domingo, 27 de janeiro de 2008

O amor acaba

O amor acaba. Assim foi e assim será. Numa quarta feira de cinzas, num sábado de carnaval. O amor se perde entre o rebolado de duas passistas, debaixo da saia da baiana, o bumbo ecoando as batidas que já não vem do coração. O amor encolhe, anoréxico, suicida-se de melancolia; acaba num átimo de infarto - “tão jovem!” dirão -, ou aos poucos pingando, em lenta e imperceptivel hemorragia, pálido amor; morre de velhice, de obesidade, de preguiça; o amor desaparece, no fundo de uma gaveta, entre cartas de amor e contas de luz de 1987: o amor embolora, cria fungos, amarela; acaba entre um sorriso e um soluço, no meio do filme, no cinema, no movimento da mão que busca a outra mão na poltrona, mas mão já não há; acaba no papel de bala amassado, metido no bolso: lá vai ele, tão frágil o amor; acaba no mesmo colo de sempre, na cama, no gozo, triste, na distância entre dois corpos dormentes, num cafuné estéril, cadê o amor que estava aqui?
O gato comeu, o ladrão levou, o anel que tu me destes era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas, cadê meu Deus, o amor? O amor escorre, escapa, dissolve, seca, evapora-se de nós, pobres criaturas, “feitas para amar e sofrer por amor”; o amor acaba nas férias, na praia, no sol, em segundas-feiras cinzentas nos escritórios, em piscinas e cinzeiros, em abraços e ofensas, o amor acaba com ódio, acaba mesmo com amor, nem tanto, um tanto só de amor; acaba sozinho, culpado, acaba em conjunto, triste; esquece-se o amor, como uma musica de infância, uma tarde em que morremos de rir, uma cidade inteira onde já estivemos e já não esta mais dentro de nós; onde foi para o amor?
Foi-se embora para Paságarda, onde é amigo do rei (de nos certamente, já não é), fugiu para Maracangalha (com Amália?), aposentou-se em Beleléu, foi pro inferno, pro limbo, pro céu ou quem sabe, reside agora num baú, num sótão, numa rua calma de Santa Rita de Passa Quatro; o amor não escolhe o momento de terminar, vai-se no susto de um pôr-do-sol interrompido por uma buzina, no primeiro ônibus de manhã, é enterrado pela pilha de jornais atirados diante da porta, vai embora com a borra do café; “em todos lugares o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba”.

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