sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Do que não cabe.

Ele pensava em filhos e onde é melhor comprar uma casa e ela queria sair daquele apartamento e mudar o mundo - ou pelo menos os móveis de lugar, pois aquelas poltronas voltadas para a televisão me incomodava horrores. Discutiam muito até o coração dizer chega, que se continuar estraga a paixão. Então iam para a cama onde se entendiam bem - onde tanto faz se era Moreno, Rosa, Mandel ou Kautsky. Primeira, Segunda, Terceira ou Quarta Internacional. Até a Quinta, que fosse. Partido ou Inteiro. Tanto faz. Eram os dois naquele quarto sujo cheio de roupas e rascunhos espalhados, alguns isqueiros já sem gás, e pintura desbotada. Acendiam um cigarro depois e então retornava:

Você estava dizendo, sobre o ciclo PT...


...


- Que foi? - pergunta séria, parando um pouco o que estava fazendo ao ver que estava sendo observada.
- Nada. Estou te vendo. - ele responde, quebrando qualquer dureza que existia entre os dois.

Assim eram, como esse diálogo. Individualidades que se encontraram, e com toda a dureza e aspereza, ainda havia carinho permeando pelos poros. Essa quebra era parte do que os constituía enquanto casal. Ela tentava mostrar para ele aquilo que ele escondia dele mesmo. Ele a via como ninguém antes havia se proposto a ver. Eles se notavam, se percebiam um ao outro com suas nuances todas. Mas a casa era pequena demais para caber o amor dele e as vontades dela.

...

Um ano, alguns meses e minutos depois sentaram em um bar e tomaram cerveja. Muitas, como sempre, com os altos e baixos de sempre. Palavras duras, o debate agora sem carinho - ou pelo menos tentava- , tentavam dizer um ao outro que não eram mais café-com-leite, que o coração não iria mais dizer chega e então poderiam fazer o debate duro exigindo que o outro sustente teus argumentos. Falaram de músicas, mestrado, livros, academia, amigos - quem casou, quem morreu, quem separou... - partidos, conjuntura, um jornal vendido... até que chegaram ao ponto: nós. Debate duro. Ele não falava mais de filhos. Ela já não se incomodava mais com o mundo tampouco com os sofás voltados para a TV. Ainda assim, havia algo sem cabimento naquela relação, e um impedimento para o tentar de novo. Terminaram novamente.
Na despedida um abraço, e um choro involuntário nos ombros dele - ombros que sempre fizeram chorar, não por causar tristeza, mas por permitirem ser triste.
- Me liga quando quiser.
- Ligue você quando quiser.
- Você sabe que eu não vou ligar.

Andaram cada um para seu lado, sem olhar para trás.
Nunca mais se viram, embora tenham se encontrado algumas vezes depois.

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