece um contato com alguém, tudo bem ela ser coisificada. Da mesma forma quando questionamos, se apostar em tal relação compensa.

Fato é que é possível ter relações que não se desenrolam, de caráter casual, que desde a intenção já se sabe ou só se descobre depois, que é algo de um noite só. Também é possível não saber, e bonitas histórias de longa data e grande amor começarem, assim, de algo de uma noite só. E o caráter de uma noite ou de uma vida não é justificativa para a pessoa com quem nos envolvemos seja mais ou menos como objeto.

Vida-em-Relação. Independente do tempo e dos planos que se tem, toda e qualquer relação, de toda e qualquer tipo, inclusive - talvez, sobretudo - as que dizem respeito a um envolvimento sexual-amoroso ou coisa do tipo, são vidas que se relacionam. Dois sujeitos, duas vidas - ou mais, quem sabe. Todas devendo ser tratadas como tais. Relações sinceras construídas a partir da possibilidade de cada uma das partes envolvidas sentirem-se a vontade de sentir e falar o que consideram relevante sentir e falar. E que haja um mútuo consentimento de ambas as partes do que aquilo se trata. Que isso seja feito buscando sempre superar as opressões e reprodução das opressões de forma explícitas e implícitas, consequências do mundo capitalista que vivemos.

Que as relações sejam sempre construídas de forma viva e humana, e não coisificada, mesmo as mais casuais. Que estas sejam tratadas como castelos de areia: que nos envolvam por um curto período, nos faça sentir realizado por ter construído algo tão belo, ainda que tão frágil, passível de ser levado a qualquer momento pelo vento, pelo mar, ou por qualquer pessoa, mesmo por nós, que eventualmente derrubamos o castelo declarando "fim da brincadeira". Às vezes ficamos com uma foto, às vezes a memória é só nossa, que numa tarde de sol nos rouba um sorriso ao lembrar daquele tempobom.

E das relações que não podem ser definidas (coisa frequente ultimamente) que tem elementos de amizade, de sexo ou desejo na sua forma mais bruta, de amor ou possível-amor, de carinho ou coisaqueovalha, receberá agora esse nome: vidas-em-relação. Porque é disso que se trata, o tempo todo, quando se fala das mais diversas formas e expressões das relações humanas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

por um afago

eu só queria saber, assim... quão loucura é querer viajar, assim, quase três mil quilômetros pra ter, assim, um afago teu? um carinho, assim, sem compromisso, tomando um suco ou um café, assim? ouvir da tua boca:
- vai ficar tudo bem.

mesmo que seja um consolo como esse, tolo, que a gente diz pra acalmar a pessoa e a si mesmo, que quando diz, a gente ao mesmo tempo se dissolve em pedacinhos dentro da gente, tamanha a angústia de ver aquela pessoa que a gente tanto gosta sofrendo tanto. aquele "vai ficar tudo bem" que não é automático, como quem não se importa, mas é por ser a única coisa que se pode dizer e então diz, mas o que diz é o que menos importa. poderia dizer "bolachas" ou "marte" ou qualquer coisa. mas tem algo no tom de voz quando diz, e na mão no rosto quando diz, e no beijo na testa quando diz e em outras coisas que acompanham o "vai ficar tudo bem" que faz a gente, tolinho, acreditar e, tolinho também, se sentir bem. e assim parece, enfim, que de fato vai ficar tudo bem.

tudo bem não ficou, as coisas continuam aí, o que está empacado está empacado, o que está pendente permanece pendente e o que nos dá tristeza e frustração continuam aí também. mas de repente tem uma força que vem do tom de voz, da mão no rosto, do beijo na testa e das outras coisas que acompanham que nos permitem erguer a cabeça e continuar.

passado o afago, eu viajaria os três mil quilômetros de volta, aliviada. e viveria alguns belos dias com até momentos de alegria e tranquilidade. os problemas continuam, as pendências, tristezas e frustrações... mas tem algo no quentinho da tua mão que permaneceria no meu rosto que me daria forças para enfrentar tudo. até mesmo a falta de você.

domingo, 4 de novembro de 2012

hoje sou gota

eu poderia me animar com a música ou com o filme ou com os estudos - há tempos abandonados e agora retomando com tanta força. eu poderia me animar que existe vento, apesar de ser artificial, vindo de um ventilador - cuja marca é "alivio" e eu achei isso extremamente poético - mas pensar que já houve tempos que eu vivia num apartamento que não ventava e era verão e não tinha ventilador.

