terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Não existe amor em SP (!)

"...não sabes desse meu mar porque nada digo, e temo que seja outra vez aquela coisa piedosa, faminta, as pequenas-esperanças, mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas, e lentamente falas, e lentamente calo, e lentamente aceito, e lentamente quebro, e lentamente falho, e lentamente caio cada vez mais fundo e já não consigo voltar à tona porque a mão que me estendes ao invés de me emergir me afunda mais e mais enquanto dizes e contas e repetes essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasses e me afogasses nesse mar aberto que nós sabemos que não acaba assim nem agora nem aqui."

Caio Fernando de Abreu, À beira do mar aberto, do livro Os dragões não conhecem o paraíso. 


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Em meio a sua histórias infinitas, contadas como se fosse a primeira vez que tivesse a oportunidade de contar histórias longas e com medo que isso acabe conta rápido para que aquele momento caiba mais histórias longas possíveis, te interromper e dizer: chega! Foda-se Jorge, Ana Carla, Brenda e todas as outras e todos os outros. Eu quero é saber de ti, de nós. Quando é que chegamos no nosso capítulo dessa história sem fim? Já tomamos todos os sabores do suco e agora chegamos nos dois sabores - em breve alcançaremos as vitaminas das mais criativas e ainda não resolvemos aquele desejo pendente. Não falo nada.

Vê um de goiaba, por favor.

Teus joelhos comiam meus joelhos por debaixo daquela mesa em um discreto encostar das pernas sinalizavam como elas queriam era estar entrelaçadas em algum lugar, embora continuávamos falando da Ana Carla.

E quanto mais falamos, mais pensamentos sórdidos aparecem nos cenários que passamos, formas de fazer o que falamos de não-fazer - onde eu poderia me esconder contigo e fazer tudo aquilo que já prometemos e mais?. É como aqueles inseticidas que ao invés de matar o mosquito deixa ele mais resistente e forte. Tentamos tantos inseticidas - verborragia, atividades amenas como caminhar no cinza de São Paulo, músicas tristes, poemas suicidas - mas o tesão segue vivo, em chamas, esperando ser consumido.

- Tem medo.

Fico calada. Tu inventou um outro jeito - muito menos agradável - de me colocar contra parede. E fiquei alguns dias a sofrer com isso e pensar em tudo que me acusa, até que revendo as cenas e as conversas e tudo que já passamos vejo que todo esse ataque é para que eu não veja o teu medo. Essa tua mania desagradável e sedutora de blefar. Já assumira outras vezes que furei tuas defesas. É nisso que parece um menino. Encontrei você por trás de todas essas roupas de gente grande que vestimos ao longo da vida no passar dos anos, para que ninguém nos encontre - não é para qualquer um que nós despimos, pelo menos não dessa forma. São poucas as relações - e menos ainda as trepadas - que nos fazem tirar esse tipo de roupa, e nos permitem esse tipo de nudez. Ficamos vulnerável assim e é perigoso demais.

E então assumo: tenho medo, sim. No fim das contas queria entender se é o meu sexo, ou os meus textos, ou o olhar que te dei e ficou... e se é tudo junto, não é demais? Três motivos ou mais para se querer alguém, deve haver alguma teoria sobre isso. Tu não percebe o peso de suas confissões. E se percebe, não fala sobre isso. E se não diz, não sou eu que vou falar.

E pra não falar, mais uma vez, do que não é pra ser dito mas vivido, sigo com meus pés a caminhar. Meu pensamento acompanha a passos lentos os passos apressados da cidade, retomando fala por fala, gesto por gesto, cada insinuação e cada desaforo teu, de forma perturbadora. Te ouvia falando mil coisas ao mesmo tempo, e os olhares - aqueles para mim e para a mesa, meio tímido, meio constrangido mesmo. Os olhos encheram de lágrima mas não era tristeza, não era alegria, não era qualquer uma dessas dicotomias. Era uma tremenda paixão que já não cabia mais, um sentimento de que isso precisa ser logo experimentado pois as veias já não aguentam esse sangue quente de vontade de você.

Isso, e o ar poluído de São Paulo que fode com a minha saúde e faz meu olho arder.

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