sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nossa voz não será estuprada.

Duas notícias me tomaram o dia, e que muito dialogam entre si. Por um lado, o Estatuto do Nascituro, projeto de lei que tramita atualmente na Câmara dos Deputados (para conhecer o projeto clique aqui, e para ver um pouco do porquê é tão grotesco, veja uma boa leitura clicando aqui). Por outro lado, (mais) um caso noticiado de estupro seguido de assassinato de uma mulher (para ver, clique aqui). Ela, Josy Ramos, era professora Universitária, e voltava para sua casa quando foi estuprada e, em seguida, estrangulada.

Um caso horrível, não? O senso comum pedirá para a justiça procurar e punir o monstro que fez isso. Outros, mais reacionários explícitos, irão dizer: "vai saber com quem ela estava andando..." ou "ela devia estar metida com algum safado, ninguém é violentada assim gratuitamente". Deixemos de lado os reacionários, que esses não merecem sequer um comentário. São casos perdidos. Do senso comum, que procura avidamente por um culpado - ou, responsável - eu digo: o Estado. A mídia. A Igreja. E em certa medida, nós, se nos mantermos calados perante tudo isso. Claro, todos em suas devidas proporções.

Casos como o de Josy Ramos acontecem todos os dias. Muitos casos não são noticiados na mídia, não são discutidos sequer entre a família e os amigos da vítima - inclusive e talvez principalmente em casos que o estuprador é parte da família ou dos "amigos". São casos silenciados e abafados. Tentam não falar, pois é constrangedor. É difícil. E nós achamos difícil mesmo, mas é justamente por isso que nós tentamos fazer o oposto: falar sobre.

Todas nós somos, em diferentes medidas, Josy Ramos. Somos violentadas cotidianamente pela mídia que nos trata como objeto; pela Igreja que nos orienta a ser boa mãe e boa mulher; pelo Estado que não nos garante nossos direitos e segurança (e ainda nos criminaliza quando agimos com autonomia perante nossos corpos e vidas); pelos homens que, direta ou indiretamente, tentam nos ordenar: fiquem em casa, andem sempre com alguém, veja como se veste... ou te estupro, estrangulo, te mato. E nós, em certa proporção, somos responsáveis quando reproduzimos o silêncio e deixamos que matem mais e mais nossas companheiras.

Nos acostumamos a não nos revoltar ou sequer se indignar pelo fato de viver em uma sociedade que nos impõe ser mãe sem nos dar o mínimo de assistência para tal. De ser uma boa esposa, mesmo quando nosso marido nos agride - algo fizemos de errado, para isso, não?. Nos habituamos a uma mídia que nos diz como devemos nos vestir, nos comportar, quanto devemos pesar, como devemos ser caso desejemos ser "bem comidas". Devemos organizar as nossas vidas para sermos "bem comida". E a sociedade, com todo o apoio da mídia, nos impõe ser "bem comidas", pois caso contrário somos ressentidas e não sabemos viver - aliás, as feias que agradeçam aos estupradores, já dizia o infeliz Rafinha Bastos. Nos habituamos ao "toque de recolher" que para nós, mulheres, é cotidiano, caso não queiramos "dar motivo" para sermos estupradas e estranguladas. E se somos obrigadas a ultrapassar esse horário, porque trabalhamos ou estudamos ou simplesmente queremos nos divertir, temos que nos habituar a andar com medo por ruas escuras e abandonadas, pois o Estado não é capaz de (não quer!!!!) nos prover segurança.




Tentam estrangular nossas vidas de várias formas, todos os dias, ao nos reduzir a meras reprodutoras ou meras "boas esposas". E o Estatuto do Nascituro é mais um exemplo disso. E eu não vou nem entrar aqui em questão se as células embrionárias são uma vida ou não. Acho que vale as pessoas procurarem artigos de companheiras que destacaram muito bem as consequências desse projeto. Aqui, destaco alguns absurdos apenas: o fato de que não será mais permitido a realização de aborto quando em casos de risco na gravidez ou em casos de estupro. Assim, se uma mulher corre risco de vida, ainda assim buscará salvar o feto. E, em caso de estupro, a mulher deve permanecer com o filho - isso levando em consideração que muitos estupros envolvem casos de pedofilia, de jovens mulheres que são assediadas por familiares e vizinhos e serão crianças obrigadas a gerar criança. E mais, o aborto espontâneo (cuja probabilidade é de 25% das gestantes no início da gravidez) será investigado como caso de polícia.

Absurdos à parte, o que ressalto aqui é: esse mundo, não é pra nós, mulheres. Esse mundo não é para nós e para nossos companheiros, tampouco. Somos nós que fazemos esse mundo, e então seus atuais donos nos retornam com migalhas de tudo aquilo que nós fizemos, nos viram as costas, nos fecham as portas, e ainda nos dizem: calem-se. E isso não significa que nós nos nos calamos, ou sequer calaremos.

O que eles não sabem, os tais "defensores da vida" - também conhecidos como defensores da moral e do bom costume - , é que nossas vidas não são estranguláveis. Quando alguma Josy Ramos é estuprada, ou assassinada, ninguém verá esses "defensores da vida" que defendem o Estatuto do Nascituro em defesa de sua vida, encerrada de forma tão violenta pelo machismo que mata todos os dias. Podem ter certeza que vocês não verão. Mas, quando alguma Josy Ramos é estuprada, ou assassinada, podem ter certeza que são mais duas ou três, ao menos, "Josy Ramos", que passam a se indignar. As indignações existem - eu sei que existem - mas precisam ser transformadas em voz e ação. Urgente.

O nosso feminismo vem da luta pela emancipação humana, é a luta pelo fim de toda e qualquer forma de opressão. E quando formos milhares, ombro a ombro, lado a lado, homens e mulheres na luta pela liberdade, teremos força para tomar esse mundo que é nosso, esse mundo que nós fazemos com nossas mãos e assim, nossas vidas serão livres. Essa é a nossa luta: minha e tua que lê agora, e que por isso solicito e convoco para não que não permita que matem mais uma companheira nossa.

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