e se talvez rolasse uma cerveja, um peixe frito, amigos na mesa de algum canto qualquer. histórias engraçadas seriam compartilhadas. eu contaria da vez que eu confundi meu crachá com a cartela da pílula anticoncepcional na frente do portão da escola aonde eu iria estagiar. poderia ter uma história nova - um poeta bêbado passaria e diria uma poesia erótica e ao nosso lado começaria a gritar palavras que são vistas como "sujas" e que nos deixaria com vergonha - e então nós iríamos rir juntos e naquele momento duas ou três pessoas pelo menos pensaria "que bacana é a vida". os demais não estariam pensando mas certamente sentindo. 

o sorriso poderia vir saudosista simplesmente de lembrar do passado da infância feliz da adolescência que demorou mas passou (sem muitas memórias alegres) da faculdade que trouxe bons momentos. mas hoje ser saudosista também traz um pouquinho de tristeza, então eu poderia sorrir pro futuro, de pensar que eu posso estar aqui ou acolá ou em qualquer lugar e existem tantas possibilidades abertas. mas isso tampouco tem sido motivo pra sorrir, é mais motivo de angustia, uma angustia do caramba. 

então talvez quem sabe eu ligaria para você e colocaríamos a conversa em dia e você diria mais do tal sexo que sente falta que envolve vestido, cores e uma saudade inteira não só do sexo e falaríamos de política e talvez trocaríamos palavras bonitas um com o outro, embora ultimamente elas tenham sido mais duras e com um pouco de rancor guardado. apesar disso, sei que seria uma boa ligação, que duraria cerca de uma hora ou mais, graças a TIM. a ligação poderia cair várias vezes - graças a TIM - mas nós ligaríamos de novo.

o sol lá fora tenta dizer que a vida é bonita e que existe praia e que existe sorriso e que talvez, talvez, talvez, exista alguém ali que eu vá esbarrar ou pediremos o mesmo sorvete ou riremos juntos de uma criança que fala algo engraçado e então, tão de repente quanto o esbarrão ou o sorvete ou a criança, estaremos dividindo o mesmo guarda-sol.

tudo que sei é que existem memórias alegres e possibilidades animadoras, basta abrir os olhos e ver. 
mas acontece é que estou cinza.
assim, voltei a escrever apenas em letras minúsculas e só percebi agora. 
hoje sou pequena. 
hoje sou gota.

sábado, 3 de novembro de 2012

Vale muito a pena assistir...

Há cinco anos e uns meses atrás eu publiquei aqui uma das crônicas mais bonitas que eu já li, que descreviam da forma mais simples e sutil a sensação de quando nos arriscamos a viver os romances que passam pelas nossas vidas. A crônica chama "O Salto" (link abaixo do video), de Antonio Prata. Recentemente ele ganhou uma adaptação como curta-metragem, chamado "Uma Vida Inteira", de Bel Ribeiro e Ricardo Santini. Foi um lindo presente para este sábado. A crônica há anos me acompanha, tendo várias imagens e leituras e releituras. "Assistir" a ela foi um presente, que não posso esconder a estranheza. De qualquer forma, ficou um belo curta, um lindo outramento, especialmente para aqueles que sempre apostam em dar o salto.


Uma Vida Inteira from Brasileira Filmes on Vimeo.

O título da postagem de hoje faz referência ao título que a postagem da crônica teve: "Vale muito a pena ler..."

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Das curvas da estrada de Santos que ninguém vê - ou faz que não vê.

Uma vez, há muito tempo atrás, havia uma mulher na Zona Noroeste de Santos. Para quem não conhece, a Zona Noroeste é uma daquelas regiões que os políticos adoram nas épocas de eleição, que o tráfico é o Estado, e que as mulheres são vistas como mulheres que fazem filho e almoço pros filhos feitos, e nada mais (de vez em quando uma rendinha há mais como um bico de manicure ou de costureira). Não em toda a Zona Noroeste, mas em grande parte, há palafitas em cima do mangue. Elas podem ser vistas quando ainda estamos na estrada, entre Cubatão, São Vicente e Santos.

É lá que tem a maior favela de Santos. E essa mulher que compõe essa história é de uma região chamada Dique Vila Gilda. Bom, existem várias mulheres ali, a considerar que é uma região com mais de 20 mil habitantes. Mas a história dessa mulher é que me acompanha até os dias de hoje.

Segundo contam as histórias, a moça passou grande parte da sua vida lutando por melhorias no teu bairro, e teu grande feito foi o primeiro telefone público instalado na região. Um dia, cansada da miséria toda bebeu a água do canal - uma água extremamente contaminada - e morreu. Ela tinha, para além de oito filhos - um de cada pai - o meu nome. Ou: eu tenho o mesmo nome que ela tinha. Isabel.

Ouvi essa história de Isabel há um pouco mais de cinco anos atrás. Na época eu chorei. Talvez o fato de ter o mesmo nome que eu tenha criado uma maior empatia mas sei que não foi só isso. Eu chorei porque era uma história que contava da pobreza, da luta, e de uma mulher, que era uma anônima conhecida no bairro. Do momento que ouvi aquela história, sabia que jamais esqueceria - e faria de tudo para não esquecer. 

