Os dois estão em um bar.
Ela com uma amiga numa mesinha; ele com um amigo, encostado no balcão. A amiga, então, vai até o banheiro, e ele aproveita para se aproximar dela, que segura uma mecha do cabelo e a movimenta fazendo rolinhos.
Direto, ele inicia o diálogo: “Oi. Posso?” - e puxa uma cadeira.
Ela, ainda fazendo rolinhos com a mecha de cabelo, responde: “A gente se conhece?”.
Ele diz que não, mas pergunta seu nome e se oferece para pagar uma bebida.“Meu nome é Gilberta. E o seu?”
“Patrício.”
“Então, Patrício, o que é que você faz?”
“Sou caçador de crocodilos. E você, Gilberta?”
“Sou astronauta.”
Tudo mentira.
Primeiro porque o lance de pagar uma bebida só funciona como cantada em filme americano. Segundo porque tratamos aqui de um diálogo insólito, a despeito dos inúmeros encontros casuais que a vida oferece, seja no boteco, no avião, no metrô, no ônibus, nos scraps do orkut ou até na sala de espera do dentista.
Geralmente, e diferentemente do que nos traz a hipótese “Gilberta versus Patrício”, o nome nem é a primeira coisa que se pergunta. Mas a pergunta sobre o ofício do outro a gente invariavelmente faz. E nisso, Gilberta e Patrício acertaram.
É assim: posso até não saber que ele se chama Anísio, mas sei que ele trabalha como dublê no SBT.
Isso talvez ocorra porque a indagação “O que você vai ser quando crescer?” seja uma das mais intrigantes questões da existência. Essa pergunta, do instante em que é introduzida à vida de um fedelhinho pré-adolescente, começa a despertar prospecções e projeções altamente criativas. E mesmo que essas costumem ser frustradas no futuro - ele descobre que não vai poder ser o Shrek e ela que não vai poder colocar “Tomb Raider” no objetivo do Currículo – é o que você faz que geralmente importa.
Não quem, mas o quê você é.
Eu já conheci muito publicitário, por exemplo. Não me lembro se Fernandos, Fábios ou Guilhermes, mas sem dúvida publicitários.
Conheci também empresários, advogados, médicos, produtores, programadores e fisioterapeutas.
Coisas básicas. Coisas, enfim, que constam da lista de vagas da Catho. Uma gente que, assim como eu, vai lá, escolhe a profissão, estuda (ou não) e fica com uma resposta prática para oferecer às pessoas quando inquirido a respeito da sua labuta.
Mas... E um árbitro de futebol? Ou algo como “Oi, tudo bem? Eu? Sou afinador de pianos.” Incomum trocar idéia com um Deputado Federal num bar qualquer da vida, não? “Sou deputado eleito pelo Rio de Janeiro. E você?” Nunca conheci um meteorologista - “comecei com garoas e trovoadas esparsas, mas hoje trabalho no setor de ciclones extratropicais”; não encontrei por acaso com um adestrador de cachorros, tampouco com um cartunista, um maestro, um capitão de transatlântico, um perfumista, um sismólogo, um detetive, um coreógrafo ou um guarda florestal.
A gente cansa, depois de uns 30 anos, de conhecer a galerinha do mercado financeiro e os atendimentos de agência. Todo mundo legal, todo mundo com algo a agregar, tudo bem, mas pensar no universo infinito de pessoas com profissões inusitadas que estou deixando de conhecer me deixa aflita. É como se eles estivessem todos se escondendo em algum lugar secreto, algum boteco subterrâneo ou em alguma sala de espera misteriosa.
Empinadores de pipa, ventríloquos, encantadores de cavalos, palhaços de rodeio, comissários de bordo e campeões de boliche.Sim, é lá que eles devem estar, esses seres interessantíssimos. Divertindo-se escondidos e casando-se uns com os outros. Patrícios e Gilbertas... Seguros e protegidos de nós, trabalhadores óbvios e monótonos que limitaram suas vidas ao que nos oferecia o manual da FUVEST.
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quinta-feira, 24 de julho de 2008
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