quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Encantamento Fudido


Somos aquele momento entre a possibilidade do beijo e o beijo concreto. Estamos em uma condição permanente desse estágio, uma sensação um tanto angustiante mas também extremamente prazerosa. Gosto de você e de gostar de você e do que isso me causa: me bota para escrever, pensar, me tirar do lugar. Pode parecer que tudo que uma pessoa como eu não precise é sair do lugar, já que está o tempo inteiro saindo de um lugar para outro - o mesmo contigo, imagino eu. Eu me acomodei nessa condição incômoda e alguém parar e me perguntar: "tu é assim, por tua conta mesmo, né?" me faz pensar se sou, e, caso seja, se quero ser. Faz com que eu lembre de como já fui feliz assistindo a um filme sexta a noite com alguém que eu gosto.

Em tempos que já fui feliz quando a única certeza era quem estaria me esperando em casa, e não o que eu faria. Encostar no ombro, enroscar as pernas, poucas roupas e muitos carinhos. Tendo frio, uma coberta. Enrolar na cama pra começar o dia. Seria algo incompatível, mudar o mundo e manter as pernas enroscadas com alguém? Seria condição determinante manter as minhas pernas livres de outra qualquer? Veja Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches, Marx e Jenny, Trotsky e Natasha, que sobreviveram durante revoluções e exílios que envolviam Polônia, Sibéria e tantos outros lugares.

Além da minha suposta auto-suficiência, tu fala do meu não-sorriso e que estou séria e eu percebo que não sou de muitos sorrisos em São Paulo. Pode parecer capricho meu, mas essa cidade me endurece demais. As batidas de ombro, os olhares tristes, os muitos tons de cinza, os cigarros desviados, os pés que correm pelo asfalto, o correr do tempo. Há muita pressa e pressão e pouco espaço para apaixonamentos e outros momentos que exigem a câmera lenta, a pausa pro olhar, pro sabor. Para além disso, existe o casco e a máscara de sonsa para tentar disfarçar o turbilhão de dentro de mim, a vontade de pular em ti e te levar pro banheiro sem ligar o que o garçom irá pensar. Seguimos seguros brincando com canudos e falando de Machado de Assis.

Essa ambivalência entre o excessivo pudor e o incontrolável tesão leva ao ápice de um beijo roubado e bruscamente recuado. Jamais me perdoarei por não ter prolongado cinco segundos que fosse aquele beijo. Quem vencerá - o excessivo pudor ou o incontrolável tesão, não sabemos. Enquanto isso, nos mantemos nesse momento permanente da possibilidade do beijo e a concretude do mesmo. Dos olhos que se cruzam e ficam, e as pupilas se alteram. Dos lábios que lentamente se molham para receber a outra boca. Do coração que dispara ao pressentir que tem novidade no ar. Do corpo que fica em êxtase preparado para sentir outro corpo. Por quantos dias ou semanas ou meses é possível manter nesse estado, eu não sei. Estamos desafiando as leis da física, química, biologia.

O que dá medo nessa história não é do fim ser bom ou ruim, mas justamente da possibilidade de ter seu desfecho. Independente do conteúdo, chegar a última página desse romance parece algo doloroso, como aquele livro bom que não queremos que termine, ao mesmo tempo que estamos curiosos com o que vai acontecer com as personagens. Caminhar contigo sem saber pra onde dará está tão gostoso, diante de tantas respostas que devo dar o tempo inteiro sobre pra onde e quando e como ir, o que fazer, com quem e todas essas questões que a vida e a família e os amigos e os compromissos nos exigem responder. O teu me tirar do lugar me faz bem, teus atos e dizeres de menino-homem são tão puros e bonitos - vida no teu sentido mais cru e bruto. Descobrir a tua vida, nos descobrir juntos e me descobrir também, brincar de criar um "nós" de forma tímida com breves momentos de ousadia é uma experiência tão bela na tua singularidade.

Qual será o desdobramento? Seria um só? Pra onde vamos? Seria essa questão? Ou a questão nunca foi "o que faremos" como se existisse uma finalidade ou uma meta, enfim? Talvez seja isso. Estamos fadados a ser caminho. Estrada paralela de nossas vidas que não se cruzariam se não fosse essa rota que inventamos, em que não há sinais e placas visíveis para outras pessoas que não nós dois. Sem desistir da estrada velha de cada um de nós, com nossas parceiras e parceiros, obrigações e prazeres, nos buscaremos nesse caminho secreto vez ou outra pelos quatro cantos do mundo, quando for pra ser. Cuidemos apenas para que não nos leve a lugar algum, independente de ser para um lindo paraíso ou a um abismo. Basta aprendermos a hora de voltar, pra boa e certa estrada de cada um, respeitando a pausa permitida pro almoço ou o horário do próximo vôo ou a próxima reunião.

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