segunda-feira, 19 de novembro de 2007

mas como eu começo depois do fim?

Seu cantinho do sofá nem esfriou e você já virou pó.
Queria eu ter pressentido, como tantos falaram. Queria eu ter tido um sonho premonitório, ter recebido alguma espécie de despedida metafórica. Queria eu ter ouvido você dizer algum tchau mais profundo, ter desconfiado de que era a última vez que te veria bem. Queria eu saber quando foi a última vez que te vi como sempre te reconheci. Aquela pessoa forte, sinônimo de vitalidade... mas há tempos você se foi, e ontem foi mera formalidade.

E não teve nada que me antecipasse a notícia. No dia anterior falávamos de banalidades da novela. Perguntei se o mocinho já tinha engravidado a mocinha. Antes de ir embora, falei que ia ter almoço especial pra ela no domingo, e que por isso ela não ia ter desculpa e teria que ir pra minha casa. Ela riu e me mandou embora. Achei estranho. Nunca me mandou embora. Pelo contrário, brigava pra eu ficar. E eu ficava, e você implicava comigo. E eu sentia raiva.

Não me sinto culpada por ter sentido raiva de você, por tantas vezes reclamar de suas exigências, de suas cobranças, de sua perseguição. Um perigo quando você descobriu a hora do meu intervalo no cursinho, e me ligava todo dia pra perguntar como estava. Ou quando minha mãe te disse que 7hs era um horário bom pra me ligar, porque minhas aulas da faculdade já tinham acabado. Era todo dia ligando pra não falar nada. E eu ficava brava. Mas eu não me sinto culpada.

Sinto saudades. Saudades de você com seus inseparáveis itens: sua bolsa, seu leque de papel que meu pai improvisou, sua lanterna em caso de faltar luz, seu pote de bolachas para "enganar o estômago", seu terço que já estava todo arrebentadinho mas vc não largava. Saudades de suas queixas sobre "o jovem de hoje em dia" que sempre serviam de indireta pela maneira impaciente que eu tratrava você. Saudades de quando passava pelo corredor e ouvia você falando alguma coisa que mostrava como você sentia orgulho de mim. Porque os maiores elogios vindos de você eu ouvi atrás da porta, mas pra mim valia muito mais que qualquer dito na cara. Saudades no ninho da vó, do doce de leite, dos natais que você que ordenava quem ia sentar aonde, para ninguém ficar perto de alguém que vê todo dia.

E não adianta pensar que vc foi pra algum lugar melhor, ou que você está entre nós, ou que está com Deus ou qualquer outro personagem. A questão é que seu cantinho ainda nem esfriou e você já é pó. E o que que eu faço agora?

Um comentário:

Kinna disse...

"Seu cantinho do sofá nem esfriou e você já virou pó."

Isso dá até nome de livro.

 
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