sábado, 12 de janeiro de 2013

Mas as pessoas da sala de jantar

A criança observa seus tios, seus avós e seus pais. primos e primas, além de seu irmãozinho menor. A sua família era do jeito que as margarinas gostam: os homens falantes lembravam o pavão que havia visto na televisão dia desses. Imponentes e grandiosos. As mulheres preocupavam-se o tempo inteiro com as vasilhas, se a comida estava certa, se a sobremesa estava encaminhada, se os copos estavam preenchidos. Atentavam-se se as crianças estavam bem.
- Betinho, tira o caminhão da boca do Artur! Ele é neném! - gritava uma delas.

Olhava a tudo e pensava como ali as coisas pareciam tão bem, mas há algumas horas atrás, antes da visita chegar, seu pai gritava com sua mãe, em um volume muito alto. Parecia bravo. A mãe chorava, mas o choro de sua mãe era algo recorrente no dia a dia dela. Já havia se acostumado, e pouco a pouco estava acostumando com os berros do pai também. O que não entendia era a forma como tudo acontecia tão rápido. Um momento estão ali, parecendo se detestar. No outro, agiam como na foto amarelada da estante, do casamento deles. Conhecia aquele sorriso da mãe, um sorriso rígido, diferente de quando ria das atrapalhadas do neném Artur.

Era a hora do jantar e ela já aguardava na mesa, assistindo tudo. Gostava de observar e aprender com sua família como se faz, como se vive, como se fala. Seus irmãos corriam e brincavam. Ela sentava igual mocinha, como a mãe havia ensinado, cuidando para não amassar o vestido. Pouco a pouco as pessoas sentam na grande mesa. Começam a jantar, engolindo as tristezas e pequenos remorsos junto com o bife, arrotando sorrisos e conversa besta. A criança observa tudo em silêncio. Sua tia, tentando envolver a criança no mundo dos adultos, pergunta, diretamente da outra ponta da mesa:

- E então, mocinha, o que vai querer ser quando crescer? Já pensou nisso, ãnh? - Todos aguardam olhando para ela, que tenta rapidamente pensar na "resposta certa" para essa pergunta. Ela examina sua mãe, suas tias, sua avó e responde, com tom de sábia:

- Eu serei mulher de alguém.

A primeira reação da mãe é um susto. Ficou desconcertada, e foi tomada por um mal estar. Foram poucos segundos. Todos olharam para a criança, alguns largaram o garfo. Começam a se olhar, até que a tia começa a soltar uma risada alta.

- Ai, você é uma figura. E você, Bentinho? - Todos relaxam, e agora olham para Bentinho, que diz que será engenheiro, como o pai. Pouco a pouco sorrisos se abrem. O tio bate nos ombros do pai, que parece orgulhoso. A mãe permanece um tempo ainda se recompondo da resposta da filha. Por um instante, reflete sobre quem ela é naquela casa, naquele monte de gente, naquele monte de comida e louça. Lembrou de seus sonhos de quando tinha a idade da filha. Eram grandes. Seus olhos começaram a encher de lágrima, até que.

- Ei, Teresa! Onde está aquele pote verde? Pensei de colocar a sobremesa nele, que acha?

Então, Teresa engole a lágrima e seus sonhos de criança e vai pegar a vasilha verde. Sua filha permanece, sentada igual mocinha. Seus filhos correm, e correm, e correm.

2 comentários:

Isis disse...

Uau, Bel! Que texto forte, cheio de sensibilidade e permite muitas reflexões, principalmente sobre as questões de gênero!
Adorei!

Beijos!

cazuza disse...

Quanto tempo não me permitia "outrar" por aqui! Que falta dessa sua sensibilidade, bel. Já fiz o convite mas refaço depois de ler esse texto. Venha conhecer nossa casinha nova e juntar-se a nós em nossa mesa de jantar, prometo não haver injúrias! rs

Beijos

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...