terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Eu não presto"

- Eu não presto.
- Pra quê?
- Pra vida.
- Pra quem?
- Deixa pra lá. Tu é muito chato.


- - -

Sempre considerava que era uma pessoa organizada. Não sei quando me tornei o esteriótipo da confusão. Foi de repente um dia que fui pega de surpresa ouvindo "Precisamos sentar um dia, estou com saudade das suas histórias". E aí eu percebi: me tornei o entretenimento dos amigos ordinários, que faziam coisas ordinárias e levavam uma vida ordinária - grande parte comprometido com outra pessoa ordinária. Não faz tanto tempo e eu era uma pessoa ordinária que fazia coisas ordinárias e levava uma vida ordinária.
De repente eu sou essa confusão, tentando conciliar várias confusões e seguindo, fazendo, falando, bancando as irresponsabilidades e consequências dos atos irresponsáveis. E que os amigos riem, como que assistindo uma macaquinha que de forma atrapalhada tenta fazer alguma coisa dentro daquele aquário esquisito.

- - -

Eu não queria, mas deixei ele esperando meia hora a quarenta minutos em frente ao metrô. Cada cinco minutos pensava que havia fumado um cigarro. Cheguei. Descabelada, com milhões de envelopes, suada, um sorriso e uma cara de pau, perguntando:
- Conhece um correio aqui perto?
Ele olhou e fez cara de tanto faz. Mas quando nos abraçamos senti seu coração disparado, e escondia um sorriso por ter me encontrado, ainda que atrapalhada como sempre. Lá fomos nós, correndo em busca de um correio, percorrendo caminhos que antes fazíamos de mãos dadas, e beijos no farol. Eu tentando arrancar sorrisos, ele tentando se manter sério.
- Alguma novidade?
- Não.
- Nada? Não é possível não ter novidade.
- Não. Nada mudou nos últimos meses.
- Ai, peraí. - tentando me virar com o tanto de envelope, enquanto ele segue na frente, com jeito de impaciente. - Pronto. Então, não é possível que nada tenha mudado nos últimos meses.
- Bom, é isso. Ah, talvez eu mude para Alagoas. Ah, vai, me dá logo isso aqui - impaciente com as minhas atrapalhices, toma a sacola de envelopes da minha mão.
- Achei que não ia pegar isso nunca - falo, com um sorriso de aproveitadora.
- Se depender de você com essa sacola a gente não chega nunca nesse correio. - você segura o sorriso pra manter sua cara de tantofaz.

A gente sorri. Éramos nós novamente. Ele com seu mau humor desaforado, casca inventada para proteger sua sensibilidade frente a esse mundo cruel. Eu, com meus desastres sem salvação, embora ele tivesse se esforçado (bastante) pra me tirar dessa. Na fila do correio, o assistia falando no telefone. Era o sorriso que antes vinha pra mim. Na hora percebi que já existia outra pessoa. A fila andava lentamente e eu passava o tempo contando os cigarros e os sorrisos-olhando-pra-cima dele. O moço dos correios, encantado com minha gentileza e sorriso ao pedir informação, me assistia enquanto eu assistia o outro enquanto as trabalhadoras do correio assistiam o relógio ansiosas para fechar. Tentava buscar o que me fez gostar dele outrora. Lembrava de momentos alegres que passamos, de nossas trocas afobadas de carinho e conhecimento. Pensei quanto tempo havia passado. Por um instante me senti sozinha, como uma velha que envelheceu sem gatos ao redor. Quis reconquistá-lo, só para não deixar ele feliz com outra e eu feliz sozinha.

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Eu não presto.


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