quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Daquele que volta, e volta, e volta.

- e aí, como você tá? está triste?
- um pouco decepcionado.
- hum.
- é.

quatro anos de vidas-em-relação e ela não sabia ainda identificar os sentimentos dele. o tom de voz e as expressões do rosto beiravam uma neutralidade. questionou outrora - repetidas vezes, na verdade - se ele seria uma especie de robô. não era. agora, sentados naquele banco, olhando para o mesmo horizonte - um muro qualquer - quatro anos depois de se conhecerem, pela primeira vez ele confessou um sentimento a ela: decepcionado. o que ela poderia fazer com aquilo? não sabia.

viver com ele era aprender a viver sempre com um abismo de distância, em que nesse abismo abrigava as maiores possibilidades já idealizadas - por ela. tinha dúvidas se ele os sentimentos que ele tinha coubessem no abismo ou num buraquinho de golf.

queria poder dizer que o beijo entre eles foi gostoso, mas não foi. experimentara pela primeira vez um beijo com desejo, sem o mínimo de expressividade. sabia que o desejo estava lá, não sabe como mas sabia, mas não havia mãos pressionando o corpo, ou palavras no ouvido ou olhares que confessavam. era um beijo bom, mas havia algo de estranho. esperara três anos por aquele beijo e quando ele aconteceu, sentiu triste por ter matado a expectativa do beijo, que vinha carregada de muito mais vida que o beijo-em-si.

tentaram ir além. entraram em um banheiro desativado e aquilo pareceu ser um começo de algo, enfim. prosseguiu esperando um coração batendo mais forte, algum sinal de que aquilo estava sendo sentido, mesmo que temporariamente. nenhum sinal veio. não deu, não suportou tamanha frieza e sobriedade ao experienciar algo que há tanto tempo esperava. sentiu falta das respirações ofegantes, dos sorrisos criminosos e olhares entre os cúmplices do crime.

passado um ano, permaneceu a amizade. nunca comentaram do ocorrido. poderiam ter parado de se falar, ou de se importar um com o outro. mas ela sabia que da parte dele havia algo, um reconhecimento de amizade que fosse, ainda que sentisse necessidade de perguntar para ele o que ele entendia por amizade, ou por reconhecimento, ou por sentimento qualquer. sabia que se ele fosse capaz de sentir algo - e constantemente duvidava disso - , seria afeto. e que se fosse capaz de fazer carinho, faria. de fato, o fazia, considerando que sempre que se reencontravam havia um abraço - que ela via ser um abraço diferente do que o jeito que ele abraçava os demais.

quatro anos de amizade e agora dividindo uma cama - para dormir. aquele momento que tanto esperou em outros tempos agora era parte da realidade vivida, era coisa cotidiana. há quatro anos atrás, diagnosticara: estamos em Estados diferentes. estamos em estados diferentes. e então pensa: hoje estamos no mesmo Estado, enfim, e quem sabe, no mesmo estado também - não há sequer desejo para isso. nossa vida-em-relação, é afinal, um aglomerado de fragmentos que tentam se configurar enquanto história, enquanto uma relação que nasce não sei de onde e vai não sei pra onde, mas que existe, existe.

Nenhum comentário:

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...