quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Do pré-começo

Era de tarde quando me flagrei pensando em você pela primeira vez, três dias depois de te reconhecer. Sim, a primeira vez que nos vimos não nos conhecemos. Reconhecemos, eu a mim mesma, tu a ti mesmo, nós um ao outro. Era como se tudo e nada tivesse mudado naquele momento. Era tudo que tinha mudado, porque estávamos, enfim, no mesmo ambiente. Era como se nada tivesse mudado porque parecia que aquilo não parecia acaso - por mais que tinha uma série de acasos que vínhamos a saber depois - e não parecia surpresa ou novidade, era como se aquele momento em que nossos olhares se cruzaram estivesse no script. Explico: o momento que alguém entra em cena nas nossas vidas só passa a fazer sentido depois que ela se torna um personagem definitivo. Na hora, é apenas um figurante, alguém que passa como tantas outras pessoas que passam. Não foi contigo assim. Na hora que tu entrou em cena na minha vida, eu já sabia que tu era personagem, e não figurante. É como se soubesse que aquele roteiro seria bom, e renderia boas cenas em bons cenários.

Mas enfim, era de tarde quando me flagrei pensado em você pela primeira vez. Em um primeiro momento me espantei. Ter você em meus planos não estava nos meus planos. Mas deixei, como uma memória gostosa, aquele "e se" que nos faz pensar que a vida é bela e reserva surpresas e possibilidades. Até que nos reencontramos, por um acaso, duas semanas depois, e eu agi como se nada aquilo fosse. Geralmente eu me alegro ao ver pessoas que simpatizo e reservo algum carinho. Abro sorriso, abraço e beijo. Não quando essa pessoa me atrai. Daí eu faço cara de indiferença e digo "e aí?" pra disfarçar o coração que pula. E o coração pulando e a aparente indiferença foram o que me fez ver que eu estava interessada. Contigo foi mais ou menos assim, mesmo. Estávamos em uma roda com várias pessoas de vários lugares, algumas das quais eu chamava de amigo. Eu só queria saber da onde tu vinhas e o que fazia ali, na roda dos meus amigos. Quem trouxe essa pessoa pra cá, invadir meu espaço meu canto meu mundo? Tu se distancia para fazer algo no celular e antes de retornar a roda eu rapidamente me coloco no meio do caminho. "E aí, tem fogo?". Também com pose de indiferente, disse: "não.". Respondeu firme, seco, bruto. Pensei em provocar, falar alguma besteirinha. Eu sorri.
É claro que não tem, tu não tem jeito de que fuma.
Tu volta a olhar para o celular e eu mantenho o cigarro na mão, olhando a volta algum isqueiro. Tu poderia ter voltado pro grupo mas ficou ao lado.
Ei, me empresta o fogo aí? - eu digo, para um cara muito mais alto que tu, que sorri e acende pra mim o cigarro. Tu olha torto para o cara mas disfarça rapidamente olhando para o celular - Valeu.
Volto a olhar pra ti. Tu fecha o celular e diz:
Tu não me conhece pra saber se eu fumo.
- Oras, quando saímos de um ambiente fechado para pegar ar, há duas saídas quando se vai sozinho: (1) tomar ar fazendo algo no celular, (2) acender um cigarro. Ou fazer as duas juntas, mas tu faz o tipo que não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. Nesse caso, um fumante sempre optaria por um cigarro, e não pelo celular. A não ser que tu tenha alguém que não está aqui e queira falar com a pessoa.
- Não há um alguém. (eu abro um sorriso) - Toda essa falação foi pra descobrir se eu estou acompanhado?
- Não. Foi só para entrarmos no assunto. - você sorri olhando pra mim, e puxo um trago olhando pro muro.

Alguém te chama. Tu não diz nada com a boca, só com o olhar, e vai - "merda", penso eu. Passamos o resto da noite nos olhando e nos despindo famintos, com o olhar. Na minha roda o assunto era política e na tua era música, mas era a mesma política e a mesma música e poderíamos muito bem sair daquele mais-do-mesmo-de-nossas-vidas e viver essa novidade que pulsava - a vida chamando - mas não fomos. Covardia, talvez.

Dia seguinte tu é o primeiro pensamento da manhã, aquele que vem seguido do "que horas são agora?". Tudo bem, confesso que não é preciso muito para ser meu primeiro pensamento da manhã. Basta um sorriso bonito, um olhar que desperte curiosidade e a pessoa já está ali, ocupando esse ofício. Mas contigo foi diferente. - porque o caso mais recente é sempre "diferente", até que tudo acaba e ele passa a ser "como os outros", e a gente sempre fala isso na esperança de alguém que de fato permaneça como "diferente". Ao longo da minha vida de muitos primeiros-pensamentos-na-manhã, dois ou três de fato foram.

Fato é que depois de tu virar assombração bonita do meu cotidiano, não me restava nada além de te procurar, e descobrir afinal quem era essa pessoa tão disposta a me tirar o sossego. Eu fui ao teu encontro, sem saber se daria samba, se teria lua e se seria alegre. Não havia expectativas, mas uma curiosidade de tirar o sono. Era agora teu território, teu bar, tua cidade.
- Achei que não viria nunca. - tu respondeu, ao me ver novamente, já encostado no carro e com a chave na mão. - Vamos?, diz, abrindo a porta do carro.
Sorri. Entro no carro e ouço a música. Naquele momento eu soube. Para qualquer caso poderia ser perigo, para ti significava que me esperava. Era a nossa banda, ainda que não tivéssemos firmado esse acordo em lugar algum. Tu entra no carro, e eu sento de lado olhando pra ti.
- Tu sabe que isso vai dar história, não é?

Sorrimos um ao outro, enfim. Era a primeira vez que olho encontrava com olho e sorriso com sorriso. Antes era uma dança maluca que envolvia desvios e rodeios e devaneios. Agora nos olhávamos e nos sorríamos e o mundo estacionou. E a estrada era pouca para tantos caminhos que trilharíamos juntos.

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