Chorei porque o Dique da Vila Gilda não foi o lugar em que eu encontrei mau cheiro e lixo e miséria, coisas que são muito observadas e citadas quando a Universidade vai "visitar". Cada encontro com uma pessoa lá era como se fosse encontro de vidas. As pessoas com quem conversei lá ficaram guardadas na memória, como pessoas dos filmes de Eduardo Coutinho que o mero ato de contar as coisas mais simples e banais da sua história fazia com que virassem personagens das mais incríveis. 

Essa fase de idas e vindas no Dique Vila Gilda talvez esteja tão viva agora porque ultimamente tenho tido encontros assim, com mulheres daqui do Nordeste, que chamam para um cafézinho e desatam a falar de suas vidas. São pessoas que vamos cruzando na vida e que não são do trabalho ou da família ou do ciclo de amigos. São pessoas que estão levando a sua respectiva vida e num dado momento cruza com a nossa e em meio a um café trocamos um pouco de prosa, que nos deixa uma marca que levamos para sempre conosco. 

Sei lá porque essas coisas me comovem, tenho um coração mole que só, mas essa história que escrevo agora não diz respeito a mim ou ao que me comove ou ao meu coração mole ou ao encontro com as mulheres do Nordeste e menos ainda aos filmes de Eduardo Countinho. Essa é a história de Isabel, aquela que não sou eu. 

O que tanto Isabel queria com um telefone público? Fugiria ela da sua triste realidade comunicando-se com outros lugares através de um telefone? Esperava alguma chamada? Seria só mais uma ação dentre tantas outras que fazia, e essa foi a única ação que é lembrada, talvez só por mim e por quem me contou a história?   

Hoje já há mais telefones públicos na região, embora as pessoas não liguem mais tanto pra isso hoje em dia, com tantos celulares - hoje é mais fácil comprar um celular moderno que conseguir um remédio no postinho. É bem possível até que o telefone público conquistado pela Isabel já esteja desativado ou quebrado ou algo assim. 

Maria, Zefinha, Aparecida, Néia. Mulheres que enterram de vez a ideia de "sexo frágil". E Isabel, que não tinha sobrenome e não está em nenhum livro - se procurar na internet, acho que é possível encontrar algo sobre ela, na época eu fui procurar e achei. Isabel tem a história do Dique cravado em suas entranhas - um lugar carregado por tanta miséria, mas também por uma vida pulsante que tenta escoar algo melhor que apenas lodo dos canais. Que a luta do povo do Dique da Vila Gilda arraste todo o sangue e lágrima e lodo que habita hoje nos canais, e deixem os sonhos de Isabel nadando em águas mais limpas, somando-se a outros sonhos de outras e outros moradores.

A lua, o sorvete e o gostar-pra-valer

"eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."
Carlos Drummond de Andrade

A internet é fria, por mais que permita nos conectarmos assim. Confesso que prefiro a lua. A ideia de olhar a lua, sentada numa pedra com os pés na areia, e pensar que tu está olhando a mesma lua, com os pés no chão do teu apartamento em meio ao caos, da janela da tua casa, me faz sorrir e me enche com uma alegria que não cabe nos caracteres de uma conversa pela internet.

Era exatamente sete e quinze da noite quando olhei para a lua e ela estava linda, e eu tive a certeza que você também estava olhando a mesma lua linda. Fiquei envergonhada, a princípio. Tem coisas que a gente só se permite viver quando está gostando, caso contrário é cafona demais. E nesse período de transição entre gostar e gostar-pra-valer, às vezes a realidade nos chama a atenção da cafonice. Sabemos que é em vão quando apenas damos risada e optamos por curtir o momento, ainda que seja cafona. Caso contrário, ficaríamos apenas constrangidos e voltaríamos pra realidade, indo seguir os compromissos que a vida nos obriga, dizendo para nós mesmos "que bobagem!". Mas não. Eu me mantive olhando a lua e sorrindo e gostando-pra-valer de você.

