sábado, 12 de setembro de 2009

"É lindo quando a diferença não faz a mínima diferença."

"Ri, sem graça.

Cinco anos tinham se passado, já estávamos lá, diante de um palco imenso, trezentas pessoas sorridentes e arrumadinhas olhando atentas e a vida, cretina, passando a 220 km por hora.

Lembrei do Marcus, primeira semana de aula, contando de quando estava no segundo grau e era maconheiro de marca maior, mas daí arranjou uma namoradinha numa festa e esqueceu de todo o resto. Do Felipe, dizendo a alto e bom som que era gay, no segundo semestre, todo mundo calado, idiotizado, os guris passaram umas boas duas semanas sem trocar uma palavra com ele, só me diziam “porra, e a voz dele é até grossa”. Depois passou, eles voltaram ao esquema futebol, boliche, piada de português, barzinho, jantas e gargalhadas sobre bunda de mulher, e de um dia pro outro todo mundo esqueceu que o Felipe dormia com homens. É lindo quando a diferença não faz a mínima diferença.

Inesquecível o dia em que a Bruna levou um choque. O André quebrou os óculos com uma caneta que eu joguei pra ele. A Carol gaguejando na apresentação do nosso primeiro trabalho. O drama do fim do namoro da Luiza com o Daniel, todo mundo sofreu junto, todo mundo odiou junto, todo mundo foi pra festa e bebeu junto, esqueceu junto e começou uma nova madrugada junto, novas histórias podem sim apagar as velhas. O dia em que a professora Lia morreu e saímos pra comemorar, acabamos com as cervejas do bar. Porque humor negro não tem limites quando se está na faculdade.

Os jogos de futebol que assistíamos aqui em casa, o qual eu nunca prestava atenção. Os copos quebrados, salgadinhos devorados, fricassê de frango que só o Marcelo sabia fazer, combinação perfeita com Coca-Cola e mousse de maracujá, com direito a dormidinha no sofá de barriga pra cima depois do banquete. Todo mundo. Minha briga com o Juliano: nunca mais queria ver a cara dele. Foram quatro meses de guerra fria. Ninguém tem direito de falar de namorado meu, ora bolas. Até eu descobrir que o cara era mesmo um cretino e chegar de mansinho pro Ju, pedir desculpas e confessar que o cara era um babaca, ele tinha toda razão e acabarmos nos beijos lá em casa. Ironia do destino. Meu segredo oficial da época da faculdade, hah.

Voltando ao palco, estava preparada para o discurso. Para as rosas para os pais, para o baile, o tchau sincronizado aos velhos amigos no fim da festa, as lágrimas. Não estava mesmo era preparada para a saudade, o vazio. Os dias sem aulas pra matar, matérias pra estudar, risadas conjuntas pra dar, chamadas pra assinar, intervalos para compartilhar entre cafés e pastelinas.

Uma saudade que, quando eu estava no quinto, sexto semestre e dizia a torto e direito que “bah, quero me formar de uma vez e ir embora dessa merda…” eu jamais imaginei que iria sentir. E agora, nem parti, já sinto falta. Olhei para toda aquela gente, expectante, ansiosa por mim, por nós, por eles. Eles estavam ali não para saber dos amigos, dos estudantes, das crianças que viraram adultos em cinco longos anos. Estavam ali para ouvir o que os profissionais responsáveis e engomadinhos iriam dizer em seus primeiros passos para a ciranda louca do mercado de trabalho.

Na hora de ir pra plataforma discursar, tropecei. Cai feio. A platéia fez “ohhh”. O Juliano me juntou do chão, e bem, eu estava mais do que vermelha. Antes que eu piscasse, o Marcus correu pro microfone e disse:

- Julia, obrigada pela representação. Apenas para mostrar a todos os presentes, amigos e familiares, pessoas que amamos, que mesmo estando formados, maduros, “prontos”… nós podemos, sim, cair e levantar.

Subi na plataforma, ele piscou pra mim. Até cair pode ser bom se sabemos que alguém vai estar ali pra nos ajudar a levantar. Comecei o discurso. Seria uma longa noite. Longa vida. Vida longa a todos."

Não sei de quem é, então deixo os créditos pra Kinna, quem compartilhou o texto comigo, e sempre compartilha intensidades. Muito bom o texto!

4 comentários:

Ra disse...

um dia eu quero ter inspiracao pra escrever da nossa formatura...
cada um deveria fazer o seu,seria uma multiplicidade muito maior sobre a mesma coisa

Kinna disse...

Esse texto já me deixa triste lendo-o agora, imagina depois de formada?

Eu vou tentar fazer um equivalente dele para a nossa formatura e, se ficar bom, alguém lê no derradeiro último de aula. Mas gostei da idéia da Rá sobre todos tentarem fazer um igual...ver a turma sobre várias perspectivas ao longo de 5 anos.

Kinna disse...

Agora que eu li a última linha, a dos meus créditos...:-)
O texto eu achei nesse puta blog: http://ultimogrito.wordpress.com/2007/06/15/perto-demais/#more-55

E quem assina é Ana Kieling (pelo sobrenome, é outra descendente da malograda raça, Keppler).

Bel Keppler disse...

adorei a idéia, rá.
e kinna, o blog é realmente muito bom. to lendo aqui tudo, hehe.

 
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