domingo, 18 de novembro de 2012

Cinco anos.

Era mais uma tarde qualquer de um dia qualquer e eu estava fazendo algo qualquer e ela me chamou para fazer outra coisa qualquer e eu fui com aquela cara qualquer de tanto faz, como tanto fazia qualquer coisa naquela época. Era fim de semana e coisa alguma me aguardava porque eu não tinha muita paciência para as coisas que tinha.

Entrávamos no carro e ela perguntou:
- Por que você não tem amigas, heim?

Não soube responder. Eu fiquei triste. Não sabia porque não tinha amigas, ou amigos. Não sentia falta, na maior parte das vezes também. Ela fazia perguntas difíceis que eu não sabia responder. Também fazia afirmações que eu não concordava, embora tivesse que me esforçar para dizer o porquê. Eu nunca soube entender o que sentia por ela, talvez porque sequer tivesse a entendido. Uma mistura de reacionária com toques progressistas e um bucado de carinho com casca de pequenas agressividades no formato de palavras e expressões.

Anos depois se passaram e eu tive faculdade-casa-emprego-amigos-amigas-namorados-viagens-outra casa-outro emprego-outros amigos-algumas outras amigas-uns tantos outros namorados-músicas-sábados-lágrimas. Tanta coisa passou desde então e nesse tempo todo nunca houve intenção ou se quer desejo de a tornar santa. De um dia para o outro esgotar suas contradições que não era poucas. Não sei dizer se era legal, se era chata. Tenho dúvidas até se é possível dizer se gostava dela ou não. Acho que na síntese de tudo, sim. Tua autenticidade sempre foi digna de meu respeito. Não interessa se era engraçado, se era bobo, se era ruim, se provocaria caretas tortas ou sorrisos largos: o que tinha para falar ela falava. No duro. Com ela aprendi a apreciar a sinceridade, também sabendo a dor que isso às vezes causava - em si e nos outros.

Fato é que temos muitas coisas em comum, para além da insônia que tantas vezes compartilhamos, quando divulgávamos no almoço uma pra outra a quantidade de horas de sono dormidas na noite anterior. Isso não é fácil admitir quando por um tempo meu maior pavor foi me tornar quem era ela. Hoje parece algo tão distante: segui meu caminho, e por mais clichê que isso seja, talvez algo imensamente sem sentido de se dizer - sobretudo para uma materialista - mas sei que se de alguma forma soubesse como estou hoje, certamente reservaria muito orgulho do que me tornei.

Difícil foi vê-la indo embora, tão lentamente. A vida roubou aquilo que tinha de mais precioso, tua vitalidade. E quando foi, houve lágrimas mas houve muito alivio também. Vê-la sem vida no rosto, sem riso na boca, sem suas palavras duras e certeiras - às vezes equivocadas, mas jamais admitidas por ti ou por mim... vê-la indiferente à vida era algo insuportável! E que passe o tempo que for, a lembrança dela viva é presente em cada centímetro da minha vida.

E vez ou outra eu penso que se me visse agora, talvez não me reconhecesse. Ou talvez visse que tudo que eu precisava era ter um lugar e um momento para mostrar quem eu era, e que quem eu era era mais parecido com ela do que ela pensava - do que eu mesma pensava. Autêntica, viva e com insônia. Entre outras coisas. És aquela que eu tenho como referência de quem quero e quem não quero ser. E que deixa bater uma saudade danada, sobretudo no mês de novembro, que vem forte a lembrança da dura despedida e o último carinho na tua mão gelada. A cena que todo ano retorna a memória, onde ainda é presente a dor sentida com a constatação de um pulso que não pulsava mais.

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