Tem momentos da vida que a gente guarda, como se tivesse sido uma bela cena de filme ou de um conto que revemos ou relemos repetidas vezes na memória, atribuindo novos significados. Um bom diálogo, um bom silêncio, e mesmo uma viagem bacana ou um momento teu na praia que fica guardado. Talvez sejam momentinhos que somando formam aquilo que chamamos de "vida". O resto são vinhetas que preenchem esse tempo em que simplesmente respiramos e comemos e dormimos e trabalhamos e existimos, muitas vezes ligado no automático.

lua de Ponta Negra, Natal (essa semana).
Acontece que, se é problema ou não eu ainda não sei dizer, mas desde que te conheço, sinto o tempo inteiro que estou viva. Contigo eu abro a boca pra contar novas histórias, e vivo para ter novas histórias para contar. E agora, enquanto penso se o dia vai ser praia, se vai ser estudo, se vai ter canção, penso também que não seria má ideia te chamar para um sorvete, um dia qualquer. E fecho os olhos e penso na possibilidade remota de um dia, sob a mesma lua cheia, estarmos dividindo uma pedra com os pés na areia, ou uma janela de um apartamento.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Corpo Ausentes

"Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si, 
o ato que não ousamos nem sabemos ousar 
porque depois dele não há nada?" 
Carlos Drummond de Andrade, A um ausente

- Eu gosto mesmo é de seguir o coração - diz a atriz bonita na TV que sempre acompanha os almoços em restaurantes, opinando sobre a forma que levava a vida como se a todos interessassem - e o pior era saber que há muitos interessava.
O "corpo presente" repete, com um sorriso de quem quer fazer graça e ao mesmo tempo constrangido com a falta de assunto. Era mais uma tentativa de recomeçar uma conversa, tão difícil de ser engatada naquela tarde:
- Está vendo? Tem que seguir o coração.
- Seguir o coração só dá merda - ela diz, declarando a falta de assunto como algo proposital, fruto da falta de paciência, e enfia o garfo com comida na boca. O tempo lhe fez endurecer ao mesmo tempo que lhe tornou mais simpática. Vivia com essa dupla-personalidade e os outros a sua volta aprendiam a conviver. Sabia que dela viriam as respostas mais ásperas mas também muito ternas, sendo todas elas respostas verdadeiras.

O "corpo presente" - que não é dela mas é o que está presente - sorri, acostumado com as cortadas. O "corpo presente" insiste e fala sobre suas ideias mais mirabolantes e vez ou outras solta tímidas declarações como quando ela vai prender o cabelo sorrindo e ele desabafa: "você é bonita". Os elogios até hoje ela não aprendeu a ouvir. É comum responder com algum comentário qualquer, mudando de assunto, fingindo que não ouviu, pra evitar ter que responder. Os planos mirabolantes e grandes reflexões filosóficas que não levam a lugar algum ela aprendeu a não ouvir, e se permite nessas horas se soltar para encontrar seus pensamentos no "corpo ausente", e o pensamento vai longe no tempo, no espaço, até que o "corpo presente" lhe chama de volta perguntando a sua opinião. Quando estão os dois no carro, é no "corpo ausente" que ela pensa, enquanto olha a vida lá fora. É no carro que ela entende muito das coisas, ou reflete sobre o incompreensível. Os caminhos sempre foram atraentes, pois permitem fazer planos que nem sempre são possíveis quando se chega, seja aonde for. A música ao fundo ajuda também a cabeça a pensar melhor, fluir melhor as ideias.

O "corpo ausente dela" tem seu "corpo presente dele" já, e não era ela, era outra. Vez ou outra ela lembra e grande parte do tempo tenta se enganar que é detalhe. Acontece que vez ou outra ela é o "corpo ausente" do "corpo ausente" (ele), mas são apenas - e aquele "apenas" era uma pequena palavra que mudava tudo - fantasias dos "corpos ausentes" (os dois). Então era hora da fantasia acabar, acabar com o feitiço que gerou o encantamento fudido - esse foi o diagnóstico acordado entre ambos. Sabia que aquela hora chegaria, e até vê que durou certo tempo. Sabia também que essa escolha dizia respeito a ele, "corpo ausente dela". Cabia a ele decidir até onde levaria esse devir, esse será que gritava na orelha de ambos. Cabia a ele transformar a reticências em ponto final, pois ele era quem tinha o "corpo presente dele" já, e ela não poderia ser "corpo ausente" pra sempre, pois não existe lugar para os "corpos ausentes" nas vidas alheias dos possuidores de "corpos presentes". "Corpo ausente" é vaga temporária, e logo passa o prazo e validade.

Ela olha na janela do carro e da janela do carro olha muita coisa da vida lá fora. Também entende muita coisa, e reflete sobre o incompreensível. Não sente medo, nem tristeza, nem raiva. E quando não sentia nem medo, nem tristeza, nem raiva, sempre pensava: então amadurecer é isso? Aprender a não sentir? Aquela verdade era insuportável a ela. A ideia de endurecer a ponto de não sentir mais medo, nem tristeza, nem raiva, era como morrer e continuar viva, e essa era o tipo de morte que mais temia. Então acompanhava pela janela ao som de uma música clichê enquanto se dava conta que o "corpo ausente" se preparava para ir embora de sua não-presença-sempre-presente-na-vida-dela, e pensa que não sente medo, tristeza ou raiva porque o "corpo ausente" que vai, na verdade nunca veio. 
 
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