segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Por um mundo sem diplomas (ou: como me meti nesse negócio chamado "esquerda")

"A vida era muito dura. Não chegávamos a passar fome ou frio ou nenhuma dessas coisas. Mas era dura porque era sem cor, sem ritmo e também sem forma. Os dias passavam, passavam e passavam, alcançavam as semanas, dobravam as quinzenas, atingiam os meses, acumulavam-se em anos, amontoavam-se em décadas — e nada acontecia. Eu tinha a impressão de viver dentro de uma enorme e vazia bola de gás, em constante rotação."
Caio Fernando de Abreu

Era uma vez, uma sensação assim.
De nada.
Vazio total.
Os dias passavam, bem como as semanas, os meses, os anos... e tudo se resumia a uma cama e uma TV. A cama, a TV, e a espera por algo que não sabia bem do que se tratava.

Acho que essa cena retrata como era minha vida antes de me envolver com algo que fizesse de fato sentido. A militância pra mim veio como resposta a todo esse nada que sentia frente a qualquer coisa.

Eu não sabia que existia esse mundo - de luta, da esquerda, de possibilidade de revolução. Se sabia, parecia longe, longe. Então ficava deitada no meu quarto vendo TV, esperando o dia que entraria em alguma faculdade. Não pelo diploma, não pelo futuro profissional. Eu só sabia que nesse lugar encontraria alguma coisa. Não sei bem como nem por quê. Só sabia.

Daí eu encontrei.
E era tão ruim não sentir nada, que hoje, mesmo quando o corpo dói - a cabeça de tanto pensar, as pernas de tanto caminhar, as costas de tanto ficar de pé panfletando, a garganta de tanto falar... é tão melhor que antes, quando eu não sentia nada.
Eu fico bem hoje de ter algo que faça sentido me preocupar.
Mais que um diploma, mais que uma escolha de carreira.

Penso em quantas pessoas ainda não conhecem esse universo tão incrível e tão cheio de potência: o da possibilidade de sonhar com outro mundo. O de sonhar, e construir, e fazer. Mudar. Transformar. Revolucionar.

Não há diploma que valha a capacidade de acreditar que outro mundo é possível.
Um mundo em que não dependa de exploração, que não tenha como motor a miséria, que não se alimente da pobreza de um outro ser humano.
Não há diploma que valha a capacidade de levantar-se, erguer os punhos e caminhar ombro a ombro com quem compartilha do desejo pela transformação.
Não há diploma que valha o encontro com quem também consegue se indignar, com quem consegue enxergar os duros ataques que sofremos cotidianamente por uma minoria.
Um mundo sem diplomas.
(enquanto todos dizem "calma", ainda existem aqueles que resistem e gritam "basta!" e vão pra luta por um mundo de liberdade, construindo o socialismo através da revolução